Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

Apressa-te lentamente

metro2.jpg

Atravessará Portugal um período de democracia musculada? Não nos vamos tornando, cada dia que passa, um pouco mais críticos da discriminação positiva? Acabará Salazar entre os dez «maiores portugueses», convertido em déspota esclarecido? Não se sentiu você já paralisado numa dupla fidelidade? Enfim, não se escreveu aqui, no Aspirina, que o melhor do Gonçalo M. Tavares era um desleixo estudado?

Sempre os paradoxos me fascinaram. Sobretudo esses assim, apertadamente semânticos. Eles causam, um por um, um curto-circuito mental, uma minúscula confusão, estimulantes e deliciosos.

Um dia pus-me a coleccioná-los, aos mais correntes, e dessa colecção de paradoxos forneci, aí acima, os da letra «D». Ele há-os banalizados, como publicidade negativa (e a reconfortante afirmação de que ela não existe), há-os descaradamente eufemistas, como crescimento negativo, e há-os consagrados, transformados em cultura, como o pessoano título O Banqueiro Anarquista. Aliás, do autor do opúsculo se diz que prezava um fingimento sincero. E é esse Pessoa estuante de engenharia conceptual aquele que mais nos fala, sejamos honestos.

Outros paradoxos são de mais difícil gestão. Eles existem em línguas estranhas (em mentes estranhas, é bem de ver), sem que nos tenham ainda suficientemente ocorrido. Assim, eu gostaria dum correspondente português para o alemão «Schadenfreunde», o prazer na desgraça alheia. Ou para o inglês «selffulfilling prophecy». Ou para o neerlandês «remmende voorsprong», o progresso inibidor, ou o avanço retardante (por exemplo, as primeiras cidades com metropolitano têm também o material mais antiquado). Ou o também neerlandês «plaatsvervangende schaamte», a vergonha pela desvergonha alheia.

Aqui vão mais alguns.

caos organizado
fracasso sublime
imprevisto desejado
(em «Estação», de Nuno Bragança)
indignação selectiva
loucura lúcida
neutralidade colaborante
oposição construtiva
resistência pacífica
susto retroactivo
(num artigo de David Mourão-Ferreira, de 1990)
tolerância repressiva

Se souber de outros, vá dizendo. Ainda acabaremos o que se diz espertos.

Chega-me aí o microfone

db_plenario2005-31.jpg

A política – aí está um terreno em que nada me atrai. Suponho-a uma profissão de recurso, para os que não deram coisa que enchesse melhor a vida. Políticos interessantes, não vejo um sequer. E, depois, aquele ar cronicamente stressado, aquela fluência de lugares-comuns, aqueles reflexos tão bem treinados de, fingindo responder às perguntas, ir passando a insensata mensagem. Nada para mim, repito.

Mas, às vezes, em momentos de fraqueza… Sim, vou confessar um secretíssimo anelo: eu apreciaria fazer um discurso no Parlamento. Tal e qual. Mas sem televisões, sem rádios, sem jornalistas. Só para aquelas circulares bancadas, só para aquele espaço imponente e luminoso, só para aqueles 150 escolhidos ouvintes.

Sei que o desejo é vão, e que exprimi-lo é altamente inconveniente. Mas, entre as loucuras mansas, esta pode ter, até, uma misericordiosa cotação.

De resto, não seria – ouso pensar – um completo desatino dar-se, de vem em quando, a um paisano o microfone parlamentar. A voz popular encheria então a vertiginosa abóbada. Não digo que o poder tremesse. O poder não treme. Mas haveria, pelo toque mágico de umas babelas bem esgalhadas, um certo descontrair daqueles rostos.

Fica a sugestão.

Much Ado About Nothing

dependurado.jpg

Iraque! Iraque! Iraque! E os Democratas safam-se? E os Republicanos são os únicos culpados? E a Pelosi?! E os Democratas?! E os Republicanos?! E os Democratas?! E os Republicanos?! E o João Miranda?! E o Badaró?! Tanta retórica para um problema cuja solução é por demais óbvia e simples: arranjar mais 350.000 soldados que acabem o serviço mal feito! Como ninguém os vai arranjar….olhem… é não enforcarem o outro e devolverem-lhe a loja.

Momento Braz & Braz

Nenhum animal tem um território tão bem demarcado na nossa imaginação colectiva como o Lobo. O caçador, o habitante de mitos e lendas, mas também o animal acuado, perseguido e deixado à beira da extinção. Todas estas facetas do Lobo surgem em Lobos em Portugal, a última obra de Paulo Caetano e do biólogo Joaquim Pedro Ferreira.
Entre os dados científicos e os ecos de histórias fantásticas que ainda são sussurradas de geração em geração, passado pelos relatos de caçadas antigas e modernas em Portugal, este livro apresenta-nos um retrato preciso mas apaixonado da vida deste predador soberbo nas nossas serranias, ao longo do séculos.
São mais de 230 páginas, ilustradas por centenas de fotografias impressionantes e ainda por vários desenhos de Jorge Mateus. Descrevendo e mostrando um animal de que, afinal, sabemos tão pouco. Para citar o prefácio de Clara Pinto Correia, Lobos em Portugal “é um manancial inesgotável de informação, uma festa para os olhos, e não raras vezes, pois essa é a magia da matéria-prima em análise, quase um obra poética de inspiração luminosa.”

PS: Este título da fenomenal editora Má Criação, segundo volume de uma colecção iniciada em 2005 com “Abutres de Portugal e Espanha”, está já disponível nas livrarias pelo preço quase simbólico de 40 euricos.

Uma ponte sem outra margem

TheBridge3.jpg

Durante quase todo o ano de 2004, o documentarista Eric Steel filmou a Golden Gate Bridge, em S. Francisco, não perdendo um minuto de luz diurna. E capturando 23 dos 24 suicídios que ali ocorreram.
O resultado é “The Bridge”, um documentário já estreado no Tribeca Film Festival e fonte de polémica instantânea. Além das imagens de mergulhos para a morte, Steel integrou na sua obra entrevistas com familiares de suicidas, autores de tentativas frustradas e até mesmo sobreviventes à queda de 67 metros.
Esta icónica ponte, a mais longa do seu tipo, é uma das obras de engenharia mais famosas do mundo. A sua beleza suspensa atrai turistas, produtores de posters… e gente em busca de morte rápida e certa. Trata-se do local em todo o planeta onde ocorrem mais suicídios. Em média, cada quinzena traz mais um salto letal; a contagem oficial foi interrompida em 1995, pouco antes do milhar, para que não eclodisse uma corrida à celebridade póstuma (não resultou, diga-se: Eric Atkinson, de 23 anos, foi o infeliz vencedor).
A polémica surgiu, para além do óbvio choque de ver mortes filmadas como se num documentário sobre espécies em vias de extinção, porque o autor falseou a descrição da sua obra ao pedir as licenças necessárias. Para impedir que as notícias das filmagens atraíssem suicidas em busca de estrelato, defendeu-se Steel; evitando recusas mais que certas, contrapõem os críticos. Enfim, teremos de ver o filme para decidir se terá valido a pena mentir para o poder realizar. Note-se entretanto que a equipa de filmagens salvou várias pessoas, alertando em diversas ocasiões as forças de segurança para a presença na ponte de transeuntes suspeitos.
Ao procurar informações sobre o documentário, dei com este fabuloso artigo de Tad Friend, na New Yorker. Só depois descobri que tinha sido a inspiração inicial de Eric Steel. Leiam, que vale bem a pena. A prosa oscila entre o informativo e o pungente, como esta passagem de uma carta de suicídio: “vou caminhar até à ponte. Se uma pessoa me sorrir pelo caminho, não salto”. Mas o testemunho mais relevante para quem esteja a contemplar uma saída antecipada deste mundo é-nos dado por um sobrevivente à queda: “percebi naquele instante que tudo na minha vida que eu via como não tendo remédio era totalmente remediável — excepto o salto que tinha acabado de dar”. Acabou por ter direito a uma segunda oportunidade; algo que nenhuma das “estrelas” involuntárias de “The Bridge” conseguiu.

PS: Este filme sempre serviu para ajudar uma boa causa: depois de anos e anos de discussão, parece que vai por fim ser instalada na ponte uma barreira anti-suicídio.

Venceu a Boa América… a Católica

vatican.jpgchurch.gif

Apurados os resultados dos Governadores eleitos para os diferentes Estados temos:

– Católicos – 11 governadores: 4 Republicanos e 7 Democratas;
– Metodistas – 4 governadores: 3 Republicanos e 1 Democrata;
– Baptistas – 3 governadores: 2 Republicanos e 1 Democrata;
– Episcopalianos – 3 Governadores: 2 Democratas e 1 Republicano;
– Presbiterianos – 3 Governadores: todos Democratas;
– Protestantes – 2 Governadores: todos Republicanos;
– Ortodoxo Oriental – 1 Governador: Democrata;
– Mormon – 1 Governador: Republicano.

Parece que a imigração irlandesa, escocesa e latino-americana tem mantido a Boa América num ganho relativo do produto original face à concorrência com as cópias do puritanismo evangélico.
Do lado Judaico, poucos para estarem à altura da fama de dominadores globais, mas suficientemente bons para que 3 Governadores tenham conquistado o melhor da América: Nova Iorque, a histórica Pennsylvania e o Hawaii.
Os Mormons não se estarão a safar muito mas, em todo o caso, o povo do Nevada recusou a legalização da marijuana e, em contrapartida, elegeu um Mormon. À drova leve preferiram a pesada.
Nenhum Governador Luterano eleito.
Constata-se, dos restantes grandes credos, uma manifesta sub-representação do Islão e do Sport Lisboa e Benfica.
Na Georgia venceu um Republicano chamado Perdue.
Foram eleitos três Governadores que se declararam sem religião: um Republicano e dois Democratas. Houve, entre todos os derrotados, quatro que se declararam sem religião: eram todos…Republicanos.

A estes, a tristeza dá-lhes para o delírio

foley.jpg

Quer perceber o que aconteceu nas eleições americanas? Esqueça o NY Times, a CNN, etc. O Insurgente é que sabe: contrariamente ao que os “comentários anti-Bush da nossa comunicação social” insinuam, o verdadeiro culpado da hecatombe republicana foi Mark Foley, não a Administração de George Bush.
Ora passa-se que a Fox News, antes tida como um baluarte dos apoiantes de Bush, deve ter sido comprada pelo Dr. Pinto Balsemão. É que até a direitista emissora, também conhecida como “Faux News”, consegue abrir os olhos para esta realidade: «The 2006 midterm elections were largely a referendum on the Bush administration and the war in Iraq»; «The Congressional elections came down to the war in Iraq, the president who took the country there and an electorate looking for change»; «Those who support the president and the war in Iraq largely voted for the Republicans in their district. Those who oppose the war or who have an unfavorable view of the president typically voted for the Democrat.»
Poder-se-ia ser mais claro? Naturalmente, ninguém diz que cada voto nos Democratas foi uma vergastada em Bush; mas não adianta tapar o Sol com peneira tão esburacada e miserável.

PS: apesar de o nome de Mark Foley ainda constar nos boletins de voto, o seu substituto só perdeu por uma unha negra. Ao que parece, nem na sua circunscrição o “efeito Foley” foi tão devastador como o Insurgente o pinta…

Este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório