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Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

«A carrinha dos afectos»

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Não me lembro de aqui, alguma vez, falar do sítio onde nasci. Não tem importância. Não foi na Avenida de Roma, e pudera bem ter sido. Foi num sítio mais tranquilo, e sobretudo bem mais bonito. Fica ali em baixo, na fotografia, ali onde o Guadiana recebe a ribeira que chega da direita. (A legenda acima é para ignorar, neste caso. Mas não tenho, em carteira, vista melhor).

Nunca falei, pois, dessa terra. Mas é um prazer ver outros fazerem-no. Sobretudo quando o fazem tão bem. Foi o caso, hoje, de Fernando Madrinha, no «Expresso». Leiam. Dá gosto saber que há disto no mundo.

A CARRINHA DOS AFECTOS

Não é a primeira vez que se ouve falar de Mértola a propósito de prémios de excelência – e não só pelo extraordinário trabalho de Claúdio Torres (Prémio Pessoa 91) enquanto primeiro responsável pelo campo arqueológico. Há uns anos, a C+S de Mértola foi declarada pela OCDE “estabelecimento escolar exemplar a nível mundial”, num grupo de 24 escolas de cidades tão diferentes da pequena e bela vila de Mértola como Helsínquia, Tóquio ou Melbourne.

De um dos concelhos mais votados ao abandono e ao esquecimento, é extraordinário que cheguem com esta frequência notícias de pessoas, realidades e iniciativas exemplares. Todos sabemos que a necessidade aguça o engenho, mas isso não só não desmerece, como valoriza ainda mais o trabalho dos responsáveis por essas iniciativas. É o caso da carrinha que percorre aldeias e montes ao encontro dos velhos que os habitam, para lhes dar assistência médica e um pouco de atenção. Chega a cada uma das localidades uma vez por mês, resolve pequenos achaques, rastreia doenças mais graves e, acima de tudo, leva um pouco de humanidade a quem dela precisa e já desesperou de a encontrar.

Esse mini-consultório ambulante para todas as especialidades, em particular para os males da solidão, é uma invenção da Câmara Municipal dirigida por Jorge Pulido Valente e responde pelo nome de unidade médico-social. A autarquia decidiu candidatar o projecto a um prémio de ‘boas práticas’ instituído pela ONU. E o resultado aí está: foi a primeira candidatura portuguesa a chegar à última fase de escolha, com outras 47 finalistas de todo o mundo.

Num país onde tanta gente e tantas instituições com orçamentos de milhões se queixam da falta de meios, a carrinha de Mértola dá que pensar. Há quem tenha muito pouco mas conheça a arte de fazer escolhas acertadas e perceba o que é essencial. Para os velhos e os pobres do concelho – condições que, por todo o Alentejo, em geral se acumulam – a unidade médico-social é um milagre acontecido. Infelizmente não ganhou o prémio da ONU, o qual, sendo em dinheiro ( menos de 2500 euros…), teria a grande utilidade de permitir melhorar o serviço. E como? Isabel Soares, responsável pela carrinha dos afectos, explica na TSF: poderíamos, por exemplo, passar a visitar os habitantes mais necessitados das aldeias e dos montes de Mértola não uma, mas… duas vezes por mês. Tão pouco. E tanto.

A orelha que adivinha reloaded

Sentia a orelha direita gelada, o que me obrigou a um doloroso coitus interruptus. E logo naquele dia, que tinha engatado a Jolie. Acordei. Estranhei que tivesse acontecido com aquela orelha, porque a outra (a esquerda!) é que estava ao léu, mas vá lá um gajo travar-se de razões com uma orelha – é parte do corpo que não nos encara de frente. Podia dizer que são só garganta, não fora cair-se um bocado no non sense – e logo num post que se quer sério, afinal trata-se de uma estória verídica! Eram seis da manhã. Raisparta a minha vida, o sonho já não o apanho outra vez, qu’isto dos sonhos é malta que não espera por ninguém. Encostei-me mais dez minutinhos (não confundir com dez minutos). Meio-dia! Acordei como se tivesse sido atropelado por um cowboy – resultado, muito provavelmente, da carga de porrada que levei do Brad Pitt (afinal, alguém esperou por mim) e das trinta e seis vezes que calquei no snooze do despertador. Foram por trinta e seis vezes só mais dez minutinhos. Deviam pôr pernas no cabrão do despertador assim que se carrega a primeira vez. Isto dá cabo dum homem. Tomei o pequeno-almoço e almocei – não gosto de quebrar rotinas. Uma taça de cereais, meio litro d’água, uma sopinha, um bife grelhado com batatas fritas e ovo a cavalo. No bife. Uma laranja. Cheguei à repartição a tempo da abertura da tarde, com ar de quem estava em paz. ‘Tão, pá? Kékspassou, meu? O chefe nem vai acreditar. Faltou a luz na minha área e o despertador não tocou / tive um acidente / a minha tia morreu / o meu cão passou mal a noite / estou muito triste. Optei pela última (hás-de pagá-las caro). Tinha faltado de manhã porque estava muito triste. Era oficial. Já não podia voltar atrás. Esperei pela desova. Vai-te sentar que já lá vou falar contigo. ‘Tou fodido. A minha mesa estava um verdadeiro caos. Resolvi arrumá-la para que o chefe não pegasse também por aí. No meio do labor deixei-me dormir – tal era. Voltei à Angelina.

O chefe acordou-me com um beijinho na orelha direita. Eram sete da tarde. Não havia mais ninguém na Repartição.

Peixoto, o bom

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O Grande Contador de Desgraças está de novo ao ataque. Peixoto, ele, o próprio. Um excerto do seu recente, e terceiro, romance está à disposição. E é novamente terrível, e mortificante, e bom.

Depois dum segundo romance de desgraças de pacotilha (o termo é cediço, mas exacto), parece chegar-nos aí o velho José Luís Peixoto.

Preparai a recolha aos ninhos, ó harpias.

A amarga vitória da esquerda… ou talvez não?

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Jan Peter BALKENENDE e Wouter BOS

Amanhã, um destes dois homens acordará primeiro-monistro holandês. Um, o cristão-democrata Balkenende, já o é há quatro anos. O outro, o socialista Bos, deseja-o há pelo menos tanto tempo.

As sondagens dão a vitória, mesmo se renhida, aos cristãos-democratas. Eles governaram com a direita, o Partido Liberal, e não foram mansos para os pobres. Sim, neste país de 16 milhões, dez por cento anda no rendimento mínimo, mais ou menos garantido.

É sobretudo em nome dos párias que a esquerda se veio levantando. E tem, nas sondagens, um avanço espectacular. Mas… essa esquerda pode nem sequer – e mais uma vez – entrar no governo. E Wouter Bos, o líder trabalhista, morrerá, de novo, à vista da praia.

E porquê? Porque um segundo partido de esquerda, tão socialista que se chama isso mesmo, Partido Socialista, e até hoje com escassa representação parlamentar, pode bem aproximar-se da percentagem trabalhista (e até, segundo uma das sondagens, ultrapassá-la, tornando-se o segundo partido do país), mas, por isso mesmo, fazendo afastar do governo a esquerda inteira.

Dentro de três horas encerram as urnas. Restam três horas para votar útil.

Votar útil. Há-de tê-lo feito o eleitorado da direita, esquecendo liberais e até ultras, para assegurarem a Belkenende a vitória, e o lugar de primeiro-ministro. Há-de tê-lo feito a esquerda, também. Dos eleitores socialistas-socialistas aos encantadores verdes, muitos terão talvez votado Bos, para assim tirarem a direita do poder.

Não se diga que a Holanda é um país monótono, mesmo com toda esta planura sob o nível do mar.

Só mais uma coisa: os sorrisos dos senhores protagonistas. Nada que se compare com a cerimónia portuguesa. Não se está a ver, pois não, José Sócrates, Marques Mendes e Francisco Louçã, na noite anterior às eleições, num talk show televisivo, tratando-se naturalmente por tu (como quase todos aqui se tratam, no governo ou no parlamento), em distendida cavaqueira… Enfim, e não acredita você em universos paralelos.

Mas, também nestes baixos países, o poder não brinca. Primeiro-ministro, mesmo sorridente, haverá só um.

Amsterdão, já caída a noite.

Actualizado nos comentários.

“Quem se habituou a viver entre os gumes do desespero não lhes escapa pelo mero atenuamento das suas causas. Por muito que o Sol brilhe, o seu vulto permanece escuro, a sua sombra continua a adensar-se. Um volume enorme que cai no mar sob o nadador, arrastando-o num torvelinho irresistível. Até que ele já não distingue o que é cima e o que é baixo. Até que já nem lhe parece importante distinguir. Como se o salto verdadeiro tivesse sido dado muito antes de os seus pés deixarem a ponte; como se a balística do desespero nada tivesse a ver com a gravidade, ignorando o que jaz no lado de fora da vida. O centro está antes em algo que lhe cresce sem cessar dentro do peito, mesmo que privado das antigas raízes de acasos biográficos e outras tragédias menores. Osíris entrou de livre vontade no seu caixão. Pressentiu ali as suas medidas, precisas, magnéticas, predestinadas e letais.”

Anselm Kiefer, “Osiris und Isis”, 1985-1987

Escolha difícil

Pede-me o Nuno Ramos de Almeida que comunique aos nossos leitores mais “criativos” que na próxima quinta-feira o esquerda.net “promove uma reunião para trocar algumas ideias sobre a campanha da despenalização da interrupção voluntária da gravidez. O encontro será na quinta-feira às 21.30 na Rua Febo Moniz número 13, R/C Esquerdo.”
Infelizmente, a malta mais brilhante e criativa vai ter de estar no Café Suave, a partir das 22:30, para participar no lançamento do melhor livro de BD do ano.

O que será a Boa América ?… Talvez a que tem memória histórica…

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Designadamente, do que significa uma República liberal de cidadãos livres. E dispensa avatares de outros Georges. Os Republicanos feridos vão recuperando os valores do small government:

Republicans who limped back to Washington for a lame duck congressional session last week found a host of marching orders from President Bush, but perhaps none more urgent than this: Before Democrats take control of Congress in January, they must pass legislation authorizing the National Security Agency’s domestic eavesdropping program.

The response: deafening silence. Senate Majority Leader Bill Frist quickly dispatched aides to put out the word on Bush’s request: Not gonna happen.

Enquanto Chris Dodd, senador Democrata pelo Connecticut, introduz no Congresso o “Effective Terrorists Prosecution Act”, contendo algumas modernices liberais:

– Restores Habeas Corpus protections to detainees;
– Narrows the definition of unlawful enemy combatant to individuals who directly participate in hostilities against the United States who are not lawful combatants;
– Bars information gained through coercion from being introduced as evidence in trials;
– Empowers military judges to exclude hearsay evidence they deem to be unreliable;
– Authorizes the US Court of Appeals for the Armed Forces to review decisions by the Military commissions
– Limits the authority of the President to interpret the meaning and application of the Geneva Conventions and makes that authority subject to congressional and judicial oversight;
– Provides for expedited judicial review of the Military Commissions Act of 2006 to determine the constitutionally of its provisions.

Ena Pá Independentes!

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Recebi da editora Esfera dos Livros a informação de que o historiador espanhol Rafael Valladares irá a Lisboa, nos dias 23 e 24 de Novembro, «explicar como foi o reaparecimento de Portugal como país independente e, como se deu a ruptura entre Portugal e Espanha». Há uma vírgula ali perdida, mas vamos ao assunto.

O interessante, o perturbador, é que o livro – que suponho tradução do seu La Rebelión de Portugal. 1640-1680, de 1998 – tenha como título portguês A Independência de Portugal.

Num artigo, António Manuel Hespanha já o apodou de «castelhanista» e de «preconcebido». Não custa crer. Mas, à parte ter sido «A Rebelião de Portugal» um título fabuloso, o título adoptado grita, da capa, o maior disparate da nossa História según España, que é esse de chamar «Independência» à nossa Restauração. E muito bom espanhol (estará Valladares entre eles?) crê que Portugal data de 1640… Até aí esteve séculos a hesitar, vai-não-vai, a engonhar, quero ser Espanha, não quero ser Espanha, até que apanhou com um Rei espanhol, que até era legítimo cá, para só depois, tarde e a más horas, aproveitar a balbúrdia castelhana na Catalunha para – pumba, catrapuz! – defenestrar um fulano e proclamar a… Independência.

Como cidadão, protesto, ó nobre Esfera dos Livros.

Isto de ser eterno e omnipotente já não é como antigamente

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Ahura Mazda — R.I.P.? Ao que parece, o conhecido mantra das entidades religiosas sobre o seu próprio porvir — «já cá andamos há dois mil anos, preparem-se para nos aturar por muito mais tempo» — é capaz de não dar assim tantas garantias. O Zoroastrismo, religião milenar que já contou com milhões de seguidores, encontra-se à beira da extinção . Mais interessante ainda é que parece ter sido o sucesso individual dos crentes, e as suas qualidades humanas, a ditar o fim desta religião.
Pode ser que a coisa se pegue às restantes pragas que têm assolado a Humanidade desde a sua mais tenra infância. Sonhar não custa. Haverá coisa melhor de imaginar do que um mundo livre de religiões organizadas?

O jovem que sobe à capital

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Impagável, a crónica de VPV hoje no Público, «Cavaco e Sócrates». É mais um daqueles paralelos arrepiantes que ele constrói com malvadez, embora este não arrepie tanto como o que ele fez, um dia, entre Cavaco e Eanes, e muito menos ainda do que aquele que traçou entre Cavaco e…Salazar.

Leia-se. Aqui vai o início do texto:

«O dr. Cavaco e o eng.º Sócrates são de certa maneira muito parecidos. Saíram os dois de um obscuro canto da província (um de Boliqueime, o outro da Beira) e em Lisboa, no Governo e, no caso de Cavaco, até em Belém, nunca verdadeiramente se adaptaram à cultura urbana. Vem neles sempre à superfície o constrangimento do estranho, uma certa reserva de quem não está em casa e uma atávica desconfiança da volubilidade e das maneiras de uma classe média e de uma burguesia com uma educação mais sofisticada e cosmopolita. Não “pertencem”. Mas, por isso mesmo, têm uma enorme vontade de poder, servida por uma enorme paciência e disciplina. É a velha história, que encheu dois séculos de literatura, do jovem que sobe à capital para a dominar, na sua variante moderna e portuguesa».

O resto é melhor ainda.

PS. A – encantadora – ilustração foi tirada de Imagens do Kaos graças aos bons serviços do Google Imagens.

fugiu-lhe a boca…?

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“Não fiz o artigo em relação a qualquer outra pessoa, … não fiz o artigo em relação a qualquer pessoa”

Cavaco Silva, em entrevista à SIC, respondendo à questão sobre se o artigo acerca da boa moeda e da má moeda, publicado no Expresso, visava expressamente Santana Lopes.

A voz

Nas carruagens do metropolitano de certa cidade europeia, sai dos altifalantes, já desde há muitos anos, uma voz de homem, timbrada, envolvente, daquelas que transmitem tranquilidade (muito práticas em documentários), daquelas que inspiram confiança (muito práticas em anúncios de seguradoras). Mas pouca gente sabe – e é bom que assim seja – que o dono daquela voz… já não está no mundo dos vivos.

Arrepiante? Não. Pelo contrário, há aqui – como diríamos – certa mensagem de perenidade. De que o fim, parecendo-o, nunca é bem o fim.

Pessoalmente, isto toca-me. Existem centenas, talvez milhares de portugueses, que me ouvem, a mim, nos seus carros, quando querem saber o caminho mais exacto de A para B. Figuro ali, é verdade, com outro nome. Mas isso não muda nada. Mesmo com o meu nome próprio, eu ser-lhes-ia um desconhecido. Espero, sim, que a voz inspire confiança, e, já agora, transmita tranquilidade.

E também isto, bom, também isto me faz pensar no futuro. Um futuro que eu, ainda assim, desejo, se me permitem, um tanto distante.

Uma modesta proposta de blogoconcurso

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Com a aproximação do fim do ano, lá começam os “Prémios”, os “Óscares” e demais “Troféus Tanit”, todos entretidos a puxar o lustro à vaidade da blogosfera. Nada a obstar, que a malta tem de enganar as horas de maior tédio. Mas podíamos variar um bocadinho, este ano: elegendo, por exemplo, os blogues mais merdosos da lusa pátria. A coisa poderia até distribuir troféus sectoriais, prémios de carreira, incentivos à cessação imediata de actividade, etc.
Sugiro a seguinte lista de áreas de (in)excelência a distinguir:

1- O mais manhoso
2- O mais sobreavaliado
3- O mais feio
4- O mais ensimesmado
5- A escrita mais pomposa
6- O mais alienado
7- Os piores pontapés no Português
8- O mais ressabiado
9- O mais irritante
10- O pior dos piores tout court: a cereja bichosa no topo do bolo podre

Alguém quer votar?

Liberal, sim, mas só se a tua liberdade não me ofender

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Pedro Arroja continua impulsionado pelas místicas visões que já o levaram a declarar Deus imprescindível à civilização e Cristo ao liberalismo. Agora, surge com mais um “original e importante” argumento (de acordo com imparcial avaliação do próprio), desta vez sobre o referendo ao aborto.
Ele começa por fazer de conta que não sabe que o primeira consulta não foi vinculativa: «o mais provável é que outros referendos se sigam até que ganhe, finalmente, o “Sim”.» Mas o melhor está para vir. Quando pensávamos nós que uma situação despótica é aquela em que o Estado, esse odiado monstro, decide pelas pessoas nestes assuntos de vida e de morte, eis que o arrojado profeta do Blasfémias nos esclarece, fulminante: «O referendo ao aborto é, provavelmente, uma das mais insidiosas manifestações do despotismo da multidão sobre a individualidade humana que Portugal conheceu desde que vive em democracia.» Qual o medo de Arroja? Simples: «não é senão de esperar que, com o decorrer do tempo, esse limite (para a realização da IVG) seja alargado, primeiro para doze semanas, depois para quinze, até chegar a nove meses.» Ou seja, o mal não é do referendo mas sim de imaginárias decisões futuras que só existem neste delírio acossado.
Mas «a questão seguinte, ainda ela eminentemente racional, será a de perguntar se certas vidas humanas (v.g., deficientes) valem a pena ser vividas.» Claro está que a resposta, para o profeta da desgraça será, «em muitos casos, não». Aqui, ele faz de conta que não é decidido, todos os dias, terminar vidas que persistem agarradas a máquinas, abortar fetos com deficiências profundas, desligar comas sem remissão. Isto sem que se ouça grande resistência nem da Igreja nem dos seus voluntariosos porta-vozes de ocasião. «Deliberar sobre o momento em que ela (a vida) termina» é hoje coisa corriqueira: a prolongada falta de actividade coerente num cérebro humano já basta para declarar alguém morto; só não entendo porque é que o mesmo critério não serve para definir o ponto do crescimento de um feto em que a vida humana tem real início.
Não adianta muito, como o próprio Arroja admite, discutir tais assuntos com quem os analisa com a Fé e não com a Razão; só estranho que gente tão amiga da liberdade não perceba quão despótico é tentar impor à vida dos outros os suas baias morais e religiosas.

PS: olhem que não estão em causa meros assuntos de “correntes políticas”, como Arroja insinua. Veja-se a excelente resposta do blasfemo Rui.

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