Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

Dominguice

O suspeito do ataque num mercado de Natal na cidade de Magdeburgo será, num certo sentido, o exacto oposto de um fundamentalista islâmico. Acresce que era psiquiatra e psicoterapeuta, estando na Alemanha desde 2016. No entanto, o que aparenta ter feito com intenção é de uma violência absurda que não se distingue em nada do terrorismo de alegada origem religiosa. Não sabemos se haverá algum discurso racional seu que insira o acontecimento nalgum tipo de lógica ou se ele sofreu um agudo ataque psicótico que esgota o sentido do seu comportamento. Sabemos é que o caso desperta o choque e o ódio na população, dadas as perdas humanas e o simbolismo do local escolhido. Esta reacção, choque e ódio, é não só inevitável como saudável.

Mas se não der lugar à empatia que veja Taleb al-Abdulmohsen como ser humano, como vítima, os terroristas e os fascistas poderão cantar vitória.

Curso de ciência política

«A vida politica tem isso comsigo. Quanto mais estreito e mais apertado é o circulo social onde se manifesta, quanto mais vizinhos e conhecidos são os que vivem d’ella, tanto mais acanhada, mexeriqueira e antipathica se torna. Se a politica do nosso paiz é já pequena, como elle, e degenera em desavença de senhoras vizinhas, que fará das terras pequenas d’este paiz, em que muito acima dos principios e dos partidos estão os mexericos e as vaidadesinhas que brotam como tortulhos á sombra das arvores do campanario?!

Que desconsoladora distancia da realidade ao ideal da vida dos povos!»


A Morgadinha dos Canaviais_Júlio Dinis_1868

Pacheco e o complexo

«Este cidadão que aqui escreve não tem, nunca teve, nem nunca terá qualquer “complexo com a PIDE”, porque a combateu, porque a conheceu, e porque no dia 25 de Abril de manhã era um e de tarde era outro, entre outras coisas por ver os torcionários com medo a fugir pelos interstícios dos buracos onde estavam escondidos.

[...]

A utilização sistemática da violação do segredo de justiça para os jornalistas “amigos”, ou para parecer que há crimes quando não há provas, ou para funcionar como punição sem julgamento, ou — tão mau como isso — a eternização das investigações, escutas telefónicas, violação de prazos e utilização da prisão como mecanismo intimidatório, sempre sem responsabilização e sem apresentar resultados, tudo isto é abuso, abuso de poder e suja uma instituição como o MP e impede que a luta contra a corrupção seja limpa, transparente e eficaz. Eficaz, sem abusos. É mais difícil? Não estou certo, dá é mais trabalho, exige mais competência e uma outra cultura de responsabilidade.»

Pacheco Pereira

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Este homem, que de facto acrescenta conhecimento valioso à cultura portuguesa através da sua faceta de historiador, é para mim o mais importante dos caluniadores profissionais em actividade. A sua importância resulta da capacidade para defender a cidade, as instituições da República, a Constituição, o bem-comum, a liberdade com o seu verbo. Como se pode aferir na citação acima. Os seus colegas na indústria onde enche o bolso não o fazem por terem alergia à decência. Porém, contudo, todavia, este é o mesmo homem que protagonizou, desvairado, tudo o que agora denuncia como práticas nefandas. Em 2009, tomado pela ilusão de ser ele quem iria levar Ferreira Leite a derrotar Sócrates nas legislativas desse ano, andou a espalhar publicamente calúnias gravíssimas que tinham nascido da violação do segredo de justiça e de autêntica espionagem política a um primeiro-ministro. Nessa altura, tentou que os eleitores, a dias de irem votar, acreditassem que havia crimes sem provas. Meses depois, fechou-se numa saleta da Assembleia da República para escutar as gravações e saiu de lá a dizer que eram “avassaladoras”, sem explicar porquê ou no quê. João Oliveira, deputado do PCP que fez o mesmo exercício de devassa, declarou que as escutas não registaram nada com relevância judicial ou política. Este episódio do Pacheco a babar-se de excitação ao chafurdar na intimidade de Sócrates e Vara estava ao serviço da exploração maximalista do Face Oculta em contexto de governação do PS com minoria, tendo sido alimento para uma comissão de inquérito parlamentar que decorria.

Donde, isto da PIDE é conforme, né? Se der jeito, bute sem hesitação. Pinta-se o alvo como monstro, fica justificada a violência. Dá para adormecer descansado. Mas o efeito mais dissoluto do Pacheco Pereira na sociedade — na comunidade — nem corresponde ao seu papel de agente pidesco. O pior vem do que acima está pespegado. O retrato de um Ministério Público onde se cometem crimes. Crimes. Crimes sistemáticos, nas suas palavras. Crimes com intenção e consequências políticas, para lá do efeito devastador que têm nas vidas das pessoas apanhadas pelo MP e entregues aos «jornalistas “amigos”» para serem torturadas e devoradas. Ora, que está a impedir o fulano que combateu a PIDE de ser coerente e consequente com as suas palavras? Por que razão o Pacheco não age de acordo com o seu pensamento, e não parte para novo combate contra o mesmo tipo de mal? Terá medo?

Infelizmente, a resposta mais provável leva-nos de volta a 2009: Sócrates. Se há político, e respectivo partido ao tempo da sua liderança e anos seguintes, que foi atingido por 90%, ou mais, dos crimes do MP é Sócrates. E o Pacheco preferia carregar lenha para o Inferno a mover uma palha na defesa de quem odeia apaixonadamente.

E que tal um Dia Internacional contra a Inânia?

O nosso Presidente da República disse coisas sobre a corrupção: Dia Internacional contra a Corrupção.

5 parágrafos, curtinhos. O primeiro, diz não sei quê do esforço nacional. O segundo, diz não sei quê sobre o bem comum. No terceiro, diz não sei quê de um sobressalto. No quarto, diz não sei quê acerca de não sei quê. E no quinto, diz não sei quê ética e jovens. Há câmaras de vácuo com muito mais substância no seu interior do que a inanidade acima disponível para leitura.

O problema não está no comunicado, este apenas um sintoma. O problema é que, a caminho de 10 anos como Chefe de Estado, ninguém se lembra de Marcelo ter alguma vez dito coisa que valesse a pena reter por alguns segundos na esperança de ter vestígios de relevância acerca do tema. O que contrasta com o seu ainda mais longo passado como comentador-mor, onde gastou centenas ou milhares de horas a gozar à brava com os casos de “corrupção” que foram entalando e queimando magotes de socialistas.

Talvez a corrupção seja uma cena que tenha desaparecido assim que entrou no Palácio de Belém, posto que Sócrates coiso. Pelo menos, no mínimo, não está preocupado com o tal fenómeno que continua a alimentar a indústria da calúnia e a direita decadente. Se estivesse, conseguiria dizer algo de factual, concreto, tangível sobre corrupção em Portugal. Não consegue, caso encerrado.

Honra lhe seja, imita os caluniadores profissionais. Se estes também não conseguem apresentar sequer um número a respeito, por que razão haveria um tipo que ofende os portugueses estar a chatear-se com matéria tão abstrusa e perigosamente definidora do carácter de quem sobre ela discursa?

Revolution through evolution

One in Three Women WorldWide Have Experienced Physical or Sexual Violence
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Volunteering Reduces Rate of Aging, Study Finds
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Giving a gift? Better late than never, study finds
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Informal Caregivers Report Reduced Well-Being, May Not Bounce Back Years Later
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AI-powered blood test first to spot earliest sign of breast cancer
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Dogs use two-word button combos to communicate
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Study finds some audience members believe brilliant characters who aren’t white males are “unrealistic,” even when based on real people
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Continuar a lerRevolution through evolution

Dominguice

É possível, é benéfico, ser-se radicalmente simplista em certos assuntos. Como neste, pessoas. Há dois tipos, e só dois. Aqueles que sabem e aqueles que não sabem. Aqueles que sabem, sabem que não sabem apesar do tanto que sabem. Aqueles que não sabem, não sabem sequer aquilo que sabem. Depois acontece isto: 知者不言,言者不知. Uma forma de definir a maturidade, ou ainda melhor a sapiência, consiste na capacidade para perceber a que grupo pertence aquele que ouvimos ou lemos. Só um dos grupos tem a cultura da humildade. Só um dos grupos nos quer enganar.

Sorte a nossa se convivermos com quem sabe que não sabe.

Até tu, bruto?

«Toda a investigação, e os acórdãos, baseia-se neste princípio: ele é culpado, agora vamos descobrir como.»

[...]

«Nós temos o direito de saber se tivemos um primeiro-ministro que foi corrupto, ou se, pelo contrário, tivemos um Ministério Público que perseguiu politicamente um primeiro-ministro.»

[...]

«Se alguém é inocente, e faz tudo para não ir a julgamento, é porque não é inocente.»

Miguel Sousa Tavares
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Ninguém pode acusar MST de não dizer o que pensa ou de andar nisto do comentário para concorrer a cargos políticos ou favorecer amigos políticos. Tal característica confere-lhe uma autoridade reforçada quando pratica jornalismo. E foi jornalismo o que serviu neste artigo — É um trabalho chato, mas tem de ser feito — onde desafiou tudo e todos a provarem que fizeram o mesmo que ele: ter lido as 4083 páginas da acusação do Ministério Público, as 6728 páginas da decisão instrutória do juiz Ivo Rosa e as 683 páginas do acórdão da Relação sobre o recurso do MP dessa decisão, com o propósito de estar em condições para opinar sobre a Operação Marquês com base nos factos apurados pelas autoridades e nos argumentos judiciais a que deram origem. Conclusão a que chegou: não há lá nada que seja prova de corrupção. Nada.

Quem quiser ser intelectualmente honesto sobre Sócrates tem de fazer o mesmo. Por isso, exactamente por isso, nenhuma das vedetas da indústria da calúnia se vangloria de façanha igual. Por duas evidentes razões: porque têm alergia à honestidade intelectual, incompatível com a fonte dos seus rendimentos, e porque têm medo de ter de reconhecer, sem margem para dúvidas, que a Operação Marquês é um processo essencialmente político, ainda que tenha nascido de indícios que justificavam a abertura de investigações e tenha apanhado indeléveis ilegalidades fiscais. Mas que dizer dos restantes comentadores e jornalistas que não enchem o bolso a servir calúnias ao gosto dos seus patrões mediáticos? Qualquer um deles poderia ter lido o que MST leu “com atenção e espírito isento“. Se o fizeram, não temos notícia disso. Existe não só uma permanente campanha de culpabilização de Sócrates em toda a comunicação social, a qual começou logo em 2004, como a dimensão moral do caso gerou um quase unânime ostracismo que funciona como mais um factor de ataque aos seus direitos.

O que faz da Operação Marquês o processo judicial mais importante do período democrático, e, do ponto de vista dos pressupostos sistémicos, um dos mais importantes da História de Portugal, está condensado nesta dicotomia, a qual também eu logo nos dias e semanas após a prisão de Sócrates formulei neste pardieiro: ou se prova a corrupção de um primeiro-ministro, e isso tem de arrastar os governantes e dirigentes partidários socialistas à época numa qualquer cumplicidade e/ou responsabilização, ou se prova que o processo nasce e é conduzido com motivação política, e isso equivale a termos criminosos a conduzir a Justiça. Não há terceira opção, nem meio-termo. Ora, qualquer uma dessas possibilidades não só é tremenda (para a própria legitimidade e autoridade das instituições da República), não só é catastrófica (pois quem estava ao lado de Sócrates continuou na vida pública e política, o seu partido voltou a governar, e não se concebe o que fazer a um MP tomado politicamente), como é realmente impossível aceitar as consequências lógicas de qualquer delas. A única eventual escapatória, aquela que foi de imediato dada como fatal, não apareceu: o retrato de um primeiro-ministro corrupto, sabendo-se por quem e para quê, e tendo tratado da coisa sozinho, com poderes mágicos. Apesar disso, a sua condenação por corrupção continua a ser possível, pois é possível aos tribunais inventarem legalmente crimes. Como aconteceu com Armando Vara.

Há um pacto secreto, calado, invisível na sociedade portuguesa para que Sócrates seja sacrificado como o mal menor, apesar de, com a mais elevada probabilidade face ao que foi apurado, não ter sido corrompido e o dinheiro de Carlos Santos Silva ter vindo apenas dos seus negócios, sejam estes lícitos ou ilícitos. A sistemática campanha para o destituir da presunção de inocência, para assassinar o seu carácter, para que seja odiado por broncos, fanáticos e qualquer um que consuma espaços noticiosos, de comentário e de debate, tem um objectivo estratégico: tornar política e socialmente aceitável o seu julgamento de excepção e a sua condenação em tribunal como castigo moral. É preciso que seja visto como um monstro para que os algozes o possam tratar monstruosamente no patíbulo, sob o êxtase da turbamulta.

Alguém inocente quer ir a julgamento? Esta falácia vir de MST causa vergonha alheia. Ele, se quisesse, poderia tranquilamente apresentar mil razões para um inocente, na situação de Sócrates, fazer tudo o que estiver ao seu alcance para não pôr os pés num tribunal. Por óbvias razões, do profundo e dilacerante sofrimento que tal experiência inevitavelmente provoca, passando pelos enormes gastos financeiros com a defesa que se somam aos já feitos ao longo de anos, e chegando à real possibilidade de se ser condenado apenas por razões corporativas e/ou políticas — incluindo a possibilidade de não ser condenado por corrupção mas a sentença sobre outras eventuais ilegalidades constituir-se como uma pseudo-condenação por corrupção se os juízes deixarem escrito que têm essa convicção mas não os meios legais para a provar. Por exemplo, Ivo Rosa fez isso, maculando o seu magnífico trabalho de desmontagem exaustiva e implacável das mentiras do MP.

Não faço ideia se Sócrates é inocente ou culpado de corrupção. Sei que a tese de os inocentes provarem a sua inocência apenas se correrem alegremente para os tribunais corresponde a uma grotesca corrupção dos princípios basilares do Estado de direito democrático.

No país do Rui Tavares

«Não faço ideia do que é que José Sócrates vai dizer amanhã mas sei o que é que durante estes anos todos tem feito. Tem tido uma estratégia dupla de, por um lado, atrasar o normal curso do julgamento e depois queixar-se de que tudo isto está a demorar muito e não é normal que demore muito. [...] O País saiu sempre mal deste tipo de suspeitas que não são investigadas e que não são completamente clarificadas. Portanto, espero mesmo — quer dizer, tomara, oxalá — chegue a julgamento. [...] É importante do ponto de vista da democracia que as coisas sigam o seu curso normal, isso é absolutamente essencial. Porque, de facto, foi muito danoso para o País, e continua a ser, e há fenómenos de percepção de corrupção, e há fenómenos de deliquescência do regime democrático, que têm uma causa bastante próxima em tudo o que aconteceu com José Sócrates. Portanto, para nós todos, enquanto País, é importante que vão a julgamento os alegados crimes de José Sócrates.»

Rui Tavares

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Rui Tavares é uma das mais salubres personalidades que habitam no nosso espaço político. Transmite racionalidade, decência e um idealismo íntegro adentro dos valores que moldam a civilização onde queremos viver. Talvez essas características se expliquem, em parte fundante, por ser historiador. Terá uma natural aversão à verborreia e à banha-da-cobra típicas da direita decadente, assim como às cassetes da esquerda pura e verdadeira. Abomina a retórica da violência. Podia, depois do seu ciclo Louçã, ser um natural militante e quadro do PS, mas nesse ecossistema a concorrência seria muito maior e teria de fazer política interna partindo de uma posição inferior e desfavorável. Optou por fazer política completa, a sua legítima ambição, num pequeníssimo território onde pudesse começar por cima, ser rei, a plataforma que viria a ser o LIVRE.

Ora, de uma figura tão prendada em História, especialmente a de Portugal, a qual tem um compromisso de honra com a liberdade e a democracia, muito há a esperar calhando opinar sobre a Operação Marquês. Este processo amalgama dimensões judiciais, políticas e sociais que têm dimensão histórica incontornável. Embora não o tenha transcrito, é significativo do seu perfil intelectual ter referido, no comentário para que a citação acima remete, os casos de Afonso Costa e do Marquês de Pombal, acerca do primeiro até dando um pormenor curioso que faz paralelo geográfico com a detenção e prisão de Sócrates. Portanto, numa intervenção de dois minutos, o Rui teve despacho mental para ir até à I República e ao século XVIII, muito bem. E quanto ao século XXI, que tinha para nos dizer?

Como se pode ler e ouvir, voltamos a levar com uma diabolização do cidadão José Sócrates, de novo apresentado na comunicação social por alguém com responsabilidades políticas e cívicas como tendo uma estratégia para “atrasar o normal curso do julgamento”, a partir da qual monta um espectáculo de vitimização, acrescenta. Isto, se mais nada dissesse, já chegava para afundar Rui Tavares num poço sem fundo de descrédito moral, pois apenas com má-fé se pode ser tão enviesado e deturpador. Só que há mais no que disse, e bem pior. Ao carimbar como “curso normal” a necessidade de se chegar a julgamento, o Sr. Tavares alista-se na trupe de celebridades mediáticas que fazem campanha aberta contra o Estado de direito e a Constituição. A implicação directa, inevitável, do que diz é a de se considerar anormal que Sócrates se reclame inocente e se queira defender com todos os recursos que as leis põem à disposição de todos os cidadãos.

Para Rui Tavares, a “deliquescência do regime democrático” está a nascer do que “aconteceu com José Sócrates”, com isso referindo-se aos seus “alegados crimes”. Já o que se passou na forma como foi investigado, na forma como foi detido, na forma como foi preso, na forma como o MP andou a saltar de suspeita em suspeita para acabar em nada, na forma como foi vítima de crimes perpetrados por agentes da Justiça e jornalistas, na forma como ele e outros que com ele tinham relações políticas e sociais foram e continuam a ser alvo de assassinatos de caráter e calúnias na comunicação social e no palco político, isso não lhe merece uma caloria de atenção. Donde, não considera esses fenómenos como atentatórios, sequer algo negativos, para o regime democrático. Bonito.

Apetrechado como está com os instrumentos metodológicos com que faz a sua investigação histórica, não conseguiria explicar, em Dezembro de 2024, qual foi o crime de corrupção alegadamente cometido por Sócrates enquanto primeiro-ministro que lhe deu 30 milhões de euros a ganhar. Se questionado a respeito, refugiava-se em tábuas e diria que não era nem procurador nem advogado do acusado, os juízes que resolvessem isso. Apenas lhe interessa ver Sócrates num tribunal, lava as mãos para tudo o resto desse caso.

O que me leva à seguinte conclusão: sempre achei que esta pessoa era das melhores do País na defesa da cidade, daí lhe ter dado o meu voto várias vezes, mas descubro agora que não quero viver no país do Rui Tavares.

Marques Mendes, o pontífice e o seu rebanho

«José Sócrates, o País já não tem uma dúvida a esse respeito, usa e abusa das manobras dilatórias. Quer dizer, tem um conjunto de direitos que a lei lhe dá mas abusa desses direitos. Portanto, recursos, reclamações, um conjunto de incidentes. Com o objectivo de adiar o mais possível o julgamento, e até de tentar que o processo vá prescrevendo; ou seja, que vá acabando na secretaria. Este caso também mostra que há uma justiça para ricos e outra para pobres. Isto não é fazer demagogia, é objectivo, é óbvio. Quem tem dinheiro, tem recursos, e portanto pode pagar a advogados e ter outro tipo de despesas, consegue tudo isto. Que a lei vai permitindo, mas que eu acho que é um abuso da lei.

[...]

Isto não é justiça nem é combate à corrupção. O segundo ponto aqui importante é o seguinte. O caso José Sócrates, mas também há outros casos. Quer dizer, em Portugal eu acho que tem que haver outra prioridade no combate à corrupção. Nas investigações e nos julgamentos. É um problema das leis estarem desadequadas e permitem manobras dilatórias, então é preciso haver a coragem de fazer alterações às leis para impedirem estas situações.

[...]

Olhe, na semana passada eu disse aqui uma coisa e queria repetir até porque me perguntaram. Disse aqui: o futuro Presidente da República, seja ele qual for, ninguém sabe quem vai ser... mas eu acho que tem de ser, com a fragmentação que há no nosso Parlamento, tem que ser um construtor de pontes, aproximar posições para se resolver algumas questões, para se fazer algumas mudanças. Agora, perguntado onde, aqui está um exemplo, dos prioritários: combate à corrupção! Tem que ser mais firme e tem que ser mais rápido, nas investigações e nos julgamentos, mudando as leis, não para retirar direitos às pessoas mas para evitar os abusos, abusos, que é isso que se trata!»

Marques Mendes

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Tudo claro como água. Marques Mendes está em campanha eleitoral para as próximas presidenciais, deseja ser a escolha do PSD. O seu marketing já tem um primeiro slogan e jornalistas propagandistas: “construir pontes“. A outra banda onde pretende chegar nesta fase de lançamento é o Chega e a restante direita decadente que se arregimenta bovinamente ao som da palavra “corrupção”. Um tipo de corrupção, explicou entusiasmado este conselheiro de Estado, que se resolve mudando as leis.

Como é que a corrupção pode acabar, ou sequer ter alguma redução, através da legislação? Não pode, como toda a gente sabe, a começar pelo Marques Mendes. Mas isso não o impede de prometer tal violando os direitos de personalidade de Sócrates. Tratando esse cidadão como se já estivesse condenado por corrupção e com a sentença transitada em julgado, dá para reduzir o problema da corrupção ao outro problema de se ver quem se considera inimigo político a defender-se usando as leis. Aqui chegados, por uma das pontes móveis que construiu num estúdio da SIC, fica realmente simples reduzirmos esse tipo de “corrupção”: basta reduzir os direitos e garantias dos restantes cidadãos. Sim, é outra vez o Estado de direito a ser transformado, pelas vedetas da indústria da calúnia, numa coisa desprezível que serve os interesses da bandidagem, que a protege, que impede a sua caça e castigo — eis o subtexto que agita em sinal aberto.

O senhor promete, se eleito Presidente da República, que o “combate à corrupção” passará a ser mais “firme” e mais “rápido”, e isto tanto nas “investigações” como nos “julgamentos”. A partir do Palácio de Belém, ele irá obrigar o Parlamento a fazer leis anti-Sócrates, o corrupto abusador da legalidade. A beleza, até magia, da sua retórica é que não tem de explicar ponta de um corno acerca do que as actuais investigações, a cargo do Ministério Público, e actuais julgamentos, a cargo dos juízes, terão de frouxo e lento. Mas a pulharia e os broncos dispensam interprete porque falam a mesma língua. Um tronco de árvore grosso e uma corda à mão é a imagem prototípica da tal justiça “firme e rápida” que o ilustre advogado dá a papar à iliteracia e ódio político do seu público-alvo.

A parte em que denuncia haver uma “justiça para ricos e outra para pobres”, detalhando que na primeira consegue-se recorrer às tais leis que só existem para realmente serem usadas, é de antologia. E concordo muito com o seu aviso de não estar a fazer demagogia ao tocar essa cassete populista. Fazer demagogia ainda implica algum esforço cognitivo, conduzir o gado para o curral apenas pede uma vara na mão.

Ana Gomes e a teoria jurídica das “pessoas descansadas”

«Aquilo que José Sócrates alega para não ir a julgamento é altamente suspeito, penso eu, o não querer ir a julgamento. Qualquer pessoa que estivesse descansada obviamente quereria ir a julgamento. [...] É por isso que ele hoje tem pretextos para, de facto, continuar a tentar impedir que a Justiça funcione. E isto é desastroso para a confiança dos cidadãos no próprio sistema de Justiça.»

Ana Gomes

Balsemão paga a Ana Gomes para ela gastar 25 minutos da SIC Noticias por semana a revelar ao povo o que lhe vai na alma. Desta última vez, estava já a chegar ao limite do tempo quando a jornalista alertou para o tema Sócrates. Era assunto que a comentadora tinha preparado e não queria que o planeta continuasse a girar sem tornar público. Se bem o pensou melhor o disse, pois o que vocalizou foi escolhido pelo editorialismo da casa como destaque na página. Sim, perto de 24 minutos a falar de tudo e mais alguma coisa, de Soares à Síria, passando pelos bombeiros, e o que foi escolhido pelo “jornalismo” como mais importante diz respeito a Sócrates.

Pois bem, vamos a isso que é curto e grosso. São duas as suas acusações: a de que a “pessoa que estivesse descansada obviamente quereria ir a julgamento” (i) e a de que Sócrates impede que “a Justiça funcione” (ii). Em seu abono, têm o mérito de serem dois chavões que estamos constantemente a ouvir na imparável campanha de influência sobre os juízes que ponham a mão na Operação Marquês. Quão maior a má-fé e/ou estupidez daqueles que participam no linchamento de Sócrates, mais provável é que repitam o que Ana Gomes repetiu.

Proclamar que pessoas “descansadas” querem ir a julgamento calhando serem acusadas de alguma coisa com essa eventual consequência, dito por uma ex-candidata a Presidente da República, tem tectónicas implicações. É, simultaneamente, uma declaração que visa deslegitimar o direito à defesa e a lógica do devido processo legal. Para Ana Gomes, as garantias de direitos fundamentais e a protecção contra arbítrios e erros do próprio sistema de Justiça devem ser anuladas tratando-se do cidadão José Sócrates. Ela pretende que este acusado deva abdicar da sua defesa e dirigir-se mudo e manso para um tribunal de excepção, onde a Constituição não terá entrada para ser tudo fácil e rápido. Qualquer laivo de contestação, qualquer vestígio de desacordo, será visto como sinal de não estar “descansado”; que o mesmo é afirmar serem, para Ana Gomes vedeta da SIC, os actos da sua defesa a prova “óbvia” da sua culpabilidade.

Partindo daqui, onde trata Sócrates como um criminoso que apenas tenta adiar o inevitável, chegar à afronta de o acusar de impedir que “a Justiça funcione” é um nanómetro. Esse impedimento estaria a nascer, então, do uso dos recursos legais, exercendo plenamente os seus direitos constitucionais. O que leva a concluir que para Ana Gomes, tratando-se deste alvo, uma Justiça a “funcionar” ao seu gosto corresponderá exactamente ao oposto: a abolição do Estado de direito.

Porque este é um processo essencialmente político, embora com indícios de crime que justificam a abertura da investigação judicial, qualquer dano infligido a Sócrates é um triunfo delirantemente festejado. Foi assim com a sua detenção, foi assim com a sua prisão, é assim com cada manchete ou comentário onde o pintem desgraçado, será assim se for a julgamento. Na fúria de o castigar e dilacerar, seres como a Ana Gomes não se inibem de expressar uma visão medieval do Direito, chafurdando em concepções análogas ao ordálio, onde a prova da inocência (a existir) vinha de “Deus”. Neste caso, o ordálio consistiria em Sócrates sujeitar-se à vontade corporativa ou politicamente motivada de procuradores e juízes sem nada fazer para se defender. Uma fantasia que deixa a senhora a babar-se de gozo. E uma concepção do mundo onde a submissão acrítica seria imposta aos cidadãos, e onde a Justiça seria um sistema totalitário.

Claro, se berbicacho parecido lhe tocar a ela, ou a alguém que lhe seja importante, Ana Gomes aparecerá em público como uma das mais fabulosas paladinas da liberdade e do Estado de direito democrático que a história da civilização já testemunhou. Mas só se lhe tocar a ela, calma. Por agora, há que justificar o que o tio Balsemão lhe mete no bolso.

Juiz Francisco Henriques no seu melhor

«Já esta tarde, o juiz da Relação informou no processo que analisou melhor os autos e que, afinal, o destino do processo já não seria o mesmo: "o processo terá que ser remetido ao tribunal "a quo", o Juiz 2 do Tribunal Central de Instrução Criminal, a fim de ser remetido à distribuição para julgamento no tribunal competente.", lê-se no despacho a que a SIC teve acesso.»

Fonte

Aqui temos o juiz desembargador Francisco Henriques a dar-nos uma valiosa lição de psicologia judiciária. Tomando a sua palavra como boa — isto é, honrada; condição necessária à sua função e estatuto enquanto juiz — há realmente casos em que se analisa melhor os autos. Sim, há. Ele acaba de assumir. E daí podem até resultar coisas do camandro. Neste episódio na berlinda, o que no final da semana passada tinha sido uma decisão ilegal, assinada com o seu nome, é no começo desta substituído por uma decisão legal, igualmente com o seu nome. Tudo graças ao poder de análise dos autos quando exercitado no seu melhor; ou, quiçá, só um bocadinho melhor. Essa parte já não esclareceu.

Mas não estaríamos a fazer justiça a esta sumidade da Justiça se nos ficássemos pela metade da história que nos conta. É que a lógica impõe haver, simetricamente, casos em que os tais autos se analisam pior. Quais são eles? Ora, só há uma resposta: todos os casos, absolutamente todos, em que não se analisaram melhor os autos. É fácil de perceber, cada um pode fazer na sua cachimónia o teste. Calhando estarmos em vias de ir parar a um tribunal, e sabendo que nos pode sair na rifa um de dois juízes, qual seria aquele que tentaríamos com toda a legitimidade recusar? Pois, pá, o que tivesse a fama de não analisar melhor os autos. Porque, como ilustrou galhardamente o juiz desembargador Francisco Henriques, saltando da cartola um juiz desse calibre ficamos sujeitos a que ele nos queira tanto tramar que até assina decisões ilegais. Não porque seja má pessoa, não. Não, não. Apenas porque, por qualquer razão da sua vida profissional ou pessoal, não analisou melhor os autos e, consequentemente, lá pensou com os seus botões que nós merecíamos ir de cana o mais rápido possível, sem perder o seu precioso tempo a limpar o pó aos calhamaços e consultar as leis.

A que se pode comparar a gravidade do que está aqui exposto: isto de um juiz, desembargador e tudo, precisar que o alvo da sua ilegalidade faça uma conferência de imprensa, e um canal de televisão questione o Conselho Superior da Magistratura, para achar que devia passar o fim-de-semana a estudar Direito, de forma a conseguir justificar o seu salário, e as benesses, na segunda-feira seguinte? Só a um médico que começasse a amputar a perna esquerda do paciente e depois, perante o alarido à sua volta da vítima e dos enfermeiros, voltasse a analisar melhor os relatórios clínicos e lá concedesse que era melhor amputar a perna direita, até porque era aquela a precisar mesmo dessa intervenção. E tudo na maior, venha o próximo para a sala de operações.

Façam conferências de imprensa caso precisem do juiz Francisco Henriques a decidir cada vez melhor, eis a lição.

Revolution through evolution

Study reveals women excel in effective aspects of leadership
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Cybercrime expert explains how to guard against new scammer tactics
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Iberian Neolithic societies had a deep knowledge of archery techniques and materials
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Male African elephants develop distinct personality traits as they age
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Chimpanzees perform the same complex behaviors that have brought humans success
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Getting a grip on health norms: Handgrip strength
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Eyes That Lead: The Charismatic Influence of Gaze Signaling on Employee Approval and Extra-Effort
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Continuar a lerRevolution through evolution

Dominguice

O assassinato de Brian Thompson, o CEO de uma das maiores empresas de seguros de saúde nos EUA, gerou manifestações de regozijo através desse paraíso para cobardes chamado Internet. Assistimos à mesma doença aquando do ataque às Torres Gémeas, só para lembrar um episódio que me surpreendeu e chocou ao ver pessoas que pensava conhecer muito bem a festejarem a insanidade do terror. Quem estiver interessado em consumir obsessivamente, diariamente, esse tipo de desumanização extrema e digitalizada só tem de frequentar os poisos onde se faz claque pela invasão, destruição e matança na Ucrânia. Mas, se pudéssemos através dos ecrãs ver os corpos desses valentes a chafurdar na sua miséria existencial, essas figuras nada teriam de especial. Não teriam focinhos grotescos, não exibiriam marcas do mal, bem pelo contrário. Serão até pessoas que, se calhar, nunca passaram um sinal vermelho, que gostam de flores e que poderão ter muitas reservas morais em matar uma mosca. Porém, achando-se protegidas no conforto do lar, ou na descontracção da esplanada, brincam aos assassinos, fantasiam-se o braço direito de tiranos imperialistas. E tiram disso uma qualquer recompensa íntima, estão a mostrar ao mundo o seu poder.

O poder de teclar.

Lapidar

Jurisprudência e populismo

NOTA

Desde a detenção de Sócrates, logo nesses dias iniciais da segunda fase pública da Operação Marquês (a primeira fase ocorreu meses antes, numa operação encoberta para interferir nas eleições do PS entre Seguro e Costa), que se viu o poder judicial a ignorar a sua obrigação de imparcialidade, com isso anulando a plenitude dos direitos e garantias dos arguidos. Carlos Alexandre não só agiu como aliado do Ministério Público — o que deixou lavrado com a sua assinatura — como depois se constituiu publicamente como parte da acusação, ao se permitir o desaforo de dar uma entrevista para se vangloriar da sua vocação infantil para a devassa, e para espalhar a sua convicção da culpabilidade de Sócrates quando ainda se estava longe de haver acusação. A mesma estratégia de destruição pública da presunção de inocência, e linchamento social, foi seguida por outros juízes de tribunais superiores que incluíram nos seus acórdãos frases juridicamente espúrias com a única finalidade de serem amplificadas pelos órgãos de comunicação num frenesim de ódio triunfal.

Onde está o levantamento, o estudo e a reflexão sobre este fenómeno? Escusado contar com a imprensa para a tarefa, pois os donos e os editorialistas dessa imprensa têm sido parte essencial na economia e na ecologia da indústria da calúnia. O fenómeno é o da politização da Justiça com vista à judicialização da política. Algo que é bem mais grave, e que é facto evidente, do que a estupenda gravidade da hipótese de se ter tido um primeiro-ministro que foi corrompido.

Coisas do Carvalho

Manuel Carvalho não quis faltar à campanha judicial e editorialista para culpar Sócrates no escândalo dos 10+? anos de Operação Marquês com vários acusados ainda sem terem sido julgados, nem se sabendo se o serão alguma vez — dada a incompetência e violência política com que se montou o processo, e também por começarem a cair prescrições. Eis o seu contributo para a diabolização: Os incidentes e os recursos da Operação Marquês que estão a destruir o sentido da Justiça

O título expõe a mensagem principal, o que considera mais importante inculcar nos neurónios dos milhões de leitores e ouvintes que anseiam pela sua opinião. Que é uma coisa simples, inegável, até já gasta de tanto se repetir. Isso de Sócrates estar a destruir a Justiça, a solo, por insistir em se defender usando as leis à disposição de qualquer cidadão. Tudo seria mais fácil se ele abdicasse de ter advogado e se limitasse a ficar quieto e calado à espera de regressar à prisão, o cenário mais natural para pessoas com a sua personalidade. E tudo seria mais bonito se ele confessasse que, sim senhor, o dinheiro do amigo era mesmo dele, e que até está uma beca chateado por ainda não ter gastado os 20 ou 30 milhões em lagostas e Ferraris. Mas, sendo a sua personalidade o que é, quem paga é a Justiça que, coitada, já o conseguiu meter na choça durante nove meses recorrendo só a cabeludas mentiras e, obviamente, se acha no direito (pun intended) de ambicionar repetir a façanha multiplicada por 10 ou mais. Seria muito chato se não desse para oferecer esse êxtase à população carenciada de bons espectáculos.

Pois o Carvalho lembrou-se de chamar Maria José Fernandes, procuradora-geral adjunta, com a única finalidade de obter dela a validação da sua pulhice. Esta senhora, que pensa pela sua cabeça e não tem medo de defender a cidade, foi pedagógica e paciente com quem a entrevistava. Tudo se resume a isto: a campanha de ataque a Sócrates trata as suas acções de defesa como “abuso”, e pede que os juízes as tratem como “ilícitos”, e a procuradora mostrou ao crápula que devia ter juízo e ir estudar os códigos judiciais. O crápula ficou calado e na mesma, imune aos factos e sua correcta interpretação. Desforrou-se no texto da bosta publicada.

Não sei o que Manuel Carvalho faz neste pasquim da Sonae, sei o que não faz. Não faz jornalismo.

Este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório