Todos os artigos de Isabel Moreira

Estado: dá para não tomares conta de nós?

As notícias confirmam que o OE concretizou o sonho de Leal da Costa, o membro do Governo mais perigoso em termos de desfiguração do conceito de liberdade.

Leal da Costa tinha avisado que queria tomar conta de nós. Não gosta de “produtos nocivos”, como aqueles que levam “muito” açúcar ou sal, donde taxa-los mais para que o indivíduo aprenda à força a ser saudável.

Também os “cigarros” e o “fumo”, onde sabiamente inclui os cigarros eletrónicos, levam com uma taxa acrescida.

Neste último caso, sabendo – imagino – Leal da Costa – que não há fumo, mas vapor, que o mesmo vapor não tem quaisquer efeitos prejudiciais para terceiros, que desde 2008 até agora ficou demonstrado que nada sustenta efeitos negativos para os utilizadores (a não ser a tristeza de se deixar de fumar) a causa da punição fiscal só pode residir na ideia totalitária de que o Estado deve modelar os comportamentos dos cidadãos.

Esta ideia foi de resto ventilada pelo presidente da ordem dos médicos e não houve qualquer sobressalto cívico, nada, zero, perante a frase que nega a essência do estado de direito. Esta dita a frase contrária: “o Estado não pode modelar o comportamento dos cidadãos”.

Entre argumentos como “não dês esse exemplo, cidadão” e “não vaporizes ao pé dos outros porque chateia, mesmo não sendo fumo”, esquecem-se que isto da liberdade passa por uma dose de incómodo, pelo que o perfume infernal de uma colega não é juridicamente “incómodo relevante” para o Estado escolher o cheirinho de cada um. Também não me apetece, assim de repente, educar crianças alheias, mas sei que são estes e outros argumentos que se juntam num monstruoso não-conceito de liberdade para taxar e para proibir o que o Estado decide que é mau para mim.

O problema é sabermos onde isto acaba. Não posso ser viciada em açúcar ou sal ou nicotina (que nos cigarros eletrónicos é inofensiva).

E amanhã? Será que esta direita que não sabe o que é o indivíduo vai aderir a gente parecida por este mundo fora que já está a estudar os efeitos da “obesidade passiva” com vista a limitar (ai, o exemplo) os direitos dos gordos desagradáveis?

Sei que o caminho para a liberdade e o caminho para a abolição dela têm um ponto em comum: pequenos passos.

Isto não é irrelevante. Trata-se de saúde e de liberdade.

Imagino um Stuart MIll ou um Berlin às voltas no túmulo, este último que numa frase disse tudo: “libertar o homem de si próprio é menorizar o homem”.

A direita punitiva desconhece o fundamento do salário mínimo nacional

As pessoas normais sabem que o salário mínimo existe por um imperativo de dignidade.

A comunidade em que os inserimos não pode aceitar que se trabalhe e que se seja pobre. Este é o fundamento do salário mínimo. Fundamento e objetivo. A valorização do fator trabalho, associada à dignidade de cada trabalhador, obriga-nos a estabelecer um valor abaixo do qual é intolerável que mulheres e homens saiam de casa para uma jornada de trabalho.

Como é sabido, o salário mínimo esteve congelado e agora cumpriu-se um acordo celebrado entre os parceiros sociais em 2007. Feitas as contas, não houve atualização alguma, antes pelo contrário, já que 505 euros escondem dez que não aconteceram.

Numa palavra, sacrifica-se quem ganha menos e permeia-se quem paga menos, com a descida da TSU, esse prémio por se pagar pouco.

Este aumento que não é aumento representa uma migalha em tom eleitoral para os trabalhadores , sabendo o governo há muito que ele era possível e em maior valor sem qualquer risco para a competitividade das empresas. Os números existem e provam isso mesmo.

Aflitivo é ouvir em pleno debate parlamentar a direita explicar por que deve o salário mínimo estar associado à produtividade nacional. Isto é: se aquela baixar para o ano, baixa-se o salário mínimo.

Afirmar uma monstruosidade destas como quem diz que dois e dois são quatro é dar a conhecer aos portuguese que não se conhece os alicerces dos pilares da nossa democracia social.

A direita não sabe que o salário mínimo não é o resultado da produtividade ou dos mercados ou do humor.

O salário mínimo é isto: a comunidade não admitir que homens e mulheres trabalhem e continuem a ser pobres.

Toda a gente sabe

Toda a gente sabe que o PS é o partido fundador da democracia e que nessa luta se bateu pela diversidade da representação política no regime político.

Toda a gente sabe que Mário Soares se empenhou contra a ilegalização do PCP.

Toda a gente sabe que ao longo de quarenta anos, apesar da dificuldade de coligações à esquerda, foi ponto de honra para os socialistas baterem-se nas urnas e não na secretaria.

Toda a gente sabe do momento magnífico inscrito em 1973, da história ali retratada, de uma partido resistente ao fascismo e à pide, de um partido que lutou pelas conquistas sociais que agora vemos ameaçadas, que se empenhou na construção da escola pública, do SNS e no sistema de segurança social.

Toda a gente sabe que Mário Soares e Salgado Zenha foram seguidos naquele desígnio que se prolonga até hoje em homens e mulheres do século XXI, desígnio de causas transformadoras da sociedade, desígnio incompatível, por natureza, com o populismo, com a fulanização, com a denúncia eleitoralista, qual bufo, qual agente da pide.

Quem não percebe isto rejeita o partido onde milita pelo acaso de um desígnio puramente pessoal, esse de querer ser poder, a qualquer custo, queimando o legado moral e filosófico do PS, colocando-se fora dos “políticos odiados” para os atacar com um imaginário povo por trás.

Antes das primárias, António José Seguro era apenas um SG do PS que não tinha feito a oposição devida ao Governo e que tinha assumido a narrativa da direita acerca da crise.

Depois desta campanha, António José Seguro revelou ser o maior adversário do PS de todos os tempos.

Toda a gente viu. Toda a gente ouviu.

Toda a gente sabe.

Votar em António Costa com memória e perspetiva

As eleições primárias exigidas por Seguro estão perto do fim. É hoje claro que podemos, serenamente, fazer o balanço das razões que indicam como justo vencedor António Costa. Para que tal aconteça, é necessário que socialistas e simpatizantes vão votar com memória e perspetiva.

A leitura política não se coloca no campo dos afetos. É por isso insultuoso ter por insultuoso e desleal, ou como traição, a leitura que António Costa fez do resultado das eleições europeias e dos anos de liderança de Seguro. Anos que culminaram numa clara  incapacidade de capitalizar o histórico descontentamento registado para com a direita mais extremista de que tenho memória.

Aquela leitura não foi apenas de António Costa, mas de milhares de socialistas e de milhares de pessoas potencialmente votantes no PS. Basta constatar o apoio que hoje António Costa reúne para ter por absurda qualquer acusação de deslealdade. Pelo contrário, numa circunstância histórica em que avançar para o Governo é avançar para uma tarefa duríssima, o desafio de Costa foi, evidentemente, um desafio pedido e, até, exigido por muitos, a bem do país e, por isso, patriótico.

Desafiar uma liderança é um ato democrático na vida de um Partido e o desafiado, se tem cultura democrática, deve aceitar o desafio, sem vitimizações, até porque ninguém assenta o seu voto na compaixão.

Não desejei, mas temi, o fraquíssimo resultado do PS nas europeias, aquelas em que Seguro pedia uma maioria que projetasse uma maioria de governo. Temi porque ao longo de três anos não deixei de discordar de momentos que marcaram irremediavelmente o PS liderado por Seguro: em primeiro lugar, Seguro aceitou a narrativa da direita, fácil de desmontar, acerca da culpa absoluta pela crise do governo de Sócrates; em segundo lugar, Seguro não percebeu que o OE de 2012, o tal “além da Troica”, era o momento para a demarcação do PS, um OE que roubou dois subsídios aos funcionários públicos e duas reformas e pensões. Seguro optou pela estranhíssima “abstenção violenta” e perdeu o pé para criticar o Governo que não fosse na extensão e na dose. Fiz parte dos deputados do PS que impugnaram junto do TC o ataque violento aos funcionários públicos e aos reformados e pensionistas e, mesmo neste processo, relativo a milionários de 600 euros, o SG do PS (socialista, isso mesmo) demarcou-se violentamente, valendo-nos o BE, e vencemos. Hoje, os portugueses sabem que sem esse Acórdão não teriam existido os demais; em terceiro lugar, foi inútil a discussão interna acerca da primeira alteração ao código do trabalho. Qualquer socialista sabia que estava ali o primeiro passo para a desvalorização do fator trabalho, mas Seguro não se sentiu menos socialista em mais uma abstenção violenta. Lá ficou Seguro cativo numa área fulcral para a nossa família política a discutir doses; em quarto lugar, aquando da votação do tratado orçamental, a sua adesão liberal ao mesmo foi tão grande que conseguiu transformar aquela votação em disciplina de voto.

Esta leitura é política e não pessoal. Nada me move pessoalmente contra Seguro, agora com uma nova face, perigosa e desagregadora, ou um recurso, não sei: o populismo . Certo é que tudo me move a favor do PS e do país e agradeço a Costa ter respondido “presente” ao apelo de tantos, de tanta gente órfã de uma alternativa.

A direita rasgou o país. Introduziu uma dinâmica de retrocesso social. O desafio do PS é travar essa dinâmica, pôr fim ao confronto social como arma política, promovendo a coesão social. Tenho por certo que cabe ao PS, com António Costa como PM capaz de construir uma boa equipa, travar esta dinâmica de retrocesso social e reduzir as desigualdades. Travar a lógica do confronto e promover a coesão nacional. Desbloquear o crescimento sustentável e gerador de emprego. Por isso, é hoje fundamental a capacidade de mobilizar forças para repor um clima de normalidade institucional e de concertação social. Isso passa por três pontos: uma Agenda para a Década, centrada nas condições estruturais de desenvolvimento, mobilizadora do compromisso político, da concertação social estratégica e do conjunto da sociedade, assente em quatro pilares fundamentais: a valorização dos nossos recursos; a modernização do tecido empresarial e da administração pública; o investimento na cultura, ciência e educação; o reforço da coesão social; um Programa de Recuperação Económica e Social, que responda à urgência de travar a trajetória de retrocesso social e de relançamento da economia e da criação de emprego; uma nova atitude de Portugal na Europa, que defina uma estratégia de defesa dos interesses nacionais no contexto da União Europeia.

Cumprir estes objetivos obriga-nos, sem ataques pessoais, a reconhecer em António Costa uma leitura mais acertada da crise, mais experiência, uma capacidade agregadora impressionante e uma cultura de trabalho em equipa.

Memória e perspetiva, pois.

(ou, transigindo, de que lado passarás a morrer, a clarear)?

Li todos os livros de Rui Nunes. O primeiro livro que li (tinha 17 anos) chama-se “Enredos” e nele descobri a liberdade para dizer e escrever o mundo como o vejo, sempre contra o medo, sempre buscando a inscrição dos vetados a apátridas. Esse livro foi agora reeditado e recentemente rasgado pelo brilho da leitura de Conceição Caleiro, no “Público”.

Há, no entanto, outro livro. Parece uma despedida. É este. Tem por título um verso do poema de Nuno Guimarães: (ou, transigindo, de que lado passarás a morrer, a clarear)?.

É raro encontrar uma dedicatória nos livros de Rui Nunes. Este tem: “em memória de Tonito B.”.

Rui Nunes é um escritor que luta na sustância e na forma (daí as palavras em desuso a que se refere Conceição Caleiro, daí a minúcia) contra a desatenção que permanentemente ocorre no mundo; é uma luta para que a história do mundo não seja, precisamente, a história dessa desatenção.

E então este livro. Uma derradeira inscrição. Num Portugal sufocante. O Tonito é um gay dobrado no areal para comer a sombra que o persegue, num ambiente piscatório ofegante, de há umas décadas, o autor é a criança que olha e não entende, paneleiro, paneleiro, são 33 páginas de desamparo, daquela terra como outras, mas esta é a história que se conta, que se inscreve, que não esconde culpas, que faz a denúncia de quem devia afastar o desamparo, como a mãe, e o Tonito (paneleiro, paneleiro) cortou os pulsos e enterrou-se numa banheira cheia de água.

“E o Tonito morreu, ou morria, assim repetido. Já não se anuncia, nem anuncia: está aqui. Nos meus olhos abertos. Desfeitos. Aqui, é por todo o lado.”

 

Sinto-me qual D. Pedro IV

Seguro, inseguro, não está aqui por ele, diz. Está aqui – ou ali – por Portugal. Está contra as cortes de Lisboa, essas que tudo decidem, essa capital vencedora nas autárquicas com a maior maioria de sempre. O candidato foi António Costa.

Nessa data, Seguro, inseguro, saudava o resultado das eleições ampliadíssimos pelo resultado de Lisboa, a terra das cortes.

As declarações de Seguro são graves, são a negação da política, a negação de um líder agregador, são a apolítica.

Custa perder mais tempo com elas, mas rir ajuda, sobretudo quando se está aqui, sem advérbios, acreditando que a palavra de ordem perante o histórico de Seguro e perante uma direita inaceitável é a palavra alternativa.

Para isso faz-se política, lê-se o país real, tira-se conclusões das eleições, elabora-se uma proposta estratégica a dez anos e não se perde tempo com tiradas, afinal, tão reveladoras da essência insegura de Seguro.

O problema da insegurança de Seguro é que ela não é apenas intelectual ou de personalidade – há inseguranças saudáveis e altamente motivadoras.

O problema da insegurança de Seguro é que ela não se interroga a si própria para saber por onde andar mais firme e/ou com mais utilidade; ela reconhece a causa da sua existência no outro que diverge, que contesta, que arrisca.

A insegurança de Seguro persegue terra firme no ataque pessoal e na tática das ratoeiras. A insegurança de Seguro é orgulhosa, não perde um minuto consigo mesma; não, é orgulhosa e faz terra queimada até ao ilusório dia em que, derrubados todos os socialistas que discordem da cor de uma gravata de Seguro, a insegurança deixe de ser notada.

Acontece que mesmo nesse dia sempre teríamos os adversários e o povo, incluindo o povo de Lisboa: é a desgraça de se sair por aí com uma insegurança orgulhosa. Uma solidão, no caso merecida.

Sou portuguesa, nascida no Brasil, chegada às cortes aos 2 anos de idade. Como dizia hoje um colega meu, com Seguro, estou quase um Pedro IV.

É normal rir de declarações graves.

É uma espécie de instinto quando nos enchemos de vergonha alheia.

 

Última hora!!!!!!

É agora! A direita vai fazer alguma coisa digna de registo! É agora! Vai combater o desemprego! Vai traçar um plano contra a pobreza que atinge 1 milhão de pessoas! Vai redirecionar a sua obsessão contra pensionistas e funcionários públicos para outro lado qualquer! Vai valorizar o trabalho! Vai falar alto na Europa defendendo os nossos interesses! É agora!

Ups. Parece que não. Afinal um grupo de Deputados do PSD apresentou um projeto de revisão constitucional que extingue o TC porque ele tem funcionado muito bem e consensualmente desde 1983, mas nos últimos 3 anos portou-se mal.

Gandas malucos! E corajosos!

Já estou a ver os deputados em causa a saltarem para uma arena e a pegarem um touro pelos cornos.

“Má-fé constitucional”

A extraordinária sucessão de “chumbos” de iniciativas do Governo no Tribunal Constitucional prova, para lá de qualquer dúvida razoável, um nível de incompetência no centro do Governo que supera todos os precedentes e toda a imaginação.

Mas não se trata apenas de incompetência: a fantástica ideia de cortar o subsídio de férias a uns e pagá-lo por inteiro a outros, em grosseira afronta ao princípio da igualdade, revela uma atitude persistente de pura má-fé constitucional.

Coube ao ministro Poiares Maduro, do alto das suas elevadas funções de coordenação política do Governo, explicar a brilhante interpretação a que a coligação PSD/CDS chegou depois de lido o Acórdão do Tribunal Constitucional sobre os cortes na função pública, indeferido que foi o expediente da respectiva aclaração. Visto que o Acórdão, por razões de interesse público, apenas produz efeitos para o futuro, salvaguardando os efeitos já produzidos pelas normas consideradas inconstitucionais, o ministro tirou daí esta magnífica conclusão: “relativamente a todos aqueles que receberam já subsídios de férias com cortes, não há qualquer alteração a fazer”. A ideia do ministro, certamente apurada depois de muito pensar, é afinal muito simples: os que receberam parte do subsídio de férias antes da entrada em vigor do Acórdão do Tribunal, a 31 de Maio, tiveram azar e sofreram cortes inconstitucionais que não serão repostos; já os que receberem o mesmíssimo subsídio depois da entrada em vigor do Acórdão, têm sorte e recebê-lo-ão por inteiro. O ministro não nega que esta interpretação do Governo implica “um impacto diferenciado” para pessoas com direitos idênticos à mesma prestação e o líder parlamentar do PSD chegou mesmo a reconhecer que ela implica “desigualdades”. Mas, dizem eles, é a vida: “são decorrências da decisão do Tribunal Constitucional” e “não há alterações a fazer”.

Perante tamanho disparate, o Tribunal Constitucional precisou de toda a sua contenção para, em resposta aquelas alegadas “decorrências”, se limitar a esclarecer, num sóbrio comunicado, que é simplesmente abusiva qualquer “ilação” que se pretenda tirar de uma aclaração que nem sequer foi feita. Seja como for, é evidente que nem o Acórdão do Tribunal Constitucional, nem o indeferimento da sua aclaração, autorizam a interpretação agora sugerida pelo Governo. Na verdade, sendo o montante do subsídio de férias habitualmente determinado pelo valor da remuneração do mês de Junho, que ficou isenta de cortes por força do Acórdão, o que se impõe é a correcção dos processamentos anteriores em conformidade com esse valor. E mesmo que assim não fosse, o que é absolutamente certo é que nunca poderia o Governo aplicar a lei orçamental optando por uma interpretação manifestamente desconforme à Constituição e resignando-se a um resultado que iria gerar um tratamento flagrantemente desigualitário entre cidadãos em iguais circunstâncias. Em suma: a interpretação proposta pelo ministro Poiares Maduro é, como ele bem sabe, simplesmente inadmissível por ser constitucionalmente proibida, como aliás será evidente para qualquer pessoa de boa-fé.

Sendo o disparate tão grosseiro, este exercício de má-fé constitucional, mais do que traduzir uma intenção para levar a sério, parece sobretudo destinado a alimentar uma gracinha de mau gosto para consumo na absurda guerra institucional que o Governo decidiu abrir contra o Tribunal Constitucional, beneficiando do silêncio cúmplice do Presidente da República. Quem certamente não tem razão para achar graça são os funcionários do sector público, mais uma vez vítimas de danos colaterais. Mas foi a isto que chegámos: a cabeça do Governo não tem juízo e o povo é que paga.

Pedro Silva Pereira

 

E o Estado de direito funcionou

Hoje, mais uma vez, o Estado de direito democrático funcionou. Ponto final.

Toda a oposição e o Provedor de Justiça impugnaram junto do TC, como é seu poder/dever, quatro normas do OE.

O TC cumpriu o seu dever.

A decisão, para quem leu todas as anteriores, foi a esperada.

Temos um Governo que nunca fez um OE conforme à Constituição. Isso é gravíssimo. O Governo, sabendo ler, insiste, orçamento atrás de orçamento, em violar conscientemente a CRP.

Não é necessário ser jurista para ler os acórdãos anteriores e os pressupostos dos mesmos para perceber que as normas em causa, sobretudo a relativa aos cortes de salários dos funcionários públicos, são inconstitucionais.

O TC avisou e avisou nos seus acórdãos que deixaram passar outros cortes que assim o fazia, entre outras razões, pela garantia dada legalmente pelo Governo, de que os mesmos eram aqueles, só aqueles, e provisórios.

Temos um Governo fora da lei que ameaça a base da nossa democracia propagandeando mentiras acerca da natureza da CRP e da função do TC.

É olhar apenas para a norma de corte de salários: declarada inconstitucional a partir de hoje com 10 votos a favor e apenas 3 contra. Chegue de tentar fazer passar a ideia de que o TC está alinhado ideologicamente.

O buraco de que se fala não é criado pelo TC; foi criado pelo Governo a gente com pouco mais de 600 euros por mês, a desempregados, a doentes e a pensionistas.

Onde não há buraco é no dia de hoje: o Estado de direito democrático funcionou normalmente.

António Costa

 

As eleições europeias representavam, como de resto foi repetido todos os dias pelo PS, uma oportunidade de expressar no voto socialista o repúdio robusto desta direita jamais vista. Repetidamente se apelou a votar PS também para deixar claro que era neste Partido que estava a alternativa lançada para o próximo governo.

Em número de votos, o PS ganhou e a direita perdeu.

Acontece que perante um país caído na desesperança, a vitória numérica do PS foi, politicamente, uma derrota. Cabe aos socialistas, e portanto eu incluída, ter a lucidez de assumir que o país caído em desesperança não viu no PS uma alternativa. Cabe-nos assumir que o PS não convenceu o povo, estrondosamente, como era sua obrigação, que a alternativa de esperança dá pelo nome de Partido Socialista.

Perante o que nos aconteceu coletivamente nos últimos anos, a palavra alternativa significa um Governo forte, sem dependências de coligações perigosas, defensor do Estado social, desmistificador dos horrores que foram doutrinados acerca de conquistas básicas da democracia, determinado na negociação com parceiros externos, português e europeu e jamais servil, um Governo que permita um rumo.

O resultado obtido pelo PS nas eleições europeias deixa claro que dali não veio a resposta pedia pelo PS aos eleitores.

A candidatura de António Costa é um momento de coragem e não de intriga, é um momento de leitura atenta da vontade dos socialistas e do país, e não um projeto pessoal de poder, é um momento de lucidez muito bem-vindo.

Todos os que lutam e lutaram pelo PS e pelo país devem ser saudados. Por isso, Seguro deve ser saudado pelo seu papel na oposição. Deve ser saudado pelo seu esforço.

A questão não é pessoal. Dia 25 obriga-nos a uma viragem a bem do país, a bem de uma perspetiva de alternativa nos termos atrás descritos.

Ignorar a realidade é um erro. Seguro deve ter a grandeza de convocar um congresso. E, com todo o direito, lutar pelo que acredita e pela manutenção da sua posição.

Gostava que me fosse dada a oportunidade de ter a escolha.

E a minha é clara: António Costa.

Um pouco de rigor

Pode ler-se aqui a notícia de que os cigarros eletrónicos vão ser proibidos nos locais públicos, tal como os cigarros tradicionais, invocando a legislação europeia que “determina a proibição”.

Talvez quem produziu a notícia pudesse ler a tal da legislação europeia. Está aqui.

A Diretiva é a 2014/40/ EU e teve uma longa história. Talvez seja cansativo ir consultar todo o processo legislativo. Agora, não ler o artigo 20º (cigarros eletrónicos) ou ler e noticiar que o mesmo determina a proibição de vaporizar em locais públicos é desinformar.

A Diretiva nada diz sobre o uso em locais públicos de cigarros eletrónicos e não os classifica como medicamentos (até 20 mg de nicotina), alegando, e bem, que o controlo da qualidade do produto não o exige. A Diretiva impõe a regulação da coisa, o que é bom. Quando compro um líquido para um cigarro eletrónico, quero saber dos seus componentes. Quero controlo de qualidade.

Quando compro comida enlatada também gosto que me disponibilizem um rótulo com as informações adequadas tendo em conta o produto e os consumidores.

É evidente que começou uma guerra. Se a nossa liberdade de gozar a vida com vapor (não é um cigarro, não é fumo, não é tabaco) for absurdamente restringida, a responsabilidade da estupidez inconstitucional é do decisor político.

Como temos no Governo quem gosta de nos proteger de nós próprios, gente que dá um tiro filosófico à liberdade, “normalizando” os nossos comportamentos, num ideal ditado de virtude coletiva, não me admira que a proibição avance.

Começou com uma boa estratégia, essa de divulgar a mentira de que a legislação europeia impõe a proibição do vapor em locais públicos.

Depois vem o sal, depois vem o álcool, depois teremos um ataque ao que comemos em casa, até nos “libertarem” para, finalmente, sermos livres, como nos querem livres.

Porque Leal da Costa é homem para fazer eco das palavras atentatórias do Estado de direito proferidas pelo presidente da Ordem dos Médicos: “O Estado deve ter um papel positivo em modelar o comportamento dos cidadãos”.

É exatamente o contrário. E a melhor resposta a este horror foi escrita aqui.