
Quem diria, há uns meses, que a situação no Médio Oriente iria dar esta cabriola: Sharon fora de combate e o Hamas pronto a assumir o poder na Palestina. Em Israel, ainda impera a incredulidade com a dimensão da derrota da Fatah, já à mistura com ameaças de cortes de fundos europeus e americanos à Palestina. É que ninguém esquece que o Hamas nunca reconheceu o direito de Israel à existência e continua a manter uma ala de activos terroristas.
Mas a realidade é sempre difícil de descrever por chavões. Há quase 3 anos, Pacheco Pereira, numa tirada amplamente aplaudida, sentenciava: “não há ‘dirigentes moderados’ numa organização terrorista, ponto”. Hoje, tenho oportunidade de repetir ipsis verbis o que então escrevi algures: ignorar que o Hamas é muito mais do que um grupo terrorista é simplesmente fechar os olhos à complexidade dos factos. É ignorar o que até a Anti-Defamation League constata no seu site: que o Hamas gere uma intrincada rede social, com hospitais, creches, escolas e caridades diversas. É ignorar a própria génese do movimento, surgido como oposição à notoriamente corrupta entourage de Arafat e então apoiado discretamente por… Israel.
Continua a ser instrutivo recordar o livro “The Palestinian Hamas”, escrito por dois académicos israelitas, com a sua explanação das dissensões internas que têm atravessado o Hamas, sempre oscilando entre dois pólos: a brutalidade pura e dura e a procura de soluções negociadas. (Um homem como Ismail Abu Shanab era um dos rostos deste último ponto de vista. Era; até Israel o matar.) O comentário da casa editora, a Columbia University Press, esse notório ninho de simpatizantes dos terroristas, é revelador: “desde que emergiu como desafiador da OLP durante a Intifada Palestiniana, o Hamas foi associado pela percepção pública ao terror e à violência. Agora, dois especialistas israelitas mostram que, ao contrário desta imagem, o Hamas é essencialmente um movimento político e social, fornecendo extensos serviços comunitários e respondendo constantemente às realidades políticas através de negociações (…)”
Por cá, passadas as primeiras ondas de choque, não sei bem qual vai ser a primeira “revolução” nos comentadores do costume: concluir que se calhar Arafat até não era assim tão mau, ou descobrir que, afinal, a Democracia talvez não seja mesmo sinónimo de paz e harmonia instantâneas…










