Iatrofobia (1)

Sala de espera de um hospital ferrugento, estreito, inadequado. Espero por alguém que há-de sair de uma pequena cirurgia. Espero agarrado a um livro, tentando desviar os olhos dos coloridos panfletos sobre a psoríase, sobre o herpes labial, sobre um bestiário inteiro de pequenas criaturas letais que por ali devem andar em barda.
Um velhinho, com ar de padre reformado, resolve combater o medo falando. E fala, para o seu acompanhante e para o mundo em geral. Começa por perorar sobre as qualidades imprevisíveis da gravidade noutros planetas. Depois, vem a extinção dos dinossauros, a tectónica de placas, o império romano e a mecânica celeste. O pior, além do tom monocórdico do monólogo, é que o pobre e assustado homem inventa metade do que diz: o meteorito que deu conta da bicharada jurássica causou a cavidade do oceano Atlântico, os continentes trocam de posições várias vezes ao milénio e a Terra cai pelo espaço mais ou menos a metade de C. Estão a nascer ali capítulos inteiros de uma alucinada história natural alternativa, um delírio febril em forma de alocução académica.
Meio acabrunhado, escondo-me num jornal gratuito. E dou de caras com uma coluna de Nuno Júdice em que ele me garante que Colombo encontrou, em vez da almejada Índia, “os Estados Unidos” — sendo depois talvez recebido pelo presidente republicano Trovão da Pradaria.
Parece-me que o mundo inteiro acordou com uma tremenda ressaca e está ainda incapaz de dizer coisa com coisa.

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