Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

Declaração de princípio (para que saibam no que é que se metem)

Eu tentei convencer o meu excelente amigo Nuno Ramos de Almeida (cujo percurso acompanho desde há anos com desvelo quase fraternal, sem que contudo tivesse conseguido impedi-lo de vir a padecer, já na idade adulta, de uma lamentável doença infantil…) de que não seria o tipo indicado para escrever num blog, mas ele não me quis dar ouvidos, e foi pena, porque para lá do meu muito justamente referido mau feitio & falta de pachorra, possuo ainda outros defeitos graves e que se afiguram mesmo fatais no caso vertente: primeiro, tenho uma relação difícil com as novas tecnologias, não frequento blogs, não sei mandar SMS´s, não tiro fotografias com telefones nem coisas do género, porque sou do tempo dos utensílios com vocação única, o telefone toca, o fax faxa, a máquina fotográfica tira fotografias, etc., e nunca me habituei aos vários-em-um; segundo, gosto de ler e escrever pausada e pensadamente, e acho que boa parte dos males do mundo advêm do facto de as pessoas se instruírem por via da TV, de revistas coloridas com muita imagem e pouco texto ou de informações soltas, encontradas ao acaso na net, que me parecem meios em si mesmos insusceptíveis de dar origem a uma reflexão minimamente reflectida sobre o que quer que seja (lá em casa, a jovem geração queixa-se e diz que eu sou um bota-de-elástico, mas eu estou-me nas tintas, não só porque casa que se preza tem de ter o seu par de botas-de-elástico, e nisso a T. faz-me excelente companhia, mas ainda porque, como eu procuro explicar aos meus herdeiros, quem pode o mais pode o menos, embora o inverso não seja necessariamente verdade – ou seja, quem conseguir sobreviver a um texto meu, chato e comprido, há-de certamente achar graça a seguir a um texto leve e espirituoso do Nuno Tito de Morais ou do Luís Rainha – olá Luís, prazer em rever-te – embora o contrário se afigure muito menos provável); em suma, não sou pop nem pretendo vir a ser, para parecer mais jovem; se ainda assim me quiserem, não me quero armar em difícil e aceito o gentil convite para chatear de vez em quando os leitores; se não quiserem também não levo a mal – porque no vosso lugar fazia o mesmo.

Mais um reforço, mais um tiro.

snipper-bey.jpg
António Figueira é outro dos novos reforços desta equipa com remédio. Jurista, foi do gabinete de porta-vozes da Comissão Europeia. É Prémio Jacques Delors 2003, com o ensaio “Modelos de Legitimação da União Europeia”. Apesar destes feitos duvidosos e outros que eu me escuso de revelar, é dono de um sentido de humor apurado, duma imagética duvidosa e de uma má disposição crónica, factos relevantes que levaram à sua contratação.

Défice de juízo

Garcia Pereira andou pela Madeira a promover a obra de Alberto João. Parece que o candidato deseja “a mais ampla autonomia” para as nossas ilhas, se preciso for com um Supremo Tribunal por arquipélago, mantendo apenas uma vaga ideia de defesa nacional em comum com o resto do país (parece-me ideia excelente; sobretudo se tratarem primeiro da correspondente autonomia económica). O patusco candidato do MRPP tem ainda uma outra ideia original sobre a Madeira: “o que há aqui é défice de oposição”.
O homem não perceberá mesmo que a tal falta de oposição não é a raiz do problema mas sim um mero sintoma? Que oposição pode sobreviver naquela atmosfera asfixiante, marcada pelo nepotismo e pelo mais absoluto desprezo pelas regras da vida em democracia? Quem é que se sujeitaria a ser perseguido, ver bens seus expropriados e ter o nome arrastado pela lama todos os dias, apenas por brio cívico?
Parece-me que quem não entende isto não devia ser nem candidato a presidente do Benfica.

O inferno é capaz de ser verde

Selva.jpg

Dark Wood (Una Selva Obscura), Tom Phillips, 1979-80

Não é preciso ser um Marcuse ou um Ballard para ver que muito do que se passa dentro dos nossos crânios acaba por imigrar para o mundo “real”; as nossas neuroses, fobias ou depressões dificilmente passam sem se manifestarem, mesmo que de forma latente, nas circunstâncias de que nos rodeamos.
No meu caso, a bandeira que melhor reflecte o estado da ondulação na minha alma é o meu jardim.
Por mais que laborasse, não conseguia fazer com que ele saísse do estado de selva primeva. Tentei arrancar as canas, cortar as silvas, envenenar as ervas. Por umas semanas, a coisa ganhava ar quase civilizado; depois, no que me parecia um lapso de tempo absurdamente ínfimo, regressava o caos vegetal, mais feio que nunca.
Tentei, a páginas tantas, organizar, como as pessoas crescidas fazem, a minha vida. E o jardim, epifenómeno obediente, foi a primeira vítima. Contratei profissionais de variadas nacionalidades, projectei e instalei, com as minhas doridas mãos, um complexo sistema de rega automática. E dei ordem para espalhar um manto impenetrável de escalracho, tapando de uma vez por todas a fertilidade insana do solo da serra. Fui de férias, confiante e já de cabeça mais desanuviada (sim, que estas coisas sempre confundem a fronteira entre sintoma e causa).
Quinze dias depois, o meu cantinho de Amazónia estava de volta. Canas da minha altura, flores selvagens de ar carnívoro por todo o lado, plantas daninhas com ar de estarem ali há anos. Garanto-vos: aquilo não é natural.
Hoje, voltaram os jardineiros. E aniquilaram 500 metros quadrados de escória folhuda, revelando, para minha surpresa, um tímido mas viçoso tapete de relva. Que, afinal, até ia medrando por debaixo da selva.
Deve haver por ali uma valiosa lição à espera de ser aprendida; entretanto, vou saboreando o perfume de coisas verdes acabadas de cortar. Cheira-me a felicidade, imagine-se.

Digital mundo novo (1)

Leio que a Nikon se vai dedicar quase em exclusivo à produção de câmaras digitais. Depois de ter visto uma Leica sem filme, já pouco me pode espantar. E adivinho há muito a derrota inevitável do mundo analógico.
O digital insinuou-se no nosso campo de visão de forma sorrateira: primeiro os grandes scanners (que agora, poucos anos depois, são reverenciados como peças de uma tecnologia arcaica mas insuperada, manejadas com mil cautelas, não vá a falta de peças e de manutenção dar cabo de tão magníficas quanto obsoletas obras de engenharia), mamutes com nomes arcanos como “Heidelberg” e “Scitex”. De seguida, os digitalizadores de imagens saíram dos gabinetes de pre-press e disseminaram-se como uma praga imparável.
Por fim, o olho digital moveu-se para mais perto do mundo: já são os próprios fotógrafos quem trata de cortar a realidade em fatias de bits comprimíveis e transportáveis. E já são as nossas próprias memórias, corriqueiras ou cruciais, que ficam guardadas em formato jpeg, quase idênticas aos momentos originais.
Que virá amanhã? Será o nosso córtex visual capaz de receber upgrades que prescindam de mediações analógicas, ligando-nos em directo ao esplendor limpo, instantâneo e sempre tão dúctil das imagens digitais? E o que estaremos entretanto a perder?

Este escapou às garras do Luís Filipe Vieira

Cabe-me a subida honra de anunciar o nosso primeiro reforço de Inverno. Se ele conseguir domar as renitentes complexidades do HTML em tempo útil, não tarda nada teremos por aqui as ilustrações, os cartoons, as caricaturas, a imaginação a traço firme do Jorge Mateus. Grande herói da BD, esforçado artista residente do DN (e sem saber, também da nossa farmácia), recente vencedor (em condições rocambolescas) do Salão Nacional de Humor de Imprensa. O Aspirina B conta com ele para ver se conseguimos dizer alguma coisa de inteligente sem vos maçarmos com mais conversa de chacha como esta.

This Way Up #3

Assim, como quem não quer a coisa, desapareceu recentemente a voz feminina mais importante da minha blogosfera. Quando digo «minha blogosfera», digo-o não apenas para relativizar a afirmação, mas sobretudo para transmitir essa sensação de posse: senti inúmeras vezes que os posts da Catarina eram meus e só meus, que apenas eu entendia a genialidade e o refinado sentido de humor dos seus escritos. Palermices, eu sei, mas quem nunca foi fã de ninguém, que me atire o primeiro hyperlink.

Vampiro

dientes_800.jpg

Na campanha de Manuel Alegre, as praças e as ruas foram substituídas pelos cemitérios. Não há morto famoso que possa descansar em sossego. Todos os finados arriscam-se a ser reivindicados pelo político-cantor. Depois de Álvaro Cunhal, Alegre atacou Sousa Franco. A viúva protestou e resfolegou, o candidato não se atemorizou: quem é a viúva para reivindicar o marido, contra a vontade de Alegre? É óbvio que a viúva está imersa numa imensa conspiração para prejudicar a campanha do candidato “independente”. Sabe-se lá se a mulher viveu com Sousa Franco? Verdade, verdadinha, é que Alegre viveu com Cunhal!
A dúvida instala-se: o candidato faz campanha para ser eleito, ou para reescrever a história à medida da sua versão generosa? Um dia vamos descobrir que, para além do preâmbulo da Constituição, da acção de Che Guevara, da resistência anti-fascista, a roda e até o fogo foram descobertos por Manuel Alegre. Já a Biblia garantia que “a princípio era o verbo”, numa clara referência ao poeta.

Nota: mandei fazer para os meus amigos uma placa, em metal indestrutível, a dizer que independentemente das circunstâncias do nosso eventual falecimento não queremos o poeta no funeral, nem sequer uma aparelhagem sonora a debitar a “a trova do vento que passa”.
Por 10 euros pode levar a plaquinha. Infelizmente, isso não garante que não seja vítima de um elogio na imprensa, a exemplo do artigo que o poeta escreveu quando morreu Agostinho Neto, em que ficámos a saber como Neto admirava intensamente Alegre e que não havia no mundo pessoa que Neto achasse tão poderosamente inteligente e tão absolutamente decisiva no universo…

Deve ser da data

Estava há uns minutos uma senhora num programa da SIC Mulher (“Elas sobre Eles”, julgo) a lançar um alerta importante: “Olha, desculpa lá estar a armar-me em intelectual, mas este é um assunto sério que temos de discutir. Sabes do Iraque, não? E sabes do problema do urânio no Iraque? É. O enriquecimento de urânio no Iraque. É grave”.
Alguém diga à senhora, por favor, que anda um pouco atrasada. A história das armas de destruição em massa no Iraque já passou à História. Agora é mesmo o Irão que está na berlinda.

Mais histórias de plágios

Pronto. É sina assente: agora, tudo o que tenha a ver com o gamanço de escritos alheios tem de me vir parar ao desktop. Ainda acabo como metade da população portuguesa: processado pela Clara Pinto Correia, que gastou esta semana a justificar, no “24 Horas”, os seus tormentos e a ameaçar este e aquele com ferozes litigações, pois “agora já não vai sair barato dizer mal de mim”. Isto enquanto persiste na colocação de aspas a proteger a palavra “plágio”, quando aplicada à sua pessoa, mas enfim. (Espero que ela não descubra que escrevi há um ano que “o Jorge Listopad e a Clara Pinto Correia deviam ser banidos para a Zona Fantasma”…)
É que nossa Margarida conseguiu por fim encontrar um texto assinado por Francisco Louçã em 2001 e outro de Michel Chossudovsky, alguns dias anterior. Podem ler ambos aqui. Até me dei, não fossem acusar-me de escasso empenho analítico, ao trabalho de assinalar a vermelho as passagens literalmente comuns aos dois artigos. Mas não era preciso; eles estão obviamente irmanados e expõem os mesmos factos, o mesmo raciocínio e a mesma conclusão.
Plágio? Para ter a certeza, precisaria de verificar alguns dados: datas, notas, o texto assinado por Louçã. Mas admito que parece bastante provável.
Sei que pode soar a coisa estranha, mas é verdade, Margarida: nem todos fechamos os olhos ao que parece ser a evidência só porque esta nos desagrada.

Este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório