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Uma breve (e modesta) história do videoclip

Complemento supérfluo e desnecessário, veículo de promoção ou ferramenta de marketing, invenção da MTV, presumível suspeito do assassínio de uma estrela radiofónica cujo cadáver jamais foi encontrado e, mais grave ainda, objecto artístico – de tudo um pouco já foi acusado o formato audiovisual com as costas mais largas desde a invenção da televisão e que, pouco a pouco (eufemismo), começa a invadir a Internet. No momento em que o YouTube é uma virtualidade incontornável e a camada de ozono voltou a ser o que não era: que tal uma breve (e modesta) história do videoclip?

João Pedro da Costa

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Post para o José Tim (aka Brigada Bigornas)

Meu amor.

Já era para te escrever há algum tempo, mas só hoje é que consegui reunir a predisposição e o tempo necessário para alinhavar estas palavras. Como com certeza sabes, a tua aparição inicial na caixa de comentários da Aspirina foi, para mim, motivo de orgulho e diversão. Sou muito sensível à pachorra dos «pequenos Sísifos» e não me custa nada confessar que, todos os dias, quando acedo ao blog e invariavelmente verifico o teu labor frenético, fico sempre, como direi?, «deslumbrado» com a tua persistência. Nesses momentos, imagino-te sempre em casa todo nu e suado, a fumar cigarros de menta enquanto vais fazendo copipeistes nas caixas de comentário do Aspirina. Já não sei muito bem quando me apaixonei por ti. Sabes muito bem como são estas coisas do amor: é um bicho que vai crescendo a gente não sabe muito bem quando, como, e não raras vezes porquê, e, quando damos por ela, já estamos reféns da sua condição. Meu amor. Se tivesse escrito esta carta ontem, estaria neste momento a suspirar pela tua boca imunda e pelos teus olhos que imagino de lince. No entanto, hoje, quando entrei na área privada do Aspirina, reparei que, durante a tua noite de insónia, tinhas publicado qualquer coisa como uma centena de comentários. E tu sabes o trabalhão que dá apagar uma centena de comentários? Eu explico. Se tiveres um PC manhoso como o meu e um acesso à Internet comparável à velocidade de um veículo em hora de ponta na Rotunda de Santo Ovídio, apagar um comentário demora, vá lá, uns bons trinta segundos. Multiplicas isto por cem, adicionas o tempo necessário para carregar cada página de comentários e eventuais bloqueios do meu computador e facilmente chegas a algo que se aproxima perigosamente dos sessenta minutos. Meu amor. Eu não sou nenhum José Matias. Não me importaria de gastar diariamente ainda mais tempo contigo, se esse tempo significasse passearmos de mão dada pelas planícies do Alentejo ou pelas estradas sinuosas do Minho à procura de ocasos que de certa forma reflectissem a paixão que nos engrossa o sangue e nos dilacera as vísceras. Agora, passar diariamente uma hora a apagar os teus comentários, convenhamos, é algo que põe em causa as definições enciclopédicas da monotonia. E é por isso, meu amor, que te escrevo num tom lilás. Eu tenho amigos, conheço imensa gente. Amigos que ocupam os cargos mais altos dos serviços de informação de vários países e gente que trata o Bill Gates por «tu» e aqueles moços do Google por «queridos». Há cerca de uma hora, forneci-lhes o teu IP e já recebi entretanto meia dúzia de e-mails com informações precisas sobre a desgraça comovente da tua pessoa. Sei a cidade onde vives, por exemplo. A loja onde compras as saias de bombazina e as blusas de cetim que vestes para sair à noite movido pelo desespero branco da insónia. Já sou senhor de sete dígitos, devidamente ordenados, do teu BI e de um gráfico colorido onde figuram os ramos circundantes da tua árvore genealógica. Meu amor, meu amor. Fica aqui o aviso: mais um ataque de comentários teus como o da noite passada e garanto-te que irei à tua procura. Não para consumarmos a nossa paixão (infelizmente, foste tonto, e já é tarde de mais para isto), mas para te dar a maior salva de palmadas que este teu traseiro que presumo liso, róseo e rechonchudo já alguma vez levou na vida. E blogar de pé, pois é, é uma verdadeira chatice.

Beijos muitos

Conta, peso e medida

O segredo de uma boa sesta, contava o avô octogenário, é a sua duração: tem de ser suficientemente longa para ser reparadora e suficientemente breve para impedir a indisposição. Por isso, lembrou-se um dia de tentar adormecer com uma pedra na mão e deixar-se acordar quando a mesma caísse ao chão. O que ele não sabia, nem poderia saber, é que demoraria dois anos a encontrar a pedra ideal. Inicialmente, acreditou que o peso da pedra era a única variável relevante: quanto mais pesada ela fosse, menor seria a duração da sesta; quanto mais leve, maior. Comprou então uma balança de pratos e um caderno quadriculado onde ia apontando os pesos das pedras que ia testando. Todos os dias, depois do almoço, sentava-se no cadeirão com a pedra na mão e fechava os olhos. Quando, alguns minutos depois, acordava com o ruído da pedra a bater no soalho, voltava a fechar os olhos e tentava decifrar no paladar da saliva os sinais do corpo: fadiga ou indisposição? Ao fim de alguns meses, e apesar de alguns inevitáveis erros, ele foi conseguindo estreitar cada vez mais os intervalos de peso da pedra desejada e chegou mesmo a conhecer uma ou outra vez o frenesim inconfundível da aproximação. Contudo, ao olhar para as tabelas e gráficos do seu caderno, era por de mais evidente que havia um factor desconhecido que interferia com o rigor dos cálculos e das medições. Chegou a pensar que tal se deveria a variações do seu próprio peso e procurou introduzir uma certa regularidade no horário e na quantidade de comida que ingeria nas refeições. Acrescentou então uma terceira coluna na tabela, ao lado da do peso das pedras e das respectivas considerações, com o peso do seu próprio corpo. No entanto, mesmo após ter conseguido estabilizar esse segundo factor, os cada vez mais reduzidos intervalos que ia definindo revelavam-se instáveis e, mais grave ainda, incongruentes. Num primeiro momento, chegou a especular sobre a questão da forma, mas rapidamente afastou essa hipótese pelo facto de o leque das probabilidades ser praticamente infinito e, por isso mesmo, inalcançável. Lembrou-se finalmente da mão. Todos os testes e cálculos que tinha efectuado tinham sido feitos com a pedra agarrada na mão direita e essa não tinha sido uma decisão pensada, mas apenas um fruto do acaso ou, quando muito, a tendência natural de um dextro. Quase febril com essa descoberta, desenhou um risco horizontal na folha do caderno e agradeceu aos deuses o facto de ter conservado e catalogado todas as pedras que tinha testado: 439. Seu propósito era inequívoco: refazer, com mão esquerda, pedra a pedra, sesta a sesta, todo o percurso da sua busca e comparar os resultados. Ao fim de algumas semanas, a disparidade era evidente. Os intervalos, outrora hesitantes e pouco precisos, possuíam agora um rigor belo e matemático. Numa tarde, chegou mesmo a determinar com exactidão, através de simples cálculos de proporcionalidade, a pedra que lhe proporcionaria finalmente o repouso imaculado. Contudo, resolveu não saltar etapas, talvez por superstição ou pelo facto de sentir um certo e inconfessável prazer em prolongar a espera. Quando finalmente chegou o dia em que ele iria testar a pedra que sabia ser a que procurava há quase dois anos, não deixou de sentir uma irreprimível tristeza. Agarrou na pedra e olhou longamente para ela. Era uma pedra absolutamente banal, feita do que lhe parecia ser granito, sem forma precisa e de cor irregular. Percebeu que o facto de saber o exacto peso da pedra ou mesmo o de um hipotético geólogo lhe determinar a sua complexa constituição não dissolveriam em nada o seu mistério. Antes de adormecer, calculou no caderno a razão exacta entre o seu peso e o da pedra, não por lhe interessar o resultado, mas apenas para se distrair do medo inexplicável que sentira de repente. Pousou o caderno, respirou fundo e agarrou a pedra com a mão esquerda. Fechou os olhos e, para sua grande surpresa, não lhe custou nada adormecer.

(Vou ver se lhe mudo a ração)

Ontem de manhã, reparei que a minha cadela tinha sangue no focinho. Quando lhe abri a boca, vi que a parva tinha estado a roer um pedaço de vidro branco muito afiado com cerca de dois centímetros e que sangrava das gengivas. Retirei o vidro e perguntei-me onde teria ela encontrada esse pedaço de vidro absolutamente triangular e aguçado que nem uma lâmina. Fiz uma rápida inspecção à casa, temendo o pior, mas não consegui encontrar nenhum objecto partido. Deitei o pedaço de vidro no saco do lixo e, como medida de precaução, tive a pachorra de fechar o saco e de o deitar lá fora, no contentor da rua. Quando voltei, desinfectei o corte na gengiva da cadela, que parou imediatamente de sangrar.

Durante a noite, fui acordado abruptamente por um estrondo. Lembro-me vagamente de um movimento brusco do braço e de sentir a mão bater num objecto. Ao tentar acender a luz, não encontrei o candeeiro – ele tinha caído ao chão, partindo-se em mil bocados. A cadela, assustada, começou a ladrar. Lá me levantei muito contrariado para apanhar os pedaços de vidro espalhados pelo quarto e foi então que reparei num pedaço de vidro branco. Com cerca de dois centímetros. Absolutamente triangular. E aguçado que nem uma lâmina. Uma lâmina manchada de um sangue que não era meu.

This Way Up #3

Assim, como quem não quer a coisa, desapareceu recentemente a voz feminina mais importante da minha blogosfera. Quando digo «minha blogosfera», digo-o não apenas para relativizar a afirmação, mas sobretudo para transmitir essa sensação de posse: senti inúmeras vezes que os posts da Catarina eram meus e só meus, que apenas eu entendia a genialidade e o refinado sentido de humor dos seus escritos. Palermices, eu sei, mas quem nunca foi fã de ninguém, que me atire o primeiro hyperlink.