Arquivo da Categoria: José do Carmo Francisco

«Não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos»

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Graça Pires, neste seu nono livro de poemas, organiza o texto poético em dois registos bem diferentes: Cultura e Natureza. Os primeiros onze são poemas em prosa, numa recriação muito pessoal do célebre episódio de Marta e Maria no Evangelho de São Lucas. Entre Marta (atarefada) e Maria (contemplativa), o poema inscreve-se em duas memórias. Uma real («Olho pela janela à procura da minha infância e reparo que já esqueci a paisagem e os rostos desse tempo»); outra imaginada: «E perdoou à adúltera a quem queriam apedrejar por saber que só é culpado quem não procura ser feliz.» Desse cruzamento de memórias surge a escolha: «Por isso escrevo. Escrevo desesperadamente. Escrevo para não esquecer.» O segundo núcleo de 22 poemas não trata já da Cultura mas da Natureza, o mesmo é dizer a Geografia: «Pelo lado interior do tempo / assinalo, com traços de luz, / a cidade litoral onde nasci / rente à fragilidade do Outono. / Era Novembro / e uma estranha sede / pairava sobre a terra / ávida de líquidas paisagens / quando minha mãe me tomou nos braços / e disse: esta é a minha filha / O seu corpo doía de tanta comoção. / Agora, que uma luz difusa me fascina / retenho a idade em que não ousava / fazer do coração um lugar de conflito. / Escoa-se de meus lábios / sem aviso prévio / um excessivo odor a maresia / como se o Verão atasse ao meu pescoço / a sombra das dunas e todos os ventos / afugentassem a inevitabilidade da morte. / É de musgo, a vertigem / onde demoro as mãos, / para tornar legível a emoção.» Tornar legível a emoção é o grande projecto de qualquer poeta. Graça Pires já o consegue desde 1990 quando se estreou com «Poemas».

Capa – Katarina Rodrigues
Foto – Manuel Fazenda Lourenço

José do Carmo Francisco

A pianista que me possa perdoar

Estávamos na Casa dos Açores em Lisboa. A sala estava mais que cheia. Era uma sexta-feira à noite. A pianista que me possa perdoar, mas eu só dava atenção à violinista Isabel Dutra Rafael, uma menina-mulher de treze anos, lançando de forma serena, decidida e firme para a nossa atmosfera carregada de emoção, os sons magníficos das peças musicais de Kreisler, Pugnani e Bériot.

Saída da escuridão da sala ao lado, surge Eduardina, com um sorriso de mulher-menina e trazendo nas mãos dois belos ramos de flores. Os aplausos continuavam e as flores nas mãos de Eduardina surgiam como pequenas e coloridas vírgulas da nossa festa.

De repente era como se estivéssemos numa sala do Teatro União Faialense, não em 2007 mas no ano de 1897. Aqueles aplausos quentes para a jovem violinista aconteciam no século XIX e não no XXI. Esta ilusão era fácil de explicar. Tinha acabado momentos antes a apresentação do livro «A Horta Antiga» de Carlos Silveira. Uma espécie de fotobiografia da mais bela pequena cidade do Mundo.

De repente era como se estivéssemos dentro do romance «Mau tempo no canal» de Vitorino Nemésio com João Garcia em recruta no quartel da Junqueira e com quarto alugado no Bairro Alto por cima da capelista da Rua da Rosa, esperando carta de Margarida e Margarida a conversar na amurada do Lima com um dos Serpas sobre a famosa linha de backs do Fayal Sport Club que passava as tardes de domingo jogando intermináveis partidas de futebol com o Angústias ou com o Sporting Club da Horta no Relvão da Doca.

A pianista que me possa perdoar, mas eu só dava atenção à menina-mulher do violino e à mulher-menina dos ramos de flores.

José do Carmo Francisco

A paranóia das Ligas voltou a atacar

Com a última jornada do campeonato, hoje, e na possibilidade de qualquer dos três chamados «grandes» poder ser campeão, lá voltou a paranóia das Ligas. Não há jornal nem jornalista que não venha com a «história» das Ligas. Qual história? – perguntarão os leitores. Trata-se de uma doença: uma febre vermelha. A situação é a seguinte.

Nas épocas de 1934/5, 1935/6, 1936/7 e 1937/8 foram organizados quatro torneios particulares, experimentais e sem atribuição de qualquer título nos quais entraram por convite 8 clubes portugueses. Ao mesmo tempo que decorria essa experiência, continuou a ser disputado o Campeonato de Portugal, esse sim, o torneio desportivo que atribuía o título de campeão de Portugal. Ora acontece que nos Campeonatos de Portugal entre 1934 e 1938 o Benfica ganhou 1, o F.C.Porto venceu outro e o Sporting ganhou dois. Mas, ao mesmo tempo, os torneios particulares e experimentais chamados Ligas tiveram como vencedores o F.C.Porto (1 vez) e o Benfica (3 vezes). Como lhes convinha para efeitos de estatística, muitos jornalistas simpatizantes do Benfica começaram a apagar os Campeonatos de Portugal de 1934 a 1938 (Benfica ganhou 1) dando relevo às Ligas (Benfica ganhou 3) como se de campeonatos se tratassem.

Ora, o campeonato da I Divisão só começou em 1938/9 tendo sido vencedor o F.C.Porto. Se as Ligas fossem campeonatos (e não torneios experimentais), não teria havido Campeonato de Portugal entre 1934 e 1938 e a Académica, o último classificado da Liga de 1934/5, tinha descido de divisão. Mas não desceu até porque não havia ainda II Divisão. A Académica voltou a jogar na Liga em 1935/6 sendo de novo o último classificado. Depois foi 5º em 1936/37 e 6º em 1937/8. Tal como o da I, o campeonato da II Divisão só começou em 1938/9, depois de 4 anos de experiências com 4 vencedores deste torneio experimental: Carcavelinhos, Olhanense, Boavista e Leixões.

Esta é a verdade. Já chega de paranóia das Ligas. Basta!

José do Carmo Francisco

«O fio de ouro» de Fátima Murta

Já se disse tudo da literatura. Pensamos nós. Já se disse que depois dos fornos crematórios de Auchwitz não seria mais possível a poesia. O mesmo foi dito dos massacres de Shatila e Sabra. Já se disse muita coisa, mas afinal ainda está muito por dizer. Desde logo cada abordagem à literatura é feita por cada pessoa em função da sua biografia, do seu passado, das suas circunstâncias.

Recebi na minha banca de trabalho um pequeno livro de apenas 51 páginas. O título é O fio de ouro e todos os seus poemas tratam do tema da violência sobre as crianças. Chamou-me a atenção o poema «missiva ao rapaz com patas de urso» e aqui fica um pouco desse poema com toda a sua carga de testemunho transfigurado em arte: «Tão pesadas são as patas / do rapaz que me rasgou / uma costura de alfinetes / encostada ao frio / meia vergada sob o peso / do andaime das amarguras / tão grandes as tuas mãos / agarradas aos meus ombros minúsculos / tão pesadas as patas de urso / deformação genética antes do nascimento / feres-me os punhos como anilhas nas rolas / são pesadas, já disse, as tuas patas de urso / sobre mim que ocupo o espaço / entre dois dos teus dedos menores. /Todo tu és pesado a todo o meu corpo e alma / o Espírito brotou e logo foi cuspido num balde / És um rapaz já homem diferente de todos os rapazes / E tão igual a tantos homens à volta da terra / Não são as patas de urso / Eu gosto tanto dos animais! / É a força que anima as tuas patas de urso / e me sufocas os gemidos com elas e o seu peso / Se os meus gemidos se ouvisse na liberdade das árvores / Fariam chorar os pássaros adormecidos nos ninhos. / Não escolhi que sejas diferente como os monstros / não gosto da tua diferença de patas de urso. / Rapaz, tu cresceste! Nem eu sou mais uma menina com as tranças louras e longos lacinhos brancos a condizer com os sapatos»

José do Carmo Francisco

«O enigma da Atlântida» em Banda Desenhada

Descubro algo incrédulo um livro de Edgar Jacobs intitulado O enigma da Atlântida da série «As aventuras de Blake e Mortimer». Se uso a palavra incrédulo, isso tem a ver com os desenhos; não com a história. A história é passada na Ilha de São Miguel cujo mapa é mais ou menos fidedigno, mas que evidencia um aeroporto chamada de Santana na zona entre a Ribeira Grande e Porto Formoso, mais ou menos. O professor Mortimer aluga a Quinta do Pico e tem como feitor um tal Zarco Neves. Isso é o menos mas o mais intrigante é a maneira como os homens contratados para transportarem a bagagem do cientista se apresentam vestidos. Eles surgem como os campinos do Ribatejo mas de barrete vermelho. E andam sempre de burro. Aliás os burros estão muito presentes nesta história de banda desenhada. Tanto quanto me é dado saber, não há nem nunca houve homens de barrete vermelho em São Miguel e quanto aos burros parece-me que não há mais burros por quilómetro quadrado na Ilha Verde do que no restante território português. Incluindo a Ilha da Madeira, já agora. O meu amigo José Vilela, editor da nova série do Príncipe Valente, explicou-me que era vulgar os autores de banda desenhada no passado recorrerem à sua imaginação quando não tinham elementos verídicos para trabalhar. Era preciso escrever uma história passada em São Miguel, mas ou porque a viagem era cara ou por outra qualquer razão iam-se buscar as referências a outras regiões. Daí os barretes que saíram vermelhos talvez para que não houvesse confusão com os campinos da lezíria ribatejana. Coisas da Banda Desenhada.

José do Carmo Francisco

Camilo no Canadá ou o Nero da Trafaria

Releio o Perfil do Marquês de Pombal de Camilo Castelo Branco na edição da Porto Editora. Está em bom estado, tal como o apanhei no balcão do alfarrabista da Travessa de São José nº 1 – ali à Praça das Flores – mas veio de longe.

Tem colado na primeira página um papel branco com os dizeres «Papelaria Livraria Portugal 220 Ossington Ave. Toronto Ont. – Phone (416) 5373730». Sobre este livro apenas duas notas. A primeira sobre Pombal e os garfos. Um tal John Smith, secretário do Duque de Saldanha, publicou em 1843 as «Memoirs of the Marquis of Pombal». No capítulo XIII lá aparece «I tis perhaps not generally known even in Portugal, that Pombal was the first person who introduced the use of forks into that country.» Segundo este autor, Pombal trouxe os garfos em 1745 da Corte de Londres. Explica Camilo que já em 1611 o Dicionário Português-Latim de Agostinho Barbosa regista garfo para o latino fuscinula. Mais refere um livro sobre D. João IV onde se recorda que o prato do Rei tinha faca, colher, garfo e guardanapo. Por sua vez D. João III em 1554 entrega à camareira seis garfos, quatro de cristal e dois de prata sem esquecer o dote de D. Beatriz em 1522 com doze garfos de prata pequenos.

Resumindo: John Smith não tem razão. A segunda nota é sobre o massacre da Trafaria em 24 de Janeiro de 1777. Pombal sabia que na praia da Trafaria viviam cinco mil pessoas – pescadores, suas mulheres e crianças. Mas sabia também que ali vivia uma centena de rapazes que fugiam da vida militar. Pombal ordenou a Pina Manique que levasse 300 soldados em faluas do Tejo. Na madrugada desse dia os archotes dos soldados fizeram romper um terrível incêndio nas choupanas que não poupou nada nem ninguém: doentes, velhos, mulheres, crianças, víveres. Os poucos que escaparam levaram consigo apenas fome e nudez. Por isso Camilo chamou a Pombal o Nero da Trafaria.

O kispo da Mothercare

O desaparecimento da menina inglesa no Algarve lembra-me a ténue linha entre a negligência e a infelicidade. Sei-o por experiência própria, até.

Em 1984, o meu filho estava com a mãe e com uma tia à porta de uma pastelaria na rua principal de Algés. Ao ver-me a sair do automóvel do outro lado da rua, começou a correr na minha direcção. Aí surgiu um senhor que o puxou pelo kispo azul, evitando que fosse esmagado por um imponente Mercedes. Este poema de Dezembro de 1984 recorda-o.

F I L I P E

«Habitamos um corpo em perigo»
diria o João Miguel Fernandes Jorge
que tu não sabes sequer quem é
preso ainda à tua vida de criança
os bolsos cheios de miniaturas
as cantigas do colégio na tua voz

E contudo poderias ter ficado ali
como já em São Bernardino no Verão
quando vias o mar para ti sem fim

Esse mesmo mar que com os castelos
forma um dos campo ricos do teu vocabulário
que te enche a voz quando vês água
e chamas mar pequeno às minúsculas lagoas
breves como a chuva neste mês de Maio
breves como o grito de quem te viu
quase a ficar debaixo de um automóvel
em Algés – a fugir da pastelaria

E esse automóvel não era como tu
uma miniatura – era real e estava ali
como o mar e os castelos que quase perdeste.

José do Carmo Francisco

«Querido traficante» de Júlio Conrado

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Embora seja mais conhecido como crítico literário, Júlio Conrado (Olhão, 1936) tem neste Querido traficante já o seu oitavo romance. Foi vencedor do Prémio Vergílio Ferreira em 2006 com o seu próximo livro de ficção Estação ardente.

As personagens do romance agora saído movimentam-se num cenário recente: a passagem do milénio. A ponte de Entre-os-Rios que «tombou como uma peça de dominó no rio Douro», os peelings e os liftings das damas do jet set, o crime de Fortaleza, o assalto às torres gémeas de New York: «De um instante ao outro se esfanica a aura de uma América impune e arrogante.» Este é o tempo, mas o lugar é Portugal, onde também chegou (mas tarde) uma certa ideia de Europa: «o povo, mergulhado em duradoura melancolia e sem vislumbrar saída para os seus agravos, vivia resignadamente aquilo a que um escritor além-Pirenéus chamara um dia «ao tempos cobardes da democracia».

Os encontros e desencontros deste enredo são múltiplos: começam num jantar no Guincho com diplomatas de dois países a propósito das palavras de um deputado português sobre um país da América Latina e acabam num crime com um velho retornado a matar a sua mulher. Pelo meio um jogo de acasos faz com que um assalto a uma exposição de desenhos de Picasso se intrometa na vida dum traficante aflito e sem dinheiro, cuja irmã é uma modelo bem cotada no mundo da moda. E também uma escritora light que deixa morrer uma professora universitária que gostava de meninas e falava muito de Roland Barthes. Este livro lê-se com prazer no ritmo dum policial até à página 222. Nela se descobre que o acaso é o grande mestre.

Editora: Campo da Comunicação
Capa: Duarte Camacho

José do Carmo Francisco

«Pezinhos de coentrada» de Alice Vieira

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As crónicas publicadas nos jornais e nas revistas perdem-se poucos minutos depois de serem lidas. Recolhidas em livro, podem aspirar a alguma posteridade. Este volume de Alice Vieira recolhe textos publicados no Jornal de Notícias e nas revistas Tempo Livre, Audácia e Activa. Um dos textos tem o sugestivo título de «Ir à terra» e recorda uma visita da autora com Carlos Pinhão à Rua do Grilo ali no Beato, uma das muitas aldeias de Lisboa:

«Pareces o emigrante quando chega à aldeia – digo-te por brincadeira. Para o trabalho que tinha em mãos e para o qual pedira a tua ajuda naquela Lisboa para mim desconhecida, já não precisava de ver mais nada. Mas tu insistias: querias ver os lugares que existiam ainda e aqueles de que já nem sequer rasto havia. «Ali onde está aquela tabacaria, era a alfaiataria do meu tio. Eu ficava horas sentado à máquina de costura a pedalar, a pedalar, sentia-me o Trindade e o Nicolau… Depois o meu tio saía e dizia: «Vou entregar a obra aos fregueses» Ainda hoje sempre que tenho um artigo para entregar na Bola ou um original para a editora, digo sempre: «Vou entregar a obra aos fregueses». Entramos na escola primária, casarão imenso onde os degraus de madeira rangem tanto que até se deve ouvir lá fora, andamos por ruas e travessas, vilas e pátios, e reencontramos os olhos azuis da tua primeira namorada que engordou uns quilos e está cheia de rugas e cabelo branco e que, ao ouvir-te contar o tempo que passavas escondido só para a veres aparecer na rua, desfaz os teus sonhos com uma sonora gargalhada: «Olha que nunca dei por nada, palavra de honra!». «Fez-me bem ir à terra», disseste em jeito de adeus».

Editora – Casa das Letras
Capa – Neusa Dias

José do Carmo Francisco

«As pequenas memórias», de José Saramago

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O título deste livro, explica o autor, deve-se a nele surgirem «as memórias pequenas de quando fui pequeno». Mas começou por se chamar «O livro das tentações». Não era nada fácil nos anos 20 do século XX a vida dos pais do (ao tempo) pequeno José Saramago: a mãe doméstica e o pai guarda da PSP, mais tarde o subchefe Sousa. Quartos, partes de casa e, finalmente, casas, constituem-se no quase infindável roteiro: Rua E ao Alto do Pina, Rua Sabino de Sousa, Rua Carrilho Videira duas vezes, Rua dos Cavaleiros, Rua Fernão Lopes, Rua Heróis de Quionga, Rua Padre Sena de Freitas e por fim a Rua Carlos Ribeiro. Uma rua sem saída de onde José Saramago viria a sair aos 22 anos para casar com Ilda Reis.

Há neste livro memórias alegres e irónicas, mas também amargas e infelizes. Como por exemplo a morte do seu irmão Francisco: «A mãe e os filhos chegaram a Lisboa na Primavera de 1924. Nesse mesmo ano, em Dezembro, morreu o Francisco. Tinha quatro anos quando a broncopneumonia o levou. Foi enterrado na véspera de Natal. Em rigor, em rigor, penso que as chamadas falsas memórias não existem, que a diferença entre elas e as que consideramos certas e seguras se limita a uma simples questão de confiança, a confiança que em cada situação tivermos sobre essa incorrigível vaguidade a que chamamos certeza. É falsa a única memória que guardo do Francisco? Talvez o seja mas a verdade é que já levo oitenta e três anos tendo-a por autêntica…Estamos numa cave da Rua E ao Alto do Pina. É o Verão, talvez o Outono do ano em que o Francisco vai morrer. Neste momento é um rapazinho alegre, sólido, perfeito.»

Editorial Caminho
Colecção O Campo da Palavra, 149 páginas

José do Carmo Francisco

«El lugar, la imagen – O lugar, a imagem», de Ruy Ventura

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O mais recente livro de Ruy Ventura (n. Portalegre, 1973) é uma edição bilingue da Editora Regional de Extremadura com poemas traduzidos por António Saez Delgado e capa de Julian Rodriguez. Se toda a obra de arte surge como uma humana rejeição da morte, um poema que canta a alegria do encontro do poeta com essa mesma obra de arte é um duplo registo da negação das sombras, do esquecimento e do desespero.

Este livro abre com um poema dedicado a uma escultura em barro do século XVIII:

«um corpo nasce nas mãos do oleiro / um corpo desce. procura / a raiz, a porta, a lareira / acenderá o mundo com o seu sopro / com a sua voz.»

Segue-se a meditação sobre uma escultura de madeira do século XVII:

«em que palavras leste a semente desse brilho? / no verbo que ele guardou no teu silêncio? / no coração, ardendo na memória? /ergues os olhos, saciando /o cálice em que saciámos a nossa sede.»

Mas pode ser também uma moeda romana do século I depois de Cristo, o motivo do poema. Ou uma estela funerária. Ou uma escultura em Lagos. Ou uma casa em Arronches. Depois pode ser uma catedral em Compostela, uma fortificação templária em Aveyron ou um poço num certo lugar em Penamacor.

Livro feito (como diz o título) de lugares e de imagens, em todas as suas páginas vibra uma voz poética a ligar a Natureza e a Cultura. Como por exemplo em «arquitectura», poema escrito perante o castelo e a judiaria de Valência de Alcântara:

«subimos à torre para melhor vermos / o círculo que nos une a esta terra / desce o firmamento. hesita esta memória / em tocar o bosque cuja língua desaparece. / de súbito, uma águia /a música que escrevemos. para sempre. /de regresso à largueza / da floresta»

Assim se prolonga poeticamente a rejeição da morte, o mesmo é dizer, a negação das sombras, do esquecimento e do desespero.

José do Carmo Francisco

Viver com os outros também cansa!…

Isabel da Nóbrega, cujo nome foi rasurado na dedicatória do Levantado do chão de José Saramago mas não da nossa história literária, é a autora de Viver com os outros. Este título é um achado, pois viver com os outros é o nosso maior problema. Gostaria de vos contar uma pequena história de proveito e exemplo.

Há 25 anos conheci uma escritora. Sobre alguns dos seus livros publiquei notas de leitura em jornais, em revistas e em blogs, além de crónicas na Rádio. Apresentei um seu livro no auditório da Antena 1 nas Amoreiras. Mais tarde escrevi o prefácio para uma sua antologia poética. Aqui há tempo, telefonou-me a pedir ajuda pois estava doente. Prontifiquei-me a levar umas coisinhas da mercearia próxima de sua casa e lá levei as Cerelács, os Nestums, o pão, o leite de soja, a manteiga e as bolachas. Depois de colocado todo aquele material na bancada da cozinha, e como sei que há mais mundo e mais coisas para fazer, comecei a prepara as despedidas.

Desejei as rápidas melhoras e ia para dar um beijinho na face, mas aí, terrível momento, a senhora fez um movimento brusco no cadeirão e a minha boca aproximou-se perigosamente da sua. Recebi um sonoro, adversativo e imperativo «Então?!!!». Como se estivesse a ser acusado de querer roubar um beijo a pretexto dos 16 euros que tinha pago pelas coisinhas da mercearia. Como se, com 56 anos de idade, eu não soubesse e não tivesse a obrigação de saber que os beijos não podem ter preço; se o tiverem deixam de ser beijos. Desapareci daquele terrível momento de desencontro o melhor que pude e desci aquelas escadas em alta velocidade a lembrar-me de uma frase de Verlaine: «Tenho tanto medo dum beijo como duma abelha».

José do Carmo Francisco

Duas histórias deliciosas para ler ao serão

Na Travessa de São José nº 1, ali entre São Bento e o Príncipe Real, nasceu uma nova livraria. Melhor dizendo, um «alfarrabista», pois o livro antigo e o livro usado são a especialidade da casa. Fundada em 1870 como mercearia, vai passar a chamar-se Livraria 1870, que é um excelente nome, pois tem a ver com as Conferências do Casino preparadas em 1870 e realizadas em 1871 aqui perto no Chiado.

Pois lá descobri duas histórias deliciosas no livro Football para o serão de Armando Sampaio. O livro é de 1944 e é constituído por memórias do futebol de Coimbra e não só. Coimbra, cidade onde os jogos entre a Associação Académica e o União de Coimbra faziam sempre faísca. Como a PSP vinha a simpatizar com o União, a GNR voltava-se para a Académica. Daí o comandante da GNR de Coimbra dizer aos seus homens antes dos jogos: «Se houver conflito vocês só batem nos de azul!»

A segunda história tem a ver com a rivalidade Porto-Sporting: «No Porto presenciei eu um dia este facto: um sportinguista, num camarote do Estádio do Lima, empunhava uma bandeira verde e gritava com toda a força – Sporting! Sporting! Sporting!. Um portuense, alucinado com o resultado que lhe estava sendo adverso, subiu os degraus da bancada e arrancou a bandeira das mãos do lisboeta que o empurrou, fazendo-o ir de rebolão por ali abaixo estatelar-se mesmo no meio da claque tripeira. Sabem o que lhe aconteceu? Levou uma tremenda sova dos patrícios que, vendo-o com a bandeira leonina o julgaram alfacinha! Quando conseguiu dizer que era do Porto já tinha a cara amachucada!»

O livro é de 1944. As histórias são obviamente anteriores. Prova-se assim, uma vez mais, que não há nada de novo debaixo do sol.

José do Carmo Francisco

Conhece Carlos de Oliveira?

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Um dos poucos poemas que sei de cor de Carlos de Oliveira é do livro Sobre o lado esquerdo e diz assim: «A noite é a nossa dádiva de sol aos que vivem do outro lado da terra.» O outro é o que fala do sal: «O sal é o mar servido às nossas praias domésticas de linho.» São poemas muito belos que me acompanham todos os dias desde sempre, desde que um dia o visitei nas águas furtadas da Avenida Praia da Vitória. A Maria Ângela ainda era uma mulher muito bonita nesse fim de tarde em que me ofereceu uma fotografia de Carlos de Oliveira tirada pelo Augusto Cabrita.

Encontro casualmente nas escadas rolantes dos Armazéns do Chiado um poeta meu amigo que é também jornalista profissional. No passado dia 1 de Julho, registaram-se 26 anos sobre a morte física de Carlos de Oliveira, o poeta de Micropaisagem, o romancista de Uma abelha na chuva. Bem informado e perfeitamente capaz de organizar um texto motivador chamando a atenção para a obra do autor de Casa na duna, que nasceu no Brasil em 1921, o meu amigo poeta e jornalista elaborou e assinou o texto alusivo à efeméride e fê-lo entrar no circuito dos assinantes da sua agência noticiosa.

Pois a verdade é que nenhum jornal pegou no assunto. Nem transcrevendo o texto nem convidando nenhum dos seus «sábios» colaboradores a pegar no tema. Há alguma crueldade nesta situação. Não sei os motivos deste esquecimento, mas talvez todos tenhamos que dar razão ao próprio Carlos de Oliveira que, em O aprendiz de feiticeiro, escreveu esta frase lapidar: «Escrever é lavrar – e lavrar, numa terra de camponeses e escritores abandonados, significa sacrifício, abnegação, alma de ferro.»

José do Carmo Francisco

Os comportamentos e os formatos sociais

Gosto muito de ler livros antigos, gosto de me imaginar noutros séculos com sinos em vez de telemóveis, com batéis em vez de navios, com carroças em vez de automóveis. Mas esse é apenas um aspecto da questão. As comunicações, as viagens e os meios de transporte variaram muito nos últimos séculos. Mas as pessoas, os seus comportamentos e os formatos sociais que as integram, esses, pouco ou nada mudaram. Vejamos um caso.

No dia 14 de Março de 1562, reuniu a Câmara Municipal de Benavente. Estando presentes António Baracho (juiz ordinário), João de Parada, Pedro Álvares Baracho e Gaspar Dias (vereadores), Gaspar Fernandes (procurador) e Manuel Frade (escrivão), foi decidido o seguinte: «Acordam que nenhuma mulher solteira possa viver sozinha nesta vila, sem amo, sem ninguém, pelo que deverá sair da mesma vila sob pena de 10 cruzados de multa mais um ano de degredo fora da vila ou termo. As mulheres casadas que vierem viver para esta vila, com seus maridos, terão de dar notícias de si, no prazo de 8 dias e mostrar donde vêm, sob a mesma pena, e isto atendendo a existirem nesta vila muitas mulheres solteiras que não têm amo nem vivem com ninguém.»

Já nesse distante ano de 1562 funcionava um sistema de repressão social contra quem se colocava fora da norma, fora do preceito, fora do que se supõe ser o que a sociedade espera de cada um de nós. Hoje, por outras palavras, o sistema continua a exercer a sua pressão sobre os comportamentos individuais tentando formatar (como hoje se diz) tudo pela mesma medida. Formatar, condicionar, proibir ou censurar vai tudo dar ao mesmo. Afinal não fizemos assim tantos progressos no campo das mentalidades.

José do Carmo Francisco

Cristiano Ronaldo fora da legenda

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Leio e não acredito. No Diário de Notícias de 21-4-2007 pedem a Eusébio da Silva Ferreira, simplesmente Eusébio, o pantera negra, que escolha o seu onze ideal. Quem pede? A Karen que deixou de ser Jardel e passou a assinar com o nome de solteira – Matzenbacher.

Eis o onze ideal de Eusébio: Buffon, Miguel, John Terry, Ricardo Carvalho, Roberto Carlos, Kaká, Deco, Gerrard, Cristiano Ronaldo, Thierry Henry e Ronaldinho Gaúcho. O treinador é Eriksson e os suplentes são: Van der Sar, Lampard, Rooney, Ferdinand, Beckham e Maldini.

Até aqui tudo bem. Um onze ideal é apenas um exercício magazinesco. Agora o erro, erro crasso, erro monstruoso está na legenda que é a seguinte: «A minha equipa – Só dois portugueses, Miguel e Ricardo Carvalho, e um luso-brasileiro, Deco. As escolhas de Eusébio para o melhor onze da actualidade.»

Reparem bem. Cristiano Ronaldo fica de fora na legenda. A minha dúvida é só uma: será que no novo Diário de Notícias os revisores também foram substituídos pelos computadores? Então o melhor jogador do Mundo, o Cristiano que eu vi chegar a Alvalade com onze anos trazido pelo Dr. Marques de Freitas e pelo seu padrinho (o senhor Fernão), o Cristiano Ronaldo que gostava de ver os juniores nos sábados à tarde sentado ao meu lado e do grande José Travassos (o primeiro português a jogar na selecção da Europa) no banco verde que ficava em frente às cabinas do velho campo número dois, o Cristiano Ronaldo, esse mesmo, desaparece da legenda do Diário de Notícias.

Não pode ser. Não pode ser.

José do Carmo Francisco

Natália Correia lida em voz alta no North Yorkshire

No dia 27 de Abril de 2006, na pacata localidade de Harome no Yorkshire, aconteceu o casamento da minha filha Ana Maria. Tal situação em si (e só por si) não justificaria a existência de nenhuma crónica, pois os assuntos privados não podem servir de ponto de partida para um exercício de escrita e de leitura. Não aos assuntos privados. Mas há sempre um mas.

Neste caso um dos aspectos mais comoventes da cerimónia do casamento foi a leitura pela minha filha Marta do poema de Natália Correia que começa assim: Creio nos anjos que andam pelo Mundo / Creio na Deusa com olhos de diamantes / Creio em amores lunares com piano ao fundo / Creio nas lendas, nas fadas, nos atlantes. O mais curioso tem a ver com o facto de o poema terminar desta maneira: Creio que o amor tem asas de ouro. Ámen.

Ora a senhora conservadora do Registo Civil de Molton a princípio recusou o poema porque incluía a palavra «Ámen», mas a minha filha Ana Maria teve artes de a convencer que aquele «Ámen» tinha o significado poético de «Assim seja» pois todo o poema está construído numa dinâmica de afirmação. Numa cerimónia totalmente civil uma referência a temas religiosos seria inaceitável, mas felizmente a senhora conservadora (tão conservadora que ainda usa mata-borrão) acabou por aceitar o poema de Natália Correia lido em voz alta pela menina das alianças, a minha filha Marta. O meu filho Filipe registou tudo em filme funcionando assim de modo informal como o fotógrafo do casamento.

Para uma cerimónia que teve início ao som da música de Eric Satie nada melhor que as palavras fortes, altas e sonoras de Natália Correia numa grande profissão de fé no amor. Assim seja.

José do Carmo Francisco

Um sociólogo com um discurso aterrador

Ele dá pelo nome de Alberto Gonçalves e é apresentado pelo Diário de Notícias de hoje como «um cronista reconhecido pelo seu estilo contundente». Não há exagero, pois a sua entrada nas páginas 8 e 9 do DN deste domingo fez mais estragos que um elefante numa loja de cristais.

O homenzinho usa um estilo («dizer mal de tudo») parecido com Vasco Correia Guedes (que assina Vasco Pulido Valente) e faz também lembrar um tal Pedro Arroja que nos anos 90 ficou conhecido por querer privatizar a PSP, a GNR e os Tribunais. Começa por se definir em relação aos americanos dizendo-se recém-chegado de Nova Iorque onde há tudo o que ele gosta numa grande cidade: «livrarias a sério, museus dignos desse nome e restaurantes abertos até de madrugada». Com este cartão de visita, já não estranho os insultos ao governo da Palestina, a José Afonso e à Brigada Vítor Jara. O homenzinho utiliza comas para a palavra antifascismo e finge nada saber sobre o Aljube, Caxias, Peniche e Tarrafal, mas já utiliza comas para se referir a José Afonso como «Zeca» e chama ociosos e desempregados às pessoas que se manifestaram em Viseu e Santa Comba Dão contra a construção do Museu de Salazar.

Está visto que com um cronista destes o Diário de Notícias está à procura de grossa polémica. Mas alguma coisa não bate bem nesta prosa: se o homenzinho gosta tanto de Nova Iorque e dos seus centros comerciais abertos toda a noite, então vá viver para lá e deixe em paz os leitores do DN não estragando a manhã a quem atravessa o Chiado para beber a bica, saborear o sol e ler o seu jornal.

Sociólogo ou suciólogo – eis a questão.

José do Carmo Francisco

O Mundo e o Tempo de Maria José

O modo como desenhas o teu sorriso no passeio desta avenida, entre a pressa sem sentido e o vazio projectado pelo caos do movimento do trânsito, cria, no meu olhar, um outro espaço como se, de súbito, nascesse uma serra por detrás da Fonte Luminosa. A tua serra. O teu espaço. A tua geografia. O teu lugar onde o tempo respira mais de acordo com o sol, com a água e com a terra.

Há no teu sorriso uma espécie de antecâmara de um mundo equilibrado entre silêncios e canções, entre frio e calor, entre fogo e água. Depois do sorriso vem a voz, hoje como sempre juvenil. Voz de menina em corpo de mulher. A empurrar as sombras, as tristezas desenhadas, os quartos e os corredores povoados pelo vazio e pela saudade. Sempre que tu trazes um garrafão com água da tua terra, eu sei e sinto que é tudo, todo um mundo, aquilo que trazes na água.

A água propriamente dita, o pó suspenso no ar depois da passagem de um automóvel veloz, a terra húmida depois da chuva, as pedras gigantes da serra, as pequenas ermidas onde os devotos vão entregar garrafas de azeite para alumiar a imagem da padroeira, o silêncio da noite, o escuro lençol que tudo tapa quando o sol dá a sua dádiva de luz aos que vivem do outro lado da terra. Todo o teu modo e todo o teu tempo. A tua geografia e o teu pensamento interior.

Um dia comerei contigo essa sopa feita com a água da tua terra trazida para Lisboa num garrafão. Para então poder apontar num poema de circunstância essa tua tão própria e pessoal arte do encontro. Ou seja, a tua capacidade para fazeres de uma refeição o lugar do encontro entre dois mundos separados pelas convenções, pelas conveniências e pela pressa sem sentido do nosso quotidiano citadino.

José do Carmo Francisco

Num tempo sem blogs…

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Recebemos o texto abaixo, que com prazer reproduzimos, de Ana Francisco Sutherland, arquitecta e autora de Personagens para um Lugar Memorável (Black Sun Editores, Lisboa, 2003), livro sobre que, no saudoso Blogue de Esquerda, se falou com admirado enlevo.

Em 1935 é publicado um anúncio pessoal na revista “Nursery World”, no Reino Unido:

“Can any mother help me? I live a very lonely life as I have no near neighbours. I cannot afford to buy a wireless. I adore reading, but with no library am very limited with books… I have had a rotten time, and been cruelly hurt, both physically and mentally, but I know it is bad to brood and breed hard thoughts and resentments. Can any reader suggest an occupation that will intrigue me and exclude “thinking” and cost nothing! A hard problem, I admit.”

Este pequeno “recorte”, banal e perturbador ao mesmo tempo, é o catalisador para o início do CCC ou Cooperative Correspondence Club, uma iniciativa que durou 55 anos e acompanhou a vida de mais de 20 mulheres. A história do CCC foi recentemente escrita por Jenna Bailey e publicada pela Faber & Faber em Inglaterra, com o título Can any mother help me?.

Em resposta ao pedido de ajuda, várias mulheres decidiram começar a corresponder-se de um modo regular e assim, resolver a solidão da jovem mãe. E definiram uma séria de regras: de 2 em 2 semanas cada membro escreve um texto (sobre actualidades, eventos familiares ou outro qualquer interesses pessoal) e envia-o para a “editora” que compila os textos recebidos e os encaderna com uma capa (de linho e bordada). No dia 1 e 15 de cada mês envia o número completo para a primeira leitora da lista e através dos correios, a revista circula por todos os membros do club. A leitora final lê não só os textos originais, mas também os comentários que foram acrescentados nas margens, e devolve a revista à “editora” que por sua vez redestribui cada artigo às autoras originais.

Falta acrescentar que as mulheres decidiram usar pseudónimos (apesar das identidades reais serem evidentemente conhecidas) o que permitia maior liberdade na escrita. Algumas das “identidades” escolhidas foram: Ubique (do latim “em todo o lado”), Ad Astra, Cotton Gods (homenagem ao pai, trabalhador na produção de algodão), A Priori, Accidia (derivado do latim “accidie” ou preguiça), Sirod (reverso de Doris), Angharad (nome de um parque natural galês), Elektra (dos clássicos – apaixonada pelo pai e de más relações com a mãe) e Rosa (inspirada por uma personagem de Charles Dickens que ”precisava de saber tudo”).

Ana Francisco Sutherland

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