«Não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos»

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Graça Pires, neste seu nono livro de poemas, organiza o texto poético em dois registos bem diferentes: Cultura e Natureza. Os primeiros onze são poemas em prosa, numa recriação muito pessoal do célebre episódio de Marta e Maria no Evangelho de São Lucas. Entre Marta (atarefada) e Maria (contemplativa), o poema inscreve-se em duas memórias. Uma real («Olho pela janela à procura da minha infância e reparo que já esqueci a paisagem e os rostos desse tempo»); outra imaginada: «E perdoou à adúltera a quem queriam apedrejar por saber que só é culpado quem não procura ser feliz.» Desse cruzamento de memórias surge a escolha: «Por isso escrevo. Escrevo desesperadamente. Escrevo para não esquecer.» O segundo núcleo de 22 poemas não trata já da Cultura mas da Natureza, o mesmo é dizer a Geografia: «Pelo lado interior do tempo / assinalo, com traços de luz, / a cidade litoral onde nasci / rente à fragilidade do Outono. / Era Novembro / e uma estranha sede / pairava sobre a terra / ávida de líquidas paisagens / quando minha mãe me tomou nos braços / e disse: esta é a minha filha / O seu corpo doía de tanta comoção. / Agora, que uma luz difusa me fascina / retenho a idade em que não ousava / fazer do coração um lugar de conflito. / Escoa-se de meus lábios / sem aviso prévio / um excessivo odor a maresia / como se o Verão atasse ao meu pescoço / a sombra das dunas e todos os ventos / afugentassem a inevitabilidade da morte. / É de musgo, a vertigem / onde demoro as mãos, / para tornar legível a emoção.» Tornar legível a emoção é o grande projecto de qualquer poeta. Graça Pires já o consegue desde 1990 quando se estreou com «Poemas».

Capa – Katarina Rodrigues
Foto – Manuel Fazenda Lourenço

José do Carmo Francisco

13 thoughts on “«Não sabia que a noite podia incendiar-se nos meus olhos»”

  1. “Tornar legível a emoção é o grande projecto de qualquer poeta.”

    Esta ideia não tem salvação. Primeiro, porque a emoção é insignificante. As emoções são registos fisiológicos, estão cativas da animalidade. Logo, não são discursivas. Depois, porque o que poderá ser concebido como o “grande projecto de qualquer poeta” , se de poetas estamos mesmo a falar, jamais se circunscreve à poesia enquanto produto de consumo cultural. Jamais.

  2. “Tornar legível a emoção é o grande projecto de qualquer poeta” é uma ideia sem salvação e um frase bastante infeliz, aliás. Para não dizer pirosa. Mas afirmar que as emoções estão cativas da animalidade, logo, não são discursivas é, no mínino, ter lido Wittgenstein com excessiva desatenção.

  3. caladinho?! o homem fartou-se de falar… basta tomar o peso ao Tractatus Logico-Philosophicus. pensei que tivesses lido, mesmo se desatentamente

  4. Não percebeste, mas eu repito: não foi esse que acabou muito caladinho?

    Quanto às emoções, e se queres mandar umas bocas “en passant”, para quê o coitado do Wittgenstein?! Será preferível ao Heidegger? E porquê chamar a filosofia para falar de emoções, logo ela que faz o seu caminho no combate contra as mesmas? Explica lá a tua curiosa opção, e não te inibas com o peso do famoso Tractatus. A malta aguenta-se.

  5. Ó Sô Zé, por amor de Deus, olhe que isso que você escreveu em abono da admirada poeta é tudo muito “pires” e pouca “graça”. Precisamente ao invés do que seria de esperar neste Maio de bruxas.

    De mais a mais vindo dum homem que se insurge repetidamente contra o “peixe podre de Sesimbra”. Veja só, por exemplo, este exagero de coordenadas mal tiradas: “Da Natureza que o mesmo é dizer Geografia”. Porra, não me lixe. E logo a seguir espeta com os outonos, novembros e uma exposição da nengra poeta aos altares com pilares jónicos, a atirar para os desenlaces corriqueiros em monódias clássicas com bonecas de trapo: “Esta é a minha filha”. Pois, só faltava: “E aquele é o pai dela” para completar o drama da cerimónia de registo civil, num acto.

    Seja exigente nas suas críticas, Sr. Vivinho da Costa. Torne a emoção mais legível. Já reparou no enorme trabalhão que teremos em catalogar estes poemas todos daqui a 100 ou 200 anos?

    E não tente resistir ao Valupi. O gajo já tem um goraz fresco pré-cozinhado de lamber os beiços e chorar por mais.

  6. “E porquê chamar a filosofia para falar de emoções, logo ela que faz o seu caminho no combate contra as mesmas?” – será por isso que há tantos filósofos neuróticos?
    E, já agora, porque a bizarra fixação deste blog em peixe podre e em sesimbra? E, sem peixeirada, qual a diferença entre a pomposidade ultrapassada de “Tornar legível a emoção é o grande projecto de qualquer poeta” e a pretensa modernidade de “as emoções são registos fisiológicos, estão cativas da animalidade. Logo, não são discursivas”.
    Leste mal o Wittgenstein e ao Damásio não o leste de certeza.

  7. Estou impressionada com estes incultos que mais não são que camelos postos fora da cáfila… por mais se identificarem com os burros!

    Insensíveis, totós, vergonha dos caucasianos e heterosexuais, nerds, rudes, corja de bandalhos e badamecos, imbecis, enfim desprovidos de qualquer interesse, o que nos vale é que os girassóis ainda se viram para o Sol, pelo menos às quintas feiras…(falo por experiência própria)

    Deviam ser trolhas já que a força demonstrada é só nos braços e nota-se que não usam a cabeça!

    Zézito (é assim que me recordo de ti), a malta do BPA apoia-te e recorda-te com saudade… sempre tão pontual!

    Beijo da Adelaide (a fofa)

  8. O comentário da LEITORA ATENTA incomoda-me (não fora eu biólogo, além de ornitófilo amador no CLUBE ORNITÓFILO DA BEIRA LITORAL, sócio 583):
    É que quem não for leigo na matéria sabe que esse fenómeno se verifica sempre, e só, à segundas feiras de manhã (8:00-12:30) e às sextas-feiras (lusco-fusco).

    Por amor de Deus, não brinquem com o que não sabem, ainda mais sobre assuntos sérios!

    Um grande bem haja para todos, excepto para a LEITORA ATENTA, que me fez intervir, e que sejam felizes, menos ela

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