Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

Eles têm o 31, nós estamos feitos num 8

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Aí está o que promete ser mais um excelente e animado blogue colectivo de direita: o “31 da Armada”, onde pontifica o nosso marialva preferido, o Rodrigo Moita de Deus. Acrescentemo-lo à blogroll mental, ao lado de coisas dignas de nota como o “Blasfémias” e o “Insurgente” (este com a ressalva de alguns reforços recentes um pouco mais fracos). Assim vai a direita pela blogosfera: bem. Bem organizada. Bem dinâmica. Bem interessante.
E a esquerda? Para lá de um sorumbático e sempre sério “5 dias”, é o deserto. Ou impera a simplicidade sem risco, ou o panfletarismo mais ou menos previsível, ou o mainstream pomposo que já não interessa a ninguém. Nem a coutada da Cultura serve para garantir animação à malta. Ná. Por estas bandas não há ideias novas, não se lobriga provocação inteligente, murchou a militância consistente e prolongada.
Reparem que não incluo a 100% o “Aspirina B” na funesta procissão: nunca aqui almejámos a unanimidade ideológica e sempre nos orgulhámos da nossa polissemia. Mas isso não nos imunizou contra a maleita geral: também aqui impera a acédia, também daqui fugiu a vitalidade, a discussão, e até a alegria que, de acordo com o mito, devia contaminar as hostes esquerdistas a tempo inteiro.
Sim; eu sei que é mais fácil angariar polémicas quando se tem ideias pour épater le bourgeois em barda, como a compra e venda de votos ou a privatização do ar. Ou quando se conta com clowns finórios como o Pedro Arroja, capaz de se atrever, sem medo do ridículo, a ressuscitar a ideia de que os ingleses só chocaram ex-colónias civilizadas e democráticas, esquecendo a caterva de casos mais sinistros, do Afeganistão ao Zimbabué.
Não sei se falta ao lado esquerdo da blogosfera um ou dois Arrojas; espero que não. Talvez seja apenas uma questão de míngua dos sombrios “financiamentos próprios cuja origem é desconhecida” agora denunciados, com algum veneno teleguiado, pelo Abrupto. Mas certo, certo é que há qualquer coisa que não funciona por aqui. Querem mais uma prova? No dia em que o “31 da Armada” se lançou no meio de grande festança, estava o pessoal deste estaminé ocupado a… esquecer o primeiro aniversário do blogue. Coisas de velhos.

Quiosque

Como todas as manhãs, espreito as gordas num dos quiosques da Graça. Os jornais de referência dão grande destaque a Cesariny, os outros dão menos. E depois há o 24 Horas. O 24 Horas não dá uma linha sequer ao poeta na primeira página, mas tem uma chamada para nos informar que Mantorras «vai oferecer um cavalo à filha»…

«Faz-me o favor…»

Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!
Supor o que dirá
Tua boca velada
É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor
Do que o dirias.
O que és não vem à flor
Das caras e dos dias.

Tu és melhor – muito melhor!
Do que tu. Não digas nada. Sê
Alma do corpo nu
Que do espelho se vê.

Mário Cesariny
1923-2006

Lisboa 2026?

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À atenção de um ou outro dos 28% de portugueses que se desejariam espanhóis

CARTA DOS DOS DOUS JOVENS ESTUDANTES DA USC [Universidade de Santiago de Compostela] DETIDOS E TORTURADOS EM 21 E 22 DE NOVEMBRO

Ante a gravidade dos factos acontecidos na capital de Galiza entre os dias 21 e 22 de Novembro, Aurélio L. e Iago B., detidos e torturados, queremos relatar o seguinte:

1) Efectivos antidistúrbios coordenados para defender da ira popular internacionalista a charla do ex-ministro dos Asuntos Estrangeiros do Estado de Israel detivérom-nos irregularmente a propósito de presuntos [presumíveis] actos de desobediência e injúrias à autoridade.

Minutos antes de começar a convocatória dumha concentraçom de protesto diante do prédio da Aula socio-cultural da Caixa Galicia onde Shalom Ben-Ami haveria dar umha conferência, dous agentes solicitárom o deslocamento dum carro para a nossa detençom alegando:

a – Ter sido chamados “terroristas” por um de nós. Várias testemunhas presentes defendérom-nos conhecendo que tal feito nunca tivo lugar.

b – Desobediência à autoridade por requerirmos umha justificaçom no momento em que, sem razom algumha, se dirigírom a nós para solicitar-nos identificaçom. Esta petiçom, realizada dum jeito intimidatório e prepotente antes inclusive de ter começado a concentraçom, seria a seguir satisfeita, motivo que nom saciou a sede repressora dos membros da Polícia espanhola.

2) Aproximadamente 20 minutos depois, fomos introduzidos numha carrinha policial compelidos por umha violência desproporcionada em que participárom umha dúzia de efectivos. Estes, arrastando-nos e agredindo-nos com patadas, forçárom-nos sem mediar palavra a penetrar no veículo. Antes de consegui-lo, I.B. foi brutalmente violentado nos seus genitais ao sofrer umha enorme pressom por umha mao policial, enquanto A.L. era espancado e agredido com um cacete com que tentárom forçar-lhe o anus.

3) Umha vez trasladados à esquadra policial, três policias fechárom o garagem no qual se detivera o veículo, deixando-nos ao “cuidado” de três agentes, entre eles os dous que levavam o carro. Após saírmos do veículo, I.B. foi deliberadamente espancado com dous fortes golpes de cacete no lombo e as nádegas, enquanto transcorria o primeiro “cacheio” a que fomos submetidos. O maior dos polícias presentes tivo de intervir exigindo o seu companheiro que se tranquilizasse.

4) Levados à ante-sala dos calabouços, na qual aguardamos quase 5 horas sem ser informados sobre a nossa situaçom, fomos postos baixo vigiláncia, alternativamente desenvolvida por um ou dous agentes. Passadas duas das 5 horas referidas, o polícia antidisturbios que provocou a nossa detençom no centro de Compostela baixou a “visitar-nos” . Ante esta inesperada e agressiva apariçom e, em previsom do que puder ocorrer, os agentes encarregados de custodiar-nos abandonárom cobarde e cumplicemente a sala.

A “intervençom” desta auténtica besta supujo que A.L. fosse agitado e insultado, trás o qual o agresor se dirigiu a I.B., a quem propinou três punhadas na cabeça com a mao direita, a qual enfundara previamente numha luva de lá, mantendo ao descoberto a mao esquerda, o que pode dar ideia da intençom com que acudiu onda nós. Acompanhando a gesta de horror com insultos e ameaças consistentes em frasses como “enséñame ahora la lengua que te la troceo” ou “esta noche la vais a pasar en los calabozos. Iré a visitaros para meteros un cuerno por el culo. Preparaos”. Ao abandonar o soto, e acreditando a natureza política das agressons, chamou-nos “desgraciados, bobos, terroristas” .

5) Sobre as 22,30 horas, após o sofrimento padecido, e ante os flagrantes danos causados em genitais, costas, nádegas e cabeça, decidimos solicitar atençom médica para I.B. Aliás, solicitamos o Habeas Corpus devido ao intolerável procedimento da detençom seguido pola Polícia espanhola em todo o momento, interpretado ao ritmo de falsidades, insultos, ameaças e agressons. Se a primeira petiçom foi demorada até as 2 da madrugada, a segunda foi denegada polo juíz, que nom achou irregularidades no procedimento.

6) Um de nós, a tratamento médico crónico de dous órgaos vitais, dirigiu-se à polícia com a finalidade de lhe ser facilitada a medicaçom precisa. A reacçom, semelhante às anteriores, foi afirmar que “isso fai-se num momento”. Duas horas depois ninguém perguntara sequer qual era a medicaçom necessária, malia a nossa permanente insistência sobre este aspecto. A medicaçom, solicitada às 22.30 para ser tomada às 23 horas, foi facilitada de jeito incompleto por serviços hospitalários às 03.30 da madrugada.

7) Finalmente informados, por volta das 01.00 horas da madrugada da nossa situaçom de detidos em qualidade de 4 delitos atribuídos (danos, desordens públicas, resitência à autoridade e atentado), fomos internados em calabouços, onde permanecemos a noite toda até às 09.00 da manhá sermos despertados para falar com o advogado e passar a instruçom.

Dito o qual, A.L. e I.B. desejamos pôr em conhecimento de todo democrata galego a detençom irregular de que fomos vítimas e, particularmente, a tortura impingida durante o tempo que estivemos custodiados pola polícia.

Achamos doloroso termos sido sujeitos passivos de violaçons tam brutais mas, ante todo, achamos intolerável que na Galiza do século XXI, uniformados espanhóis se dignem a torturar em dependências da Polícia espanhola jovens galegos pola sua condiçom política. Queremos rematar reconhecendo o trabalho mais importante do processo. É esse trabalho que fixo a gente desde o primeiro momento em que fomos levados polo ar. Ainda agora, escrevendo estas linhas, lembramos com emoçom o momento no qual os concetrados e concentradas rechaçárom a violência empregada e berrárom desde a injustiça contra os armados.

Muito obrigado a todas as pessoas que saírom o mesmo dia dos feitos à rua a denunciar o acontecido, a quem se concentrou até a nossa posta em liberdade, a todas as organizaçons e colectivos que tirárom comunicados, e a todas as pessoas que se interessárom por nós. Agora mais do que nunca decatamo-nos do importante de construirmos um movimento social que ante estes feitos nom tem mais regras das que a democracia. Por todo isto, apelamos a massa galega comprometida com os direitos fundamentais, a tomar nota do relatado e agir em conseqüência.

CONTRA A REPRESSOM, MOBILIZAÇOM!
NENGUMHA AGRESSOM SEM RESPOSTA!
TORTURAS NA GALIZA NUNCA MAIS!
FORA AS FORÇAS DE OCUPAÇOM!!

Isto é Santiago de Compostela em 2006. Você anseia por isto em Lisboa em 2026? Faz-lhe muita falta uma Polícia de Choque espanhola? Óptimo. Avise-nos já. São vinte belos anos para nos livrarmos de você.

A tristeza toda em meia dúzia de linhas

A notícia já começou a passar nas televisões: quatro portugueses morreram no sul do Chile, quando a avioneta em que seguiam se despenhou perto de Coyhaique, na Patagónia. Desses quatro portugueses, três são jornalistas: dois do Record e uma do Diário de Notícias. A Maria José Margarido. A Zé. A rapariga porreira que eu via todas as tardes, na escada, ao pé da máquina do café. Mais nova do que eu um ano. Trinta e três, 33, trinta-e-três. TRINTA E TRÊS ANOS. Foda-se.
Lembro-me agora da sua presença discreta, das suas reportagens invulgarmente bem escritas, das qualidades humanas sempre mais nítidas à luz da morte súbita, escandalosa, inexplicável. Mas não me apetece escrever essas coisas que se escrevem nestes momentos. Só quero dizer deste nó na garganta, desta tristeza que não passa, do café que já não sou capaz de tomar junto à máquina a que ela nunca mais se encostará.

TLEBS, a fatal

A nova Terminologia Gramatical, a soturna TLEBS, é um caso banal e entediante de correcção política. Como qualquer outra, também esta provém duma grande insegurança interior. A fim de acalmar os demónios, o indivíduo aumenta a precisão formulativa, uma mesma, sem tirar nem pôr, que faz dum «surdo» um «ouvinte alternativo».

Num artigo no «Expresso» de hoje, Miguel Sousa Tavares atira-se aos linguistas. Errado, errado. A Tlebs nada tem a ver com a linguística. É, como afloração do politicamente correcto, o mais puro «eduquês». O tal. O de sempre.

Ó excelso Ministério! Mas isto, o mando dos ayatolas, não vai parar nunca?

«A carrinha dos afectos»

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Não me lembro de aqui, alguma vez, falar do sítio onde nasci. Não tem importância. Não foi na Avenida de Roma, e pudera bem ter sido. Foi num sítio mais tranquilo, e sobretudo bem mais bonito. Fica ali em baixo, na fotografia, ali onde o Guadiana recebe a ribeira que chega da direita. (A legenda acima é para ignorar, neste caso. Mas não tenho, em carteira, vista melhor).

Nunca falei, pois, dessa terra. Mas é um prazer ver outros fazerem-no. Sobretudo quando o fazem tão bem. Foi o caso, hoje, de Fernando Madrinha, no «Expresso». Leiam. Dá gosto saber que há disto no mundo.

A CARRINHA DOS AFECTOS

Não é a primeira vez que se ouve falar de Mértola a propósito de prémios de excelência – e não só pelo extraordinário trabalho de Claúdio Torres (Prémio Pessoa 91) enquanto primeiro responsável pelo campo arqueológico. Há uns anos, a C+S de Mértola foi declarada pela OCDE “estabelecimento escolar exemplar a nível mundial”, num grupo de 24 escolas de cidades tão diferentes da pequena e bela vila de Mértola como Helsínquia, Tóquio ou Melbourne.

De um dos concelhos mais votados ao abandono e ao esquecimento, é extraordinário que cheguem com esta frequência notícias de pessoas, realidades e iniciativas exemplares. Todos sabemos que a necessidade aguça o engenho, mas isso não só não desmerece, como valoriza ainda mais o trabalho dos responsáveis por essas iniciativas. É o caso da carrinha que percorre aldeias e montes ao encontro dos velhos que os habitam, para lhes dar assistência médica e um pouco de atenção. Chega a cada uma das localidades uma vez por mês, resolve pequenos achaques, rastreia doenças mais graves e, acima de tudo, leva um pouco de humanidade a quem dela precisa e já desesperou de a encontrar.

Esse mini-consultório ambulante para todas as especialidades, em particular para os males da solidão, é uma invenção da Câmara Municipal dirigida por Jorge Pulido Valente e responde pelo nome de unidade médico-social. A autarquia decidiu candidatar o projecto a um prémio de ‘boas práticas’ instituído pela ONU. E o resultado aí está: foi a primeira candidatura portuguesa a chegar à última fase de escolha, com outras 47 finalistas de todo o mundo.

Num país onde tanta gente e tantas instituições com orçamentos de milhões se queixam da falta de meios, a carrinha de Mértola dá que pensar. Há quem tenha muito pouco mas conheça a arte de fazer escolhas acertadas e perceba o que é essencial. Para os velhos e os pobres do concelho – condições que, por todo o Alentejo, em geral se acumulam – a unidade médico-social é um milagre acontecido. Infelizmente não ganhou o prémio da ONU, o qual, sendo em dinheiro ( menos de 2500 euros…), teria a grande utilidade de permitir melhorar o serviço. E como? Isabel Soares, responsável pela carrinha dos afectos, explica na TSF: poderíamos, por exemplo, passar a visitar os habitantes mais necessitados das aldeias e dos montes de Mértola não uma, mas… duas vezes por mês. Tão pouco. E tanto.

A orelha que adivinha reloaded

Sentia a orelha direita gelada, o que me obrigou a um doloroso coitus interruptus. E logo naquele dia, que tinha engatado a Jolie. Acordei. Estranhei que tivesse acontecido com aquela orelha, porque a outra (a esquerda!) é que estava ao léu, mas vá lá um gajo travar-se de razões com uma orelha – é parte do corpo que não nos encara de frente. Podia dizer que são só garganta, não fora cair-se um bocado no non sense – e logo num post que se quer sério, afinal trata-se de uma estória verídica! Eram seis da manhã. Raisparta a minha vida, o sonho já não o apanho outra vez, qu’isto dos sonhos é malta que não espera por ninguém. Encostei-me mais dez minutinhos (não confundir com dez minutos). Meio-dia! Acordei como se tivesse sido atropelado por um cowboy – resultado, muito provavelmente, da carga de porrada que levei do Brad Pitt (afinal, alguém esperou por mim) e das trinta e seis vezes que calquei no snooze do despertador. Foram por trinta e seis vezes só mais dez minutinhos. Deviam pôr pernas no cabrão do despertador assim que se carrega a primeira vez. Isto dá cabo dum homem. Tomei o pequeno-almoço e almocei – não gosto de quebrar rotinas. Uma taça de cereais, meio litro d’água, uma sopinha, um bife grelhado com batatas fritas e ovo a cavalo. No bife. Uma laranja. Cheguei à repartição a tempo da abertura da tarde, com ar de quem estava em paz. ‘Tão, pá? Kékspassou, meu? O chefe nem vai acreditar. Faltou a luz na minha área e o despertador não tocou / tive um acidente / a minha tia morreu / o meu cão passou mal a noite / estou muito triste. Optei pela última (hás-de pagá-las caro). Tinha faltado de manhã porque estava muito triste. Era oficial. Já não podia voltar atrás. Esperei pela desova. Vai-te sentar que já lá vou falar contigo. ‘Tou fodido. A minha mesa estava um verdadeiro caos. Resolvi arrumá-la para que o chefe não pegasse também por aí. No meio do labor deixei-me dormir – tal era. Voltei à Angelina.

O chefe acordou-me com um beijinho na orelha direita. Eram sete da tarde. Não havia mais ninguém na Repartição.

Peixoto, o bom

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O Grande Contador de Desgraças está de novo ao ataque. Peixoto, ele, o próprio. Um excerto do seu recente, e terceiro, romance está à disposição. E é novamente terrível, e mortificante, e bom.

Depois dum segundo romance de desgraças de pacotilha (o termo é cediço, mas exacto), parece chegar-nos aí o velho José Luís Peixoto.

Preparai a recolha aos ninhos, ó harpias.

A amarga vitória da esquerda… ou talvez não?

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Jan Peter BALKENENDE e Wouter BOS

Amanhã, um destes dois homens acordará primeiro-monistro holandês. Um, o cristão-democrata Balkenende, já o é há quatro anos. O outro, o socialista Bos, deseja-o há pelo menos tanto tempo.

As sondagens dão a vitória, mesmo se renhida, aos cristãos-democratas. Eles governaram com a direita, o Partido Liberal, e não foram mansos para os pobres. Sim, neste país de 16 milhões, dez por cento anda no rendimento mínimo, mais ou menos garantido.

É sobretudo em nome dos párias que a esquerda se veio levantando. E tem, nas sondagens, um avanço espectacular. Mas… essa esquerda pode nem sequer – e mais uma vez – entrar no governo. E Wouter Bos, o líder trabalhista, morrerá, de novo, à vista da praia.

E porquê? Porque um segundo partido de esquerda, tão socialista que se chama isso mesmo, Partido Socialista, e até hoje com escassa representação parlamentar, pode bem aproximar-se da percentagem trabalhista (e até, segundo uma das sondagens, ultrapassá-la, tornando-se o segundo partido do país), mas, por isso mesmo, fazendo afastar do governo a esquerda inteira.

Dentro de três horas encerram as urnas. Restam três horas para votar útil.

Votar útil. Há-de tê-lo feito o eleitorado da direita, esquecendo liberais e até ultras, para assegurarem a Belkenende a vitória, e o lugar de primeiro-ministro. Há-de tê-lo feito a esquerda, também. Dos eleitores socialistas-socialistas aos encantadores verdes, muitos terão talvez votado Bos, para assim tirarem a direita do poder.

Não se diga que a Holanda é um país monótono, mesmo com toda esta planura sob o nível do mar.

Só mais uma coisa: os sorrisos dos senhores protagonistas. Nada que se compare com a cerimónia portuguesa. Não se está a ver, pois não, José Sócrates, Marques Mendes e Francisco Louçã, na noite anterior às eleições, num talk show televisivo, tratando-se naturalmente por tu (como quase todos aqui se tratam, no governo ou no parlamento), em distendida cavaqueira… Enfim, e não acredita você em universos paralelos.

Mas, também nestes baixos países, o poder não brinca. Primeiro-ministro, mesmo sorridente, haverá só um.

Amsterdão, já caída a noite.

Actualizado nos comentários.

“Quem se habituou a viver entre os gumes do desespero não lhes escapa pelo mero atenuamento das suas causas. Por muito que o Sol brilhe, o seu vulto permanece escuro, a sua sombra continua a adensar-se. Um volume enorme que cai no mar sob o nadador, arrastando-o num torvelinho irresistível. Até que ele já não distingue o que é cima e o que é baixo. Até que já nem lhe parece importante distinguir. Como se o salto verdadeiro tivesse sido dado muito antes de os seus pés deixarem a ponte; como se a balística do desespero nada tivesse a ver com a gravidade, ignorando o que jaz no lado de fora da vida. O centro está antes em algo que lhe cresce sem cessar dentro do peito, mesmo que privado das antigas raízes de acasos biográficos e outras tragédias menores. Osíris entrou de livre vontade no seu caixão. Pressentiu ali as suas medidas, precisas, magnéticas, predestinadas e letais.”

Anselm Kiefer, “Osiris und Isis”, 1985-1987

Escolha difícil

Pede-me o Nuno Ramos de Almeida que comunique aos nossos leitores mais “criativos” que na próxima quinta-feira o esquerda.net “promove uma reunião para trocar algumas ideias sobre a campanha da despenalização da interrupção voluntária da gravidez. O encontro será na quinta-feira às 21.30 na Rua Febo Moniz número 13, R/C Esquerdo.”
Infelizmente, a malta mais brilhante e criativa vai ter de estar no Café Suave, a partir das 22:30, para participar no lançamento do melhor livro de BD do ano.

Este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório