Perguntou a revista NS’ (suplemento de sábado do DN) a António Mega Ferreira, director do Centro Cultural de Belém: «Qual foi o acontecimento do ano em Portugal?»
Respondeu António Mega Ferreira, director do CCB: «Não se passou nada de muito excitante, de facto. Não me lembro de nada marcante.»
Curiosa amnésia. Mesmo desvalorizando tudo o que aconteceu cá no burgo (da febre reformista de Sócrates à Presidência soft de Cavaco, da OPA da Sonae sobre a PT à morte de Cesariny), Mega sempre podia lembrar-se de algumas coisas que aconteceram à instituição que dirige: cortes substanciais do orçamento, perda do módulo de exposições para o Museu Berardo (em condições desfavoráveis para o CCB, que passa a ser uma espécie de montra dourada do espólio interessante, mas tematicamente limitado, que o comendador pretende valorizar a todo o custo), programação de espectáculos reduzida ao mínimo exigível e fim abrupto da Festa da Música, o acontecimento que mais espectadores trouxe a Belém nos últimos anos.
«Não me lembro de nada marcante», diz Mega Ferreira. Pois, pois.
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Paralaxe
MEC
A pedido de várias famílias informo: a entrevista que fiz ao Miguel Esteves Cardoso (no suplemento 6.ª do Diário de Notícias) está, na íntegra, aqui.
Micro-causa
Ouvi a notícia e não quis acreditar: a direcção da Antena 2 decidiu proibir Jorge Rodrigues, o autor e animador do programa Ritornello, de fazer entrevistas a convidados portugueses. Se for verdade (ainda me custa crer…), trata-se de um caso de censura explícita e de um atentado ao serviço público que Jorge Rodrigues vem prestando há muitos anos, ao fim da tarde, na rádio estatal.
Deixo-vos aqui um texto sobre o “caso”, assinado pelo compositor António Chagas Rosa:
»Apoio ao Ritornello
O programa Ritornello da Radiodifusão Portuguesa, da autoria de Jorge Rodrigues, é provavelmente o programa de maior audiência de toda a Antena 2. O Ritornello é produzido há mais de 10 anos com uma imaginação, diversidade, inteligência, sentido formativo e informativo tais que se tornou, na prática, uma referência incontornável para todos os amantes da música dita erudita em Portugal.
Mas não só da música. A poesia, o teatro, a literatura, a dança e a cultura portuguesa, em geral, circulam no Ritornello como numa grande coreografia, cruzando-se através da temática de cada programa – criteriosamente escolhida pelo seu autor – e por meio dos convidados que nele têm tido voz. Ao longo dos últimos 10 anos, mais de 2000 individualidades, nacionais e estrangeiras, foram entrevistadas por Jorge Rodrigues, permanecendo o testemunho de muitos gravado na memória dos portugueses.
Recentemente, alegadamente por conduzir entrevistas desinteressantes (!), a direcção da Antena 2 proibiu Jorge Rodrigues de continuar a entrevistar convidados portugueses. Ficam assim excluidos do programa as vozes de José Saramago, de Agustina Bessa Luís, de Paula Rego, de Maria João Pires, etc.,etc… Sob qualquer ângulo que se observe, a medida é insólita e obtusa, fazendo lembrar tempos dos quais Portugal se libertou com dificuldade.
Que serviço público é este que proíbe a voz dos artistas e intelectuais portugueses no programa de maior prestígio de toda a Antena 2? Logo aquele que mais dinamicamente tem contribuido para manter os ouvintes, directa ou indirectamente interessados, ao corrente das causas culturais portuguesas! O mérito de Jorge Rodrigues deveria ser premiado por ser do interesse cultural nacional e não obstruído desta forma ridícula.
Se discorda desta proibição e se acha que os artistas e intelectuais portugueses merecem continuar a ser entrevistados no Ritornello, por favor divulgue esta informação.»
Quem quiser assinar uma petição contra este absurdo, pode fazê-lo aqui.
Um estranho caso de amnésia
Em entrevista ao DN, a propósito do lançamento do filme 20, 13 (estreia hoje), diz o realizador Joaquim Leitão:
«(…) acho que não temos nada que ter vergonha daquilo [Guerra Colonial]. Evidentemente que há episódios menos dignos, mas não há nenhuma guerra em que não haja episódios menos dignos (…)»
Para Joaquim Leitão só tenho uma palavra: Wiriamu.
Separados à nascença
Obrigado, TIME
O Aspirina B (em cujo universo se incluem não poucos leitores e comentadores) agradece, não sem uma lagriminha comovida, a bilionésima parte que lhe cabe deste importante prémio anual.
Anti-TLEBS
No vocabulário obnóxio da TLEBS, como é que se classifica gramaticalmente uma petição?
Passa por mim na Avenida dos Aliados
Estava-se mesmo a ver: Rui Rio vai entregar a gestão do Rivoli à produtora de Filipe La Féria. Venham de lá as “grandes produções” revisteiras, os musicais à la Broadway dos pobrezinhos, o fogo-de-artifício para contentar o povão e satisfazer a ideia de cultura do autarca que tem alergia a subsídios.
Ou seja: entrega-se assim, de mão-beijada, a um privado com uma noção de “espectáculo” estritamente comercial, um espaço que as verbas públicas da Câmara do Porto ajudaram a restaurar e conservar. Pode não haver aqui qualquer surpresa (este desenlace já se adivinhava mesmo antes do eufemístico “aturado processo de selecção”), mas importa sublinhar o modo como a diversidade cultural nas grandes cidades vai sendo cerceada, subrepticiamente ou às escâncaras, por políticos medíocres que nivelam a arte pela bitola da televisão e encaram os criadores alternativos ora como empecilhos ora como parasitas (ou como as duas coisas ao mesmo tempo).
Coisas que não se desejam a ninguém
Joana Santana Dias
Na primeira página do DN, mercê de uma publicidade engraçadinha da TSF, aparecem sobrepostos os rostos de Joana Amaral Dias e Pedro Santana Lopes. Melhor dizendo, a metade esquerda do rosto dela (que publicamente se assume de esquerda) funde-se com a metade direita do rosto dele (que publicamente se assume de direita). Além do perigoso subtexto da imagem (esquerda e direita transformando-se numa só e mesma coisa…), choca-me a ideia de um eventual clone que cruzasse o DNA das duas figuras. Como é que seria o discurso de uma tal quimera? E quem levaria a melhor: a menina guerreira soarista ou o engatatão com excesso de rímel?
Lição de metafísica (ou coisa parecida)
Como já passou quase uma semana sobre o Facto, agradecia encarecidamente que algum filósofo, teólogo ou doutorado em Estética explicasse ao povo como é que isto aconteceu:
PS- Ignoro se o Facto passou na Al-Jazeera (como os comentários deixam entender), mas é com coisas destas, parece-me, que se pode estabelecer a cada vez mais difícil ponte entre civilizações.
É o YouTube, estúpido!
A TV tal como a conhecemos acabou? O que vai mudar na produção contemporânea de conteúdos audiovisuais numa altura em que a tecnologia nos abre novas possibilidades a cada dia? Estas perguntas servem de mote para o É a Cultura, Estúpido! de amanhã, às 18h30, no Jardim de Inverno do Teatro São Luiz, em Lisboa. Os convidados, Manuel Falcão (ex-director da 2:) e Francisco Rui Cádima (professor universitário), responderão aos reptos de Nuno Artur Silva, Pedro Mexia e Nuno Costa Santos. A rubrica “Relatório do Mês”, com sugestões culturais, ficará a cargo de Daniel Oliveira e José Mário Silva.
Quiosque
Como todas as manhãs, espreito as gordas num dos quiosques da Graça. Os jornais de referência dão grande destaque a Cesariny, os outros dão menos. E depois há o 24 Horas. O 24 Horas não dá uma linha sequer ao poeta na primeira página, mas tem uma chamada para nos informar que Mantorras «vai oferecer um cavalo à filha»…
Primeira página
Itálico
A Zé escrevia no blogue Respirar o mesmo ar. O seu último post, escrito já no Chile, dizia apenas: “‘Nunca estive fisicamente em Lisboa, não”.
Terrível, o itálico, agora que o tempo verbal da frase mudou.
A tristeza toda em meia dúzia de linhas
A notícia já começou a passar nas televisões: quatro portugueses morreram no sul do Chile, quando a avioneta em que seguiam se despenhou perto de Coyhaique, na Patagónia. Desses quatro portugueses, três são jornalistas: dois do Record e uma do Diário de Notícias. A Maria José Margarido. A Zé. A rapariga porreira que eu via todas as tardes, na escada, ao pé da máquina do café. Mais nova do que eu um ano. Trinta e três, 33, trinta-e-três. TRINTA E TRÊS ANOS. Foda-se.
Lembro-me agora da sua presença discreta, das suas reportagens invulgarmente bem escritas, das qualidades humanas sempre mais nítidas à luz da morte súbita, escandalosa, inexplicável. Mas não me apetece escrever essas coisas que se escrevem nestes momentos. Só quero dizer deste nó na garganta, desta tristeza que não passa, do café que já não sou capaz de tomar junto à máquina a que ela nunca mais se encostará.