Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

O meu gadget é mais esquisito que o teu

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Era uma vez o iPod. Um leitor de ficheiros Mp3 pequeno, estiloso e com montes de capacidade. Um objecto de desejo, ainda por cima com a maçãzinha mágica: I gotta have one! Depois, começaram a chegar os acessórios, os adereços, os complementos: capas, colunas dedicadas, emissores de FM, etc, etc, etc. E o pequeno iPod lá foi sendo soterrado por quilos de tralha bizantina, cada vez mais longe da simplicidade móvel com que nasceu. Agora, surge o desenlace inevitável: o comando à distância para iPods. Já pode deixar o seu estimado leitor de Mp3 emaranhado numa bateria de cabos, ou preso a uma qualquer consola indispensável. Com este simpático gadget, por sinal do tamanho do próprio iPod, pode escolher a música que quer ouvir, onde quer que esteja.
Mas não era isso o que já fazia antes?

Liberal por procuração

Pacheco Pereira acha mal que os homossexuais queiram casar porque querer casar é muito conservador. Não, Pacheco Pereira não é contra o casamento. Não é isso. Pacheco Pereira limita-se a encomendar aos homossexuais essa tarefa. Já que estão de fora destas nossas regras, bem podiam ser muito radicais por nós. Só que os homossexuais têm todo o direito a ser conservadores nas escolhas que fazem para a sua vida e nem eu nem Pacheco Pereira temos nada a ver com isso. Ser liberal é aceitar isso mesmo e não a andar a pregar aos outros o que devem querer para si. Para mim é simples: querem casar, casam. Porque é que querem casar? Não tenho nada a ver com isso.

Quando batemos em toda a gente acabamos um dia por bater em nós próprios

«As pessoas que escrevem nos blogues, como muitas das que escrevem nos jornais, como as que falam na televisão, dão aquilo que elas julgam que serão opiniões. Políticos falhados, jornalistas frustrados e tanta outra gente completamente iletrada, que não conhece os assuntos, e podiam dizer aquilo, ou o contrário, que era igual ao litro. Mesmo a maior parte dos cronistas são ignorantes, e o que escrevem são crónicas desnecessárias ou desabafos, aquilo a que chamo jornalismo da indignação. Mas faz muito sucesso, porque como as indignações são básicas, há muita gente a partilhá-las, e a ficar feliz por o senhor X, que até escreve no jornal, pensar como elas.»

Esta indignação é de Vasco Pulido Valente, no Notícias Magazine, em Janeiro de 2004. Vasco Pulido Valente é agora, dois anos depois, mais um dos «políticos falhados» que escrevem nos blogues.

Evil Gates?

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Antes que os mantras que compõem a hagiografia de S. Bill Gates sejam repetidos as vezes suficientes para que o homem desate a levitar, há que relembrar pelo menos uma verdade histórica: ele não inventou o MS DOS. Apenas o comprou aos incautos colegas da Seattle Computer Products, que longe estavam de imaginar que ele já revendera o sistema à IBM. O único golpe de génio neste episódio foi mesmo a ideia de pedir royalties, em vez de uma verba fixa, ao gigante do hardware. Outros mitos desmontados andam por aqui.

O assombro – A aspirina está a saber-me mal

Eu cá aguento de tudo. Aguento as odes a Marx, a iconografia soviética, as toupeiras e manteiga aos amigos, a explicação de que o Bush é responsável pela neve em Évora, pela fome no Sudão e pelo fim da carreira do 87 no Porto. Aguento discursos sobre o futuro do Bloco de Esquerda, polémicas com o Henrique Raposo para ver quem leu mais livros do Negri, e até as graçolas do Daniel Oliveira. Aguento tudo! Tudo o que quiserem, menos elogios ao Pacheco Pereira. Ò por amor de Deus!
RMD

As caras que fazemos

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Uma das descobertas que fiz nas minhas primeiras experiências com câmaras fotográficas teve a ver com as capacidades expressivas do rosto humano. Melhor: com a forma descontínua como as nossas expressões aquiescem à vontade que as comanda. Ao passarmos de uma máscara para outra, não escolhemos a rota mais simples e directa: deixamos que os músculos que definem expressões e afivelam estados de espírito sigam os seus próprios caprichos, libertamo-los por fracções de segundo da sua missão.
É assim que por vezes o olhar quase instantâneo dos obturadores nos surpreende “a fazer caretas”: numa ocasião em que nos sabíamos risonhos, descobrimo-nos quase chorosos; onde brincávamos com uma criança, brilha inexplicavelmente um ódio vindo de parte incerta. É como se o alfabeto calculado de rictos, sorrisos e esgares que usamos a cada instante carregasse consigo um subtexto oculto, um fluxo de mensagens encriptadas que só a suspensão do tempo consegue desvelar. Nesta vida secreta dos nossos rostos, agita-se um conteúdo latente que nos assombra com aparições sem aviso.
Imagino que mesmo longe de películas sensíveis esta presença subterrânea se sirva da minha cara como ecrã de projecção, onde materializa fantasmas de cenho carregado, espasmódico ou zombeteiro. Eles parecem-se comigo, mas apenas porque se servem do meu rosto para emergir no nosso mundo.
Assim se estragam muitos retratos, aliás. Só mesmo em campos onde é quase irrelevante a expressão do modelo, como na pornografia manhosa, é que vemos estas imagens reveladoras mas comercialmente imperfeitas chegar à luz do mercado.
Com um leitor de DVDs, a experiência é simples: basta imobilizar qualquer grande plano de um actor para que se revelem de quando em vez estes esquivos habitantes do interim. Com uma excepção bem clara: os filmes de animação digital. Os rostos modelados em 3D passam de uma expressão para outra sem desvios, sempre lógicos e alérgicos a desperdícios. Ao que parece, os computadores ainda não têm alma que chegue para engendrar espectros.

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