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Lençóis americanos

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Sabia que 10% dos lençóis vendidos nos Estados Unidos são fabricados em Portugal? Eu também o ignorava, até lê-lo numa citação do «Expresso», que encima um conto de Paulo Kellerman (1974, Leiria).

O que você também não sabe (e, se sabe, pertence a um selectíssimo círculo) é que há magníficos contos portugueses, alguns topo de gama, que têm uma circulação discreta. Que ninguém se admire, pois, se lhe disserem que «As sirenes que tocam», esse conto de Paulo Kellerman que nos leva às camas americanas, é uma absoluta jóia. Apareceu publicado no volume Pequenas Nuvens Solitárias Perdidas no Imenso Azul do Céu, Leiria, Sem Editora, 2001. Não creio que você o tenha aí à mão.

Mas o que você tem à mão, e aqui mesmo, na coluna da direita neste seu ecrã, é o link para o blogue A Gaveta do Paulo, onde pode vasculhar tranquilamente.

Uma entrevista com Paulo Kellerman está aqui.

De resto, acabam de sair as suas estórias Gastar Palavras, na Deriva Editores. Ainda não li. Mas, e cito mestre Prado Coelho (não a propósito deste livro, mas num idêntico gesto de fé na humanidade), «terei de procurar».

Mereceremos nós isto?

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Segundo consta, tudo está em aberto no campeonato. Tudo. Agora mais que nunca. Acredite-se: não é que tal coisa me tire o sono. O meu mundo gira, ou emperra, sem futebol. Mas não posso ignorá-la, a essa modalidade de desporto. E aí está um lado precário, e estranho, da minha existência.

Tenho gente próxima, e querida, que desvaira pelo Sporting. Tenho gente próxima, e que estimo, que sofre do Benfica. E este sofrimento, e este desvaire, tornam-se, por vezes, meus. (Também tenho gente estimada, e mesmo querida, que adormece e acorda com o Porto. Mas já me chegam dois problemas). Por tudo isso, quereria eu tanto que o Sporting ganhasse o campeonato. Por isso, eu seria tão feliz se o Benfica tivesse tal dita. Mas não pode ser, e um lado de mim ficará ovante, enquanto outro romperá chorando. (E não venham dizer-me que, se ganhar o Porto, um lado qualquer se consola. As coisas não são assim tão lineares).

Em momentos de lucidez, penso que, se não houvesse futebol, as pessoas andariam mais contentes. (Se não houvesse sexo, também, mas isso já nos leva muito, mas muito longe). Terei, pois, de aceitar que o meu mundo se divida entre os dum clube e os do outro. É um factor de desordem, num universo que eu supunha tão aprimorado.

Daqui a uns meses saberemos mais. Saberemos tudo. Tudo? Não. Em Setembro, vai renascer a desordem. E o desvaire. E o sofrimento.

Nós merecemos isto?

Peloponeso mensal

A TSF emite em directo os Debates Mensais na Assembleia da República. Foi assim na passada sexta-feira, Sócrates contra os exércitos de uma Oposição espartana em oposição. Estou certo de nunca ter ouvido alguém, fosse onde fosse e quando fosse, a soltar palavra e vagido que sequer por lapsus linguae ou homofonia se relacionassem com esse acontecimento onde a democracia se realiza numa das suas mais transparentes e nobres modalidades. Coisa para lamentar, pois o Debate Mensal assistido pela TSF é um misto de teatro radiofónico com escutas telefónicas. Há informações que só o timbre de voz consegue transmitir, passando despercebidas na mistura com a imagem.

Sócrates é muito irritante. Tem uma pose sempre no limite da arrogância possidónia, tendência que se tem agravado com a idade e os papéis do poder. Mas Sócrates torna-se simpático quando se irrita; o que lhe acontece com facilidade, de resto. Aí, o seu temperamento sanguíneo tem uma genuinidade que se distingue dos artificialismos da circundante pandilha. Sente-se-lhe o gosto em passar responsos paternalistas, exercício que atinge o auge quando a vítima é Marques Mendes. A sua voz também se modula de acordo com a bancada do interlocutor: o CDS é tratado com indiferença fria, o PSD com agressividade cúmplice, o PCP com petulância agastada e o Bloco com bonomia agreste. Toda uma paleta de fluxos emocionais a moldar a expressão retórica, desvelando matrizes e ofuscando paradigmas.

A oratória como virtude guerreira é noção que remonta a Homero. A virilidade convém ao político, ontem como hoje. Mas os Debates Mensais ainda não revelaram guerreiros dispostos a arriscar a vida pela Cidade. E os persas já iniciaram a sua maratona.

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