Aviso aos pacientes: este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório. Em caso de agravamento dos sintomas, escreva aos enfermeiros de plantão.
Apenas para administração interna; o fabricante não se responsabiliza por usos incorrectos deste fármaco.

Generation U

Longe de mim sugerir seja o que for. Mas outro dia entrei na Livraria Portugal e vi expostos estes romances, todos recentíssimos, todos (suponho) de autores portugueses: «És o meu segredo», «Pede-me o que quiseres», «Não me digas que foi um sonho», «Não me contes o fim». E isto fez-me pensar. Não me perguntem o quê. Eu próprio não sei. Mas talvez alguém saiba.

Sucedeu no Sheraton

Sheraton.jpg

Há-de julgar-se que não, mas as coisas passaram-se exactamente assim.

Eu queria escrever uma charla (esta mesma) sobre um texto contido num site que descobri, do jornalista Joel Neto (o link vai aí não tarda), onde ele reúne trabalhos que publica, e onde vi referido «NS», que supus (e bem) ser a revista onde ele agora escreve. Não tendo ainda a certeza disso, digito no Sapo «joel neto ns», e que vejo eu logo a oferecer-se? Isto do Nuno Ramos de Almeida, a cuja leitura o destino me havia poupado.

Tinha agora uma certeza que não tivera, a de que «NS» era a revista onde o Joel Neto actualmente escreve, e tinha também um problema: a opinião sobre ele do meu prezado colega aspirínico. Como acho o Joel um magnífico jornalista (mas eu sou suspeito, porque não sou do métier, e sou ainda por cima amigo dele), fiquei desolado com o que o Nuno escreveu e em que vocês entretanto ficaram (e bem) entretidos, deixando-me aqui a falar sozinho.

Tudo isto é tortuoso? É. E porquê? Porque eu não queria falar da «NS» (que nunca vi, de resto, pois não chega cá tão longe), nem do Nuno, nem propriamente do Joel, nem sequer, imagine-se, do site dele que aduzi. Que queria eu então? Só isto: recomendar-lhes o texto «Lisboa vista de cima», um retrato de Vasco Graça Moura como tão depressa não o verão, já que, em entrevistas, ele diz só o que pretende passar e, quando retratado, fascina o jornalista.

Ora, pela primeira vez, alguém, o Joel, faz a VGM um retrato despido de reverência. Resultado: saem os dois a ganhar.

Seja maricas, preto, judeu ou comuna, eu mato quem eu quiser

Jorge Ferreira está indignado. Diz ele:

«Uma das novas ideias do Bloco de Esquerda é criminalizar o “ódio homofóbico”. (…) A ir por diante, o que já não se exclui, dado o carácter gelatinoso da maioria absoluta socialista e as ramificações do chamado “lobby gay” por todos os partidos, pergunto: até onde é que a liberdade de expressão pode ir na crítica à homossexualidade para os iluminados dirigentes do Bloco? Quem disser ou escrever por exemplo, que a homossexualidade é imoral, vai preso? Será que o Bloco quer prender, entre outros, João César das Neves? Mais uma vez não se discute o conteúdo da opinião de cada um, mas apenas a possibilidade de a expressar. Para o Bloco a liberdade é selectiva. Só se pode criticar sem risco de cadeia quem e aquilo que o Bloco, de cima do seu supremo julgamento de opinião, determinar. Cruzes canhoto!»

Das duas uma, ou Jorge Ferreira não sabe ler ou Jorge Ferreira é perigoso. Ou não leu que «o BE quer ainda ver o ódio homófobo ser incluído na moldura de homicídio qualificado, a par do ódio racial, religioso ou político» (“Público” de terça-feira) e fala do que não sabe, ou leu e está a pensar usar da sua «liberdade de expressão» à navalhada. Venha então a correcção, senhor Jorge Ferreira, antes que os homossexuais da sua rua fiquem um pouco preocupados. Bem sei que é da Nova Democracia, mas, apesar de tudo, não o tenho em tão má conta. Será pouco informado e razoavelmente demagógico, mas seguramente pacifico.

PS: Outros blogues, como de costume, seguiram o diz que diz. Para eles uma notícia: ler blogues ajuda, mas não chega.

TCHI BUMMMMM!

Atomic Bomb.gif

A facilidade com que se propõe a energia nuclear em Portugal é comovente. Já toda a gente percebeu que será um bom negócio para alguns, o que poucos parecem querer considerar são os riscos. Os defensores da solução nuclear afirmam que as probabilidades de acontecer um desastre são extremamente reduzidas, mas, pelo caminho, escamoteiam algo decisivo: o que é que aconteceria se tudo corresse mal?
A magnitude dessas implicações devia exigir cuidado. Calcular um risco de uma viagem de avião, que implica uma centena de pessoas, é diferente do que analisar as implicações da construção de uma central nuclear que, independentemente da probabilidade do desastre, envolve dezenas de milhões de pessoas.
Mesmo que a central nuclear não rebente e não tenha uma fuga de radiação, há sempre a interrogação do que fazer com detritos letais que ficam activos mais de 10 mil anos. A esse respeito é interessante ver um exemplo lateral, mas significativo, da dimensão do problema: o Congresso dos Estados Unidos da América criou uma comissão para discutir o problema da sinalização dos resíduos. O objectivo do grupo era resolver o seguinte desafio: Que sinais são possíveis de inventar para que a humanidade no espaço de 10 00 anos saiba que numa determinada área existem substâncias muito perigosas. O resultado desses trabalhos foi paradigmático: os cientistas concluíram ser impossível sinalizar eficientemente estes resíduos.
Esta conclusão devia levar-nos a pensar sobre a irresponsabilidade de um determinado tipo de decisões que põem em causa, de uma forma irresponsável, a vida de centenas de gerações.
Para deleite dos cépticos, aqui fica uma curta descrição que o sociólogo alemão Ulrich Beck fez desses trabalhos de Hércules:

Continuar a lerTCHI BUMMMMM!

Negacionismos II

Um leitor (de nome Luís Lavoura, que eu não conheço mas a quem agradeço) sugeriu-me que aclarasse o meu último post, sobre o assunto em epígrafe, e eu vou tentar:

Vasco Pulido Valente escreveu há dias um post no seu blog “O Espectro” onde elenca de forma exemplar os tipos mais comuns de “negacionismo”, cada qual criado em função de um interesse político diferente. O último desses tipos é o que faz equivaler o holocausto à repressão stalinista (Auschwitz = Gulag), que teria sido criado, segundo VPV, para recuperar a reputação política da RFA (e prejudicar a da URSS), em função da lógica e dos interesses da Guerra Fria.

Estou de acordo com VPV quando ele afirma que essa comparação é uma falácia: comparando apenas elementos formais, neste caso sistemas de repressão (e deixando de lado as diferenças substanciais que existem entre os fundamentos ideológicos, os interesses sociais e os objectivos históricos dos dois regimes, que são totais) temos que o sistema dos campos prisionais existente na URSS ao tempo de Stalin pode melhor ser descrito como uma herança do czarismo e a repressão dessa época como uma variante sobre o tema do despotismo oriental, sem qualquer intuito genocidário ou sequer exterminador, enquanto, pelo contrário, “Auschwitz” (tomando o mais emblemático dos campos por símbolo do sistema de que faz parte) incarna um crime de genocídio organizado com frieza industrial e meticulosidade burocrática, executado por gente – de que Eichmann ficou como símbolo – que exterminava homens, mulheres e crianças – que obviamente não podem ser descritos como “adversários” ou “inimigos” políticos – em câmaras de gás e fornos crematórios como agora vemos na televisão eliminar aves, sem a sombra de um sobressalto moral e apenas porque havia um plano vindo “de cima” que era preciso executar: incarnam a “banalidade do mal”, na famosa expressão de Hanna Arendt; não são os únicos seres malignos existentes ao cima da Terra, longe disso, mas incarnam um malignidade nova, diferente e mais perversa: são o impossível tornado possível – e comparar isso ao “Gulag”, para além de ser uma falsificação da história, é uma imoralidade – porque ignora a especificidade de Auschwitz e as razões pelas quais ele ficou para as gerações futuras como o exemplo do mal absoluto e da desumanidade total. Até aqui, de acordo.

Onde eu acho que VPV não tem razão é na identificação da origem desta forma de negacionismo: ele diz que foi na “primeira” Guerra Fria, na propriamente dita, para melhorar a reputação da Alemanha enquanto parceiro ocidental (Hitler terá feito isto, mas Stalin fez igual) e eu digo que não, até porque nessa altura ainda não tinha sido inventado, como conceito oponível a Auschwitz, o “Gulag”: Adorno – arquétipo do intelectual alemão do pós-guerra, indiscutivelmente pró-ocidental e autor de uma reflexão ética fundamental sobre a questão do holocausto judeu e da responsabilidade alemã – diz que não pode haver poesia depois de Auschwitz – mas não do Gulag, porque, por maior que fosse o seu anti-comunismo, ele não mete tudo no mesmo saco.

O Gulag como conceito unificador, supostamente comparável a Auschwitz, e categoria da luta ideológica, nasce, paradoxalmente, muitos anos depois da morte de Stalin, em pleno desanuviamento, e num país onde a denúncia das práticas stalinistas tinha tido muito menos eco do que na Alemanha ou nos países anglo-saxónicos: esse país é a França, onde o “Arquipélgo de Gulag” – o livro de Soljenitzin que deu o nome à coisa – teve uma recepção muito mais importante do que no resto do Ocidente, e por razões de conjuntura política interna – a saber, a possibilidade que se colocou, em meados dos anos 70, do PCF aceder à área do poder. Foi esse facto que conduziu a uma levée de boucliers da direita intelectual e à constituição de uma frente “anti-totalitária” (incluindo desde Aron e Revel aos jovens turcos conhecidos pelos “nouveaux philosophes”, ex-esquerdistas como Bernard Henri-Lévy ou André Glucksmann) que se empenhou na denúncia dos traços estruturais que aproximariam a URSS (e, por associação de ideias, o PCF) das mais sinistras práticas do nacional-socialismo. Esta ofensiva ideológica teve múltiplas dimensões, mas entre elas a historiográfica não terá sido a menos importante: e aqui é impossível não reconhecer o papel fundamental de François Furet, autor de uma história do comunismo como “mal do século” que se pretende tanto a sua certidão de óbito como a sua apostasia final (ou não fosse Furet, para variar, um ex-PCF).

VPV não creio que vá nestas cantigas: quem tenha formado o seu conhecimento da história europeia do século XX na leitura de A.J.P. Taylor, nem precisa de esperar por 1980 para descobrir as maldades de Stalin, nem tende a confundi-lo com Hitler, e a esquecer que o principal sacrifício humano para a libertação da Europa do nazi-fascismo foi feito pela URSS. Mas a relação de amor-ódio dos nossos intelectuais com a França leva-nos muitas vezes a importar o pior que ela produz: neste caso, aquilo que Hobsbawm define como uma “Guerra Fria” tardia, que, se em França começou tarde, em Portugal parece que ainda não acabou.

Coerência

No início da polémica sobre os cartoons dinamarqueses disse o que pensava sobre o assunto: defendo o direito à liberdade de expressão e nem por isso me sinto obrigado a ser solidário com o seu conteúdo e com os seus objectivos. Logo passei a ser um defensor da censura. Agora, a propósito do julgamento do “historiador” de extrema-direita David Irving, reafirmo coerentemente o mesmo: defendo o direito à liberdade de expressão e nem por isso me sinto obrigado a ser solidário com o seu conteúdo e com os seus objectivos. Sendo certo que, desta vez, é de anti-semitismo que serei acusado.

Mas daqui não saio: todos os bandalhos que usam a liberdade de expressão para espalhar o ódio e a ignorância devem ser livres de o fazer. E nem por isso deixam de ser bandalhos. A negação do Holocausto não é, ao contrário do que tentam apregoar os defensores de Irving, um debate científico. É a propaganda vinda das profundezas do que de mais sinistro a Europa conhece. Mas a verdade é que esta condenação a três anos de prisão, resultado de uma lei que nasce da má consciência de um país que nem a desnazificação conseguiu fazer até ao fim, deu aos radicais muçulmanos o argumento que lhes faltava: isto da liberdade de expressão tem dias, tem pesos e tem medidas.

Estas polémicas podiam ao menos ter uma utilidade: acabar com todas as leis censórias e adoptar a tradição americana (que nos últimos anos tem sido abastardada) que, nesta matéria, é bem mais liberal do que a europeia. O desrespeito por símbolos nacionais, o discurso racista ou homofóbico, a “glorificação” do terrorismo ou da guerra ou a negação de indesmentíveis factos históricos deve ser livre e apenas combatida através de argumentos ou do isolamento político e social. De fora, apenas a difamação e o incitamento à prática de crimes. No último caso, a fronteira legislativa deve ser clara e não permitir leituras abusivas. Nesta matéria, mantenho a minha coerência. Mesmo quando não me apetece nada.

Negacionismos

Sob o título e sobre o tema acima, Vasco Pulido Valente escreve um excelente post n’O Espectro (desculpem a falta de link, mas eu venho do jurássico, e lá nunca aprendi essas coisas). Único senão: a comparação de Auschwitz com o Gulag – que VPV inclui no seu elenco das formas de negacionismo e que eu concordo que é falsa, porque o Gulag não era um sistema de extermínio, muito menos etnicamente motivado (tem muito mais que ver com o universo concentracionário “ancien régime” do czarismo do que com qualquer sistema genocidário “moderno” ou com o “mal banal” Eichmanniano) e imoral, porque nega o carácter único de Auschwitz – paradoxalmente, não ocorreu nunca, como VPV sugere, durante o período stalinista, mas sim depois: apesar do “totalitarismo” ser uma construção ideológica dos primeiros anos do “containment”, e de a aproximação do nazismo ao comunismo (ou até da justificação do nazismo pelo comunismo) remontar, pelo menos, a Nolte, é na só na “segunda guerra fria” francesa dos anos 70 – quase vinte anos depois do XX Congresso do PCUS, portanto – que essa comparação ganhou o carácter de quase evidência que tem hoje; é obra de Furet e dos seus pares, e dos “nouveaux philosophes” – bons propagandistas, talvez, mas muito piores historiadores. Eu não sou velho, mas ainda me lembro do culto parisiense de Soljenitzin e de este ser declarado a “consciência moral” do Ocidente; isto passou-se, claro, antes de o dito ter aberto a boca e explicado o que pensava desse mesmo Ocidente, que o adulava, mas adiante: Soljenitzin era (e é, eu pelo menos acho, reaccionário que seja) um notável escritor – mas é obsceno falar do “Gulag” (assim, como conceito unificador) em paralelo a “Auschwitz”.

A América não era outra coisa?

BrokebackMountain_h2.jpg

Fui ver o filme. Nele fuma-se (muito), bebe-se (muito), matam-se a rifle veados (veados tipo Disney), comem-se veados (tipo Disney, claro), grita-se «Jesus Christ» como variante de «fuck you», brinca-se com os Pentecostais e com os Metodistas. E com o Papa. Ah, e há dois homens que não aguentam quietos juntos.

Se isto é a América, começa a ser muito, mas muito correcto gostar da América.

Este blogue é antianalgésico, pirético e inflamatório