Arquivo da Categoria: Rodrigo Moita de Deus

Consultório sentimental

O JPT não acredita que a mobilidade social tenha acabado com a luta de classes. Insisto com ele. Abril criou mobilidade social. Fenómeno novo no país mas rapidamente apreendido. O povo, em vez de lutar pela igualdade, passou a lutar para deixar de ser povo. Passou a querer ser classe média. E depois de classe média passou a querer ser classe alta. Foi vê-los, infectados pelo vírus do consumismo, a comprarem casas, carros e a tirarem cursos superiores.

E agora, depois deste enorme triunfo, depois de lhes darem a possibilidade de viver e tratar mal quem fica por baixo, atrevem-se a falar de igualdade? Nem pensar! Já não há povo nem classes baixas. Há cidadãos com mais dificuldades que outros. Mas ninguém quer ser povo outra vez. Luta de classes? Claro que sim. Para mantê-las. RMD

E quando subia no elevador lembrei-me desta historieta

Em casa deles havia um gato.
Gato emproado que gostava tanto de se exibir que mais parecia gente grande que felino desmiolado. Nunca me esforcei por esconder a antipatia pelo bicho. Por todos os bichos do género. Era sabido que só não lhe pisava a cauda por excesso de testemunhas. Certo dia, comigo sozinho na sala, acontece a tragédia.

Um pássaro exibia-se na janela aberta. Para a frente e para trás. Para trás e para a frente. Para a frente e para trás. Atormentava o gato. E o gato deixava-se atormentar, fazendo sombra no parapeito aos movimentos do passoroco. Se te apanho, conseguia eu ouvir. Ai se te apanho. E o pássaro, para a frente e para trás. Para trás e para a frente. Para a frente e para trás. E o gato, para a frente e para trás. Para trás e para a frente. Para a frente e para trás. Atazanado para além da lucidez, não resiste e lança-se apontando as mortais garras. E o pássaro, bem planeado, em pleno ar zinga (!) dá-lhe prodigiosa revienga.

Juro-vos que vi a expressão do gato fintado. Tinha ar de Paulo Ferreira depois de ver o Cristiano passar. Nem teve tempo de lamber o orgulho ferido. Ficou o Ferreira sem contrato e o gato sem planar. Lá se foi o bicho, tipo desenho animado, com um miaaaaaaaau decrescente de proa apontada ao passeio…dezasseis andares mais baixo. As sete vidas gastaram-se todas daquela vez.

Eles perderam o gato e eu perdi-os a eles. Está bom de ver que eles não compraram a tese do pássaro rabujador e ainda hoje me tomam de gaticida. RMD