Arquivo da Categoria: Nuno Ramos de Almeida

Pacheco Pior Tsé-Tung

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O texto de José Pacheco Pereira sobre Francisco Louçã, saído no Público de hoje, é um escrito bem interessante, tanto no que revela, como no que esconde. Feito à imagem e semelhança de outro sobre como entrevistar Cunhal, que Pacheco Pereira escreveu, há mais de dez anos, no Semanário, baseia-se em alguns pontos habituais na escrita do político/ensaísta e escamoteia outros.
O primeiro e recorrente é que, para Pacheco Pereira, os jornalistas – mais do que os políticos, e muito mais do que o candidato Presidencial que ele apoia (Cavaco Silva conhecido, entre outras coisas, por ter dito estar a ler a “Utopia” de Thomas Mann) – são ignorantes. Os jornalistas não sabem que Louçã é trotskista da IV Internacional, nem são capazes de desmontar a “linguagem de pau” (tradução directa do francês de “langue de bois”, em português usam-se os substantivos “chavão” ou “gíria”) e perceber o que esconde para além do que diz. Exemplificando: quando Louçã afirma que há uma outra política económica: que é necessário combater a evasão fiscal, taxar o capital financeiro e reformar a segurança social, ele não quer verdadeiramente dizer isso. Estaríamos perante, apenas, demagogia eleitoral que escamoteia o facto de Louçã apenas acreditar que seja possível alterar a política económica depois de uma tomada de poder revolucionária, uma espécie de assalto ao “Palácio de Inverno”.
Esta interpretação “cínica” da política, é muito comum em Pacheco Pereira (como na maior parte dos ex-maoistas): ele não acredita no que dizem as pessoas e embora tenha mudado de fé (substituiu o “grande líder” pelo mercado), ele não entende que as pessoas e as correntes políticas possam ter evoluído. No fundo mudou as coordenadas políticas mas não mudou de estrutura mental: tudo nele são certezas. Em vez da profissão de fé na capacidade de mudar o universo do “grande timoneiro” temos a constante reafirmação ideológica da impossibilidade de oposição ao estado actual do mundo.
Uma vez numa entrevista, salvo erro à Grande Reportagem, Pacheco Pereira afirmou só ler livros de ficção com mais de 50 anos. Justificava que só tinha tempo a perder com “clássicos” burilados pelo tempo. E que a maior parte das coisas que se publicavam hoje não tinham valor. Talvez esta posição o tenha impedido de ler muitos autores, que opondo-se ao capitalismo, procuram caminhos que melhorem o planeta: é bastante difícil esgrimir com Zizek tendo lido com afinco Jdanov, e ignorando o primeiro.
Não são os jornalistas, por mais ignorantes que sejam, que desconhecem os termos da discussão, é pelo contrário Pacheco Pereira que, em vez de ouvir Louçã, está a combater moinhos de vento com nomes do passado. E, nessa fuga para trás, o arguto pensador aproveita para não discutir nenhuma das ideias do homem que critica. Ganha os tiques esfíngicos do seu candidato: não respondendo a nenhuma questão política, social e económica concreta, transforma a eleição presidencial numa espécie de escolha da Miss Universo, em que as candidatas são escolhidas pelo menear da anca e pela invocação mágica da crença na paz do mundo e, certamente, na sacrossanta “liberdade” do mercado.
Era importante que ele fizesse também o balanço das suas posições e que dissesse com clareza que se enganou quando afiançou – ao contrário de muitos – que abundavam armas de destruição maciça no Iraque e que persiste no erro quando nos quer convencer de que a invasão do Iraque e a política de guerra permanente trouxeram menos terrorismo e mais segurança.
Por estranho que pareça, Pacheco Pereira está a tornar-se num dos últimos Estalinistas, capaz de relativizar qualquer crime do seu lado (guerras, torturas, aviões da CIA, etc..) e de cultivar a grande herança de Estaline e Mao: a verdade instrumental.

Bem-vindo Professor Silva

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Há um filme com Peter Sellers , passou pelo burgo como “Bem-vindo Mister Chance”, em que um jardineiro levemente atrasado, que vive a ver televisão e a dizer frases pueris do tipo: “a seguir ao Inverno vem sempre a Primavera”, chega a Presidente dos Estados Unidos da América. Todas as pessoas que o ouvem atribuem-lhe uma inteligência e profundidade que ele não tem. Falam-lhe da crise económica e ele, distraído com o Outono, responde algo do tipo: “as folhas caídas, serão sementes e dessas sementes vão nascer frutos”. E tudo reage como se uma profunda sabedoria económica estivesse subjacente. Com as devidas distâncias (Sellers treme pouco e não costuma fazer aqueles esgares húmidos ao canto da boca) o Professor Aníbal Cavaco Silva faz lembrar a personagem: as suas receitas optimistas, a sua ideia de que o consenso utilitário entre quaisquer duas pessoas com a mesma informação, desde que bem intencionadas, chegam às mesmas conclusões é enternecedora. É genial como há alguém que depois ler as formulações do utilitarismo, aplicado à Microeconomia, acredita nelas. Como é possível resumir a sociedade a formulações do tipo: “um consumidor, com toda a informação, tenderá a maximizar a sua satisfação gastando as suas unidades de compra até que a utilidade marginal, conseguida com o dispêndio de mais uma unidade equivalha ao seu gasto…”.
O ar basbaque dos comentadores ouvindo as generalidades do professor é notável. Graças a Deus, o professor, ao contrário do jardineiro do filme, não é tão inocente. E todos sabemos que por detrás das formulações consensuais está um programa político e económico, que é uma escolha determinada que favorece determinados critérios, em prejuízo de outros.
Ao contrário do que a vulgata, e o professor, nos pretendem fazer acreditar, não há uma “Economia”, mas várias políticas económicas.

Concurso Gargalhadas de Betão

Eu, a namorada e o gato Negri estamos a promover um concurso para os leitores do Aspirina B.
O objectivo é saber quem é o colunista mais hilariante da imprensa portuguesa.
Seguindo o exemplo dos Globos de Ouro, dos Óscares, da Farinha Amparo e de outros eventos de grande nível, o “Gargalhadas de Betão” é um concurso transparente, em que se vota em nomes que o júri nacional (eu, o gato e a namorada) previamente pensou. Aos outros elementos do Blog será permitido – a democracia assim o exige – que acrescentem sucintamente as razões da nossa escolha. Já aqui derramo (linda palavra) a lista dos meus eleitos : João Carlos Espada, pela insistência; José António Saraiva, pelas memórias; João César das Neves, por respirar; e Pedro Strech, pelo artigo no Público (“A marcha dos Pinguins”). Não resisto em transcrever uma longa passagem deste belo exemplar de prosa (não é possível reabilitar os electrochoques???):
“Como pinguins, amamos.
Incondicionalmente percorremos a vida, caminhamos o frio a gelar-nos o coração, os ossos, a vida suspensa, sem rumo
Quando o branco quer dizer solidão, ora felizes na descoberta do outro
Quando chega o momento de saber que és tu, sim, não pode haver engano:
Por ti fiz todas a distância de dias e de noites persistentemente, por ti cheguei quase ao desespero (NR: nós também se esta coisa continua), até que, por fim te encontrei. E, depois como pinguins dançamos, do corpo solta-se um calor que é só nosso, rompem abraços
E, de repente, tudo é alegria, certeza, festa que desejamos não acabe nunca até que a alma se prenda
Definitivamente pela marca inesquecível de um no outro.
Como é possível tanto amor depois de um extremo cansaço (NR: Doping?).
E como pinguins, perguntamo-nos ainda: Sim, afinal o que seria de nós
se um não tivesse realmente o outro?
E como resposta tarde, de novo espera o tempo de esse amor florir e com ele a vontade de escrever:” (E O TEXTO CONTINUA SEMPRE ASSIM DURANTE MAIS 66 LINHAS).

A desordem dos livros

A grande mudança de casa está no seu final. A arrumação dos livros é sempre uma surpresa: “nem me lembrava que tinha esta merda”. Muitas vezes tropeço em textos que me transportam para outros tempos e geografias. Por momentos, volto a folhear autores que me dão jeito para poder responder ao dia a dia. É o caso do “Futebol, ao Sol e Sombra” de Eduardo Galeano. Chego a um capítulo chamado: “Da Mutilação à Plenitude”, reza o seguinte: “ Em 1921, a Copa América ia ser disputada em Buenos Aires. O Presidente do Brasil, Epitácio Pessoa, redigiu um decreto de brancura: ordenou que não se enviasse nenhum jogador de pele morena, por razões de prestígio pátrio. Das três partidas que jogou a selecção perdeu duas.
Nesse campeonato sul-americano Friedenreich não jogou. Naquela época era impossível ser negro no futebol brasileiro, e ser mulato era difícil: Friedenreich entrava no campo sempre tarde, porque no vestiário demorava meia hora a esticar o cabelo, e o único mulato do Fluminense, Carlos Alberto, branqueava a cara com pó de arroz”.

O homem da cavilha

Nuno Simas (Glória Fácil) relata uma pequena história retirada da Visão, ilustrativa do 25 de Novembro: «O apelo à revolta das massas de Duran Clemente foi “cortado”, em pleno directo, cerca das 20 horas, e a emissão passou para as mãos dos “moderados”, no Porto, em directo do Monte da Virgem. Antes de a emissão passar para o Danny Kaye, eis o que aconteceu, na versão de Duran :
“Começaram a fazer-me sinais atrás das câmaras. Não percebi. Já tinha dito antes «eu posso ser cortado a qualquer momento porque a antena está no poder dos Comandos». Mas havia ainda um elemento da RTP, ligado ao PCP, que tinha a cavilha no bolso e andava a fugir aos comandos. De uma cabina, telefonou a um dos meus alferes que estava na televisão e disse-lhe: «Diga ao capitão para se despachar, que não consigo aguentar a cavilha no bolso». E como esse alferes não estava a assistir ao que eu dizia, pôs-se a gesticular atrás das câmaras. O meu primeiro pensamento foi que estava qualquer coisa a arder [risos]. Fiquei desconcentrado. Só tinha uma saída: dizer às pessoas que estavam a fazer-me sinais. Perguntei ao [pivot do Telejornal] António Santos se havia problema – como quem diz: «Há fogo?» E, tau, entra o Porto com um filme do Danny Kaye.”»
O homem da Cavilha é meu conhecido, chama-se Viriato Jordão e é dirigente do Sindicato dos Trabalhadores das Telecomunicações. Durante o dia do 25 de Novembro de 1975 andou nos emissores de Monsanto, acompanhado por oficiais dos comandos, a tentar encontrar para prender o comunista Viriato Jordão (ele próprio), conseguiu manter a representação por algumas horas, até que foi detido por outros comandos, que desta vez estavam munidos de uma foto que o denunciava. Mas mesmo a sua captura não foi pacífica: um oficial dos comandos estava indignado pelos seus camaradas estarem, “por engano”, a prender um homem que durante toda a tarde os tinha estado a ajudar.