Arquivo da Categoria: José Mário Silva

Uma vitória é uma vitória é uma vitória

O triunfo de Cavaco não se discute. Entra em Belém à primeira volta e com a direita às costas (uma coisa nunca vista), enquanto a esquerda perde em toda a linha e por culpa própria (uma coisa vista demais).
Convém, no entanto, sublinhar o óbvio: vencer com 50,6% não é a mesma coisa que ganhar com 56%. Na primeira quinta-feira de “cooperação estratégica”, José Sócrates recordará decerto ao novo Presidente esta evidência.

Domingo

Tive um sonho que era mais ou menos assim: no próximo domingo, às oito da noite, todas as televisões anunciam que Cavaco Silva é o novo Presidente da República, eleito à primeira volta (na RTP com 52%, na SIC com 54,5%, na TVI com 53%), os comentadores debitam as banalidades da praxe, que isto era o resultado previsível, que o homem de Boliqueime geriu bem os silêncios e os timings da campanha, que a esquerda fez mal em dividir-se, que Alegre e Soares acabaram por anular-se mutuamente, patati patatá, rebeubéu pardais ao ninho e agora um intervalo para compromissos publicitários, findos os quais voltam as emissões aos estúdios e surgem os directos nas sedes de campanha, os cavaquistas aos pulos e a fazerem o V com os dedos, enquanto se ouvem lá atrás os plop das garrafitas de 75 cl de Möet et Chandon compradas no Feira Nova e nas ruas cresce o alarido das buzinas que também marcaram presença nas maiorias absolutas de 1987 e de 1991 (mas não na Ponte 25 de Abril, claro está), e agora vamos para a sede de Mário Soares, caras de enterro, e agora para a de Manuel Alegre, só tristeza, e agora Jerónimo, malta cabisbaixa, e agora Louçã, tudo de monco caído, e os comentadores a trazerem novas fornadas de banalidades, será que Cavaco vai respeitar os limites constitucionais, como é que será a coabitação com Sócrates, e entretanto, discretamente, em rodapé, vão passando os resultados apurados pelo STAPE, gota a gota, grão a grão, distrito a distrito, e lá para as duas da manhã, quando acabam de ser contabilizadas as freguesias mais populosas, dá-se o choque, o drama, o horror: Cavaco Silva, afinal, fica-se pelos 49,9% (49,98%, para sermos mais exactos) e vai haver, ó céus benfazejos, a tal segunda volta que todos, ou quase todos, se esqueceram de equacionar.

Atenção, cinéfilos

Há um filme português inédito a passar, em sessões contínuas, na Procuradoria Geral da República (ali para os lados do Príncipe Real, não muito longe da Cinemateca). A história é inverosímil; o realizador, péssimo; mas isso não importa nada quando estamos diante de um objecto de culto. Refiro-me, é claro, ao muito citado por estes dias Envelope 9 from Outer Space.

Ah g’anda Regina

Na rubrica Selecção Nacional, do Público, fizeram a Regina Guimarães (apresentada como “escritora, professora universitária”) a seguinte pergunta: Neste momento, Portugal exporta calçado e têxteis, faz obras públicas e tem a AutoEuropa. Como quer que, na sua área, Portugal seja em 2026?
E a Regina Guimarães, mostrando que tem a língua solta (como prova o facto de ter sido letrista da banda Três Tristes Tigres), responde assim: «Começaria por dizer que não tenho área pessoal – como, cago, devaneio, durmo, sonho, suo e trabalho como quase toda a gente».
O resto do depoimento é, digamos assim, relativamente normal. Mas esta frase tem muito daquele desassombro de que andamos precisados como de pão para a boca.

Secretarias de Estado para todos, já!

Muito se tem dito e escrito sobre o último faux pas de Cavaco Silva: a ideia de sugerir ao Governo a criação de «uma Secretaria de Estado para fazer a lista de todas as empresas estrangeiras e, de vez em quando, falar com cada uma delas para indagar sobre problemas com que se defrontem». Ao contrário do que se escreveu no Aspirina, e sobretudo aqui, eu até concordo com a proposta cavaquista. E a medida, se querem que vos diga, só peca por defeito.
É que não são só as empresas estrangeiras que precisam de acompanhamento. Assim de repente, acho que se justifica a criação:

– de uma Secretaria de Estado para fazer a lista de todos os futebolistas estrangeiros e, de vez em quando, falar com cada um deles para indagar sobre problemas com que se defrontem [pensem no Liedson; lembrem-se do que aconteceu ao Pinilla]

– de uma Secretaria de Estado para fazer a lista de todas as raparigas estrangeiras que se despem em clubes nocturnos e, de vez em quando, falar com cada uma delas para indagar sobre problemas com que se defrontem [a renda em atraso da Irina; os imbróglios da Marilene, às voltas com a burocracia do SEF]

– de uma Secretaria de Estado para fazer a lista de todos os reformados estrangeiros que vivem no Algarve em resorts de luxo e, de vez em quando, falar com cada um deles para indagar sobre problemas com que se defrontem [a entorse no pulso de Bob, contraída numa cervejaria, a desmanchar lavagantes; a ruptura do stock de Chanel 5 em algumas lojas de Vilamoura]

São as que me ocorrem agora. Mas haverá decerto mais sectores profissionais a precisarem de atenção e desvelo governamental, tudo para que se mantenham por cá, tudo para que não se deslocalizem.

O futuro do futuro

Hoje, pelas 18h30, no Jardim de Inverno do Teatro Municipal São Luiz, o “É a Cultura, Estúpido!” vai ensaiar um balanço cultural do ano de 2005, feito por Pedro Mexia e por este vosso escriba. Na rubrica “O que não ando a ler”, falar-se-á dos livros que não lemos em 2005 e dos que não tencionamos ler em 2006.
No tema do mês vamos tentar compreender se o futuro terá futuro quando o futuro for presente. Para discutir a questão, nos seus aspectos científicos, filosóficos, práticos ou nem por isso, estarão presentes na mesa Nuno Crato (matemático e divulgador de ciência) e João Barreiros (autor de Ficção Científica e especialista deste género literário). A conversa será moderada pelo Pedro Mexia, cabendo-me a função de “agente provocador”.
Relatos das outras sessões e tudo o mais que há para saber no blogue do EACE.