Berlim, Fevereiro de 2006
* Para o Pedro Mexia
Logo à tarde, pelas 18h30, no Jardim de Inverno do Teatro Municipal São Luiz, o “É a Cultura, Estúpido!” vai discutir O Futuro da Política.
Estarão presentes na mesa os historiadores Luciano Amaral e Medeiros Ferreira. A conversa será moderada por Daniel Oliveira e Pedro Mexia desempenhará a função de “agente provocador”.
Geração após geração, a poesia portuguesa tem revelado grande qualidade e diversidade. Depois de um século que alguns consideram um “século de ouro” (o século de Pessanha, Pessoa, Nemésio, Sena, Ruy Belo, Sophia, Eugénio ou Herberto), a poesia dos novos autores deve ser vista à luz de uma exigência naturalmente alta. Este é um momento para reflectirmos sobre o estado presente da poesia portuguesa, tendo sobretudo em conta os poetas surgidos nos últimos 20 anos, e projectarmos o seu futuro imediato.
O que é a “nova poesia”? Os poetas novos escrevem necessariamente poesia “nova”? Como se distingue novidade e simples juventude? Que continuidades ou rupturas existem? Quais os poetas canónicos ou marginais que marcam a nova poesia? Que diálogos com outras artes detectamos? Que consciência política? Que afinidades há entre os novos poetas, no estilo ou nos temas? O que significam categorias como “novo realismo” ou “sublime”? Quais são as linhas de fractura? Que lógicas de grupo encontramos? Que sentimento do mundo? Que actividade crítica? Que revistas? Que antologias? Que manifestos? Que consistência tem a nova poesia?
Estes serão alguns dos temas de debate em POLAROIDS, que se pretende uma visão de conjunto sobre a nova poesia portuguesa. Um grupo de poetas e críticos, dos mais entusiastas aos mais cépticos, apresentarão as suas ideias e opiniões sobre a nova poesia.
Em cada sessão serão lidos poemas de sete poetas das últimas duas décadas.Hoje, às 18 horas, no Jardim de Inverno do Teatro S. Luiz:
Gastão Cruz (autor de A Poesia Portuguesa Hoje)
Jorge Reis-Sá (organizador da antologia Anos 90 e Depois)
Luís Carmelo (autor de A Novíssima Poesia Portuguesa e a Experiência Estética Contemporânea)
Nuno Júdice (autor de Viagem por um Século de Literatura Portuguesa)
Moderador: Pedro Mexia
Leitura de poemas por: Rogério Samora
A nossa Vitriolica Webb foi seleccionada para os “blogs of note” do Blogger.
Nos blogues o verbo é fácil: a malta quer escrever e ser lido, ser criticado e contra-atacar o tempo todo. Parece que há tempo a mais, ou trabalho a menos, e a malta não se cansa. O pior que pode haver nisto são consensos, reais ou aparentes: a malta tem de ser do contra, os blogues incarnam a natureza adversarial do combate político, são uma espécie de RGA’s por outros meios. Com alguma distância, quem tiver o verbo mais lento (é o meu caso, não por nenhum tipo de sagesse, mas simplesmente porque escrevo devagar, já a professora da escola primária dizia) vai reparando que, de forma discreta porém segura, as posições vão evoluindo, e sempre num sentido só: o do conflito, que às tantas parece que se justifica por si próprio. Tome-se o caso dos cartoons do Maomé: quem a priori se imaginaria ateu e sem pachorra para susceptibilidades, muçulmanas ou outras, acaba sem dar por isso a defender o indefensável e a negar as mais evidentes evidências; quem normalmente se preocupa com os sentimentos religiosos das massas passa a fazer tábua-rasa do senso comum, torna-se um zelota da liberdade de expressão dos tablóides e descobre nisto tudo uma conspiração do tamanho da terra (ainda vão dizer que foram os serviços secretos sírios que, entre duas bombas em Beirute, fizeram os malfadados desenhos do profeta). Tenho imensa vontade de dizer a toda a gente que tem razão, uns porque sim e os outros porque não. Vou esperando que o pó assente e que alguém se digne a comentar a ninharia que se passou esta semana : a OPA da Sonae sobre a PT, que me parece menos susceptível de produzir os lugares comuns que o episódio dos cartoons não pára de produzir.
Eu até compreendo a raiva dos muçulmanos diante dos 12 cartoons injuriosos.
Mas näo compreendo, nem tolero, a sua resposta.
Bandeiras queimadas? Ataques a embaixadas? Embargos e ameaças de morte? Ódio generalizado ao ocidente, sem distinçöes? Eis a mais estúpida e apocalíptica das reacçöes, a meio caminho entre a loucura e a barbárie.
Se eu fosse um muçulmano indignado, deixava as pedras no chäo e citava Shakespeare.
Aquilo do Hamlet, sabem, sobre haver “algo de podre no reino da Dinamarca”?
Para além de ser mais elegante, era também mais verdadeiro. É que até pode haver algumas coisas “podres” lá para os lados de Copenhaga (os malfadados cartoons, por exemplo) mas o resto do país e os seus habitantes näo merecem levar por tabela.
Há coisas difíceis de explicar. A neve em Lisboa, por exemplo. Ou as proporções atingidas pela polémica em que me quiseram converter, à má fila, no bode expiatório de todos os insondáveis pecados da crítica literária portuguesa. Desde sexta-feira, o tema do “crítico que escreve sobre o livro do amigo” espalhou-se pelos quatro cantos da blogosfera, despertando toda a sorte de oportunismos, hipocrisias, ressentimentos, golpes baixos, demagogias e também, devo assinalar, igual número de reacções equilibradas, lúcidas, sensatas, por parte de bloggers que não se deixam cegar pela esquizofrenia conspirativa e maquiavelicamente moralista de João Pedro George.
Recuperar todos os links, agora, seria fastidioso (muitos deles estão elencados no fim deste post). Quem não acompanhou a história desde o início, acabará por a encontrar, mais ou menos distorcida, numa qualquer esquina deste mundo digital. Se escrevo uma última vez sobre o assunto, é apenas para esclarecer alguns equívocos e deixar bem clara a minha posição sobre esta matéria de tantos melindres.
1. Se descontarmos os insultos gratuitos e a bazófia pachequiana, o cerne das acusações de JPG é este: eu escrevi um texto sobre um amigo meu, Nuno Costa Santos, o que consubstancia gravíssimo crime de lesa-tudo-e-mais-alguma-coisa, além de ser uma prova de preguiça, falta de recursos críticos e de uma escrita “em função de favores” que o Nuno, obviamente, mais tarde reciprocará. Quanto à falta de recursos críticos, nada a opor. Trata-se de uma opinião pessoal respeitável, embora contraditória com esta, assinada pelo mesmo JPG há pouco mais de três meses. Já a insinuação de que concedo “benesses e mesuras a amigos” é, mais do que uma atoarda, um acto difamatório lançado para o ar, à toa, com a soberba e o desplante dos inimputáveis.
2. Na sua verborreia descontrolada, JPG insurge-se várias vezes contra o “bater palmas só porque é meu amigo” ou contra quem diz “bem passivamente, por reflexo de amizade”. Que o meu texto seja tudo menos um panegírico, aliás com reservas explícitas que já sublinhei, foi-lhe completamente indiferente. Prova-se que eu afinal não bati palmas, mas ele recusa-se a voltar atrás. Salta aos olhos que eu estive muito longe de dizer apenas bem, passivamente, pelo tal reflexo de amizade e ele o que faz? Reincide na grosseria e nos insultos. “Repito: o texto que José Mário Silva escreveu é sintoma de medievalismo e de oportunismo. Mais, denuncia a estrutura mental de um crítico que ainda não atingiu a idade de pensar.” Há muito tempo que não via tamanha desonestidade intelectual.
3. Levado pela verve, JPG não se limita a terraplanar tudo o que lhe aparece à frente. JPG também inventa, acrescenta, mente e omite. Mente, por exemplo, quando dá a entender que o Nuno Costa Santos trabalha na redacção do DN. Não trabalha. Nunca trabalhou. E omite, por exemplo, que o Nuno é apenas colaborador pontual do suplemento 6.ª (como foi em tempos do DNA) sem sequer fazer parte da ficha técnica.
4. Deixemos os detalhes e sigamos então para o fulcro do problema: pode-se ou não se pode falar sobre livros de amigos? Neste ponto, concordo com o que Eduardo Pitta escreveu aqui e aqui. Resumo das ideias principais: “Frequentes vezes levantei objecções a livros de amigos, circunstância que afastou dois ou três; enquanto, do mesmo passo, nunca regateei elogios a livros de autores acerca dos quais, enquanto pessoas, tenho as maiores reservas. Mas quando os livros valem por si, a pessoa do autor é irrelevante.” (sublinhado meu); “É de um puritanismo inadmissível pretender que alguém não escreva sobre amigos ou conhecidos. Se as pessoas tivessem um pouco mais de mundo, sabiam que outra coisa não se faz desde Homero”; “O problema não está em escrever sobre amigos e conhecidos, mas na eventual troca de galhardetes, infelizmente comum em certas moradas. Se a recensão for isenta, ninguém pode acusar o crítico de favoritismo”. A minha legitimidade para escrever sobre amigos (e já o fiz no passado, dizendo bem) passa pela consciência de que abordei esses livros como abordaria quaisquer outros: de forma honesta, sem benevolência nem piedade, no pleno uso das minhas faculdades críticas, por muito subjectivas e diminutas que elas sejam. Essa consciência está limpa e não há ataques maliciosos capazes de a conspurcar.
5. Corolário lógico do ponto anterior: mesmo que se possa falar sobre livros de amigos, deve-se falar sobre livros de amigos? Agora mais do que nunca, eu diria: manda a prudência que não. Justamente porque se abre campo a todo o tipo de suspeitas, conjecturas e especulações, esse caldo de que se alimentam os oportunistas da estirpe do JPG. Por muito seguros que estejamos da nossa honestidade, nunca faltará quem se disponha a duvidar dela e a tecer as mais estapafúrdias conspirações. Até porque o que há mais para aí são fretes verdadeiros e miseráveis conúbios, secretos ou às escâncaras. Não é pelo facto de JPG ter falhado o alvo que o alvo deixa de existir.
6. Concluamos. Foi legítimo escrever sobre o livro do Nuno Costa Santos? Tenho a certeza que sim. Era aconselhável escrever sobre o livro do Nuno Costa Santos? Admito que não. Porque raio escrevi eu então sobre o livro do Nuno Costa Santos? Para ser o mais sincero possível, foi uma contingência, mais do que uma opção. E o Nuno Costa Santos, vítima colateral deste processo todo, nada teve a ver com essa contingência.
7. Coda: há muitas pontas por onde pegar na problemática da crítica literária; pena é que o JPG tenha escolhido logo a mais fútil e insignificante.
Game Over.
Pela minha parte, o “banzé escusado” termina aqui.
[Post publicado em A Invenção de Morel.]
Na sexta-feira passada, o indómito e virginal João Pedro George, talvez à míngua de figuras para zurzir, pegou no suplemento 6ª do DN, viu-me a jeito nas páginas dedicadas aos livros, pensou “não é tarde nem é cedo” e vai de desancar-me à antiga portuguesa neste post, rapidamente comentado por Pacheco Pereira, que não perdeu tempo a ampliar a tese conspirativa («há hoje no mundo literato vários sistemas e subsistemas grupais competindo pelos mesmos “bens”, influência, artigos, colunas, programas de televisão, entrevistas, promoções, editoras, colóquios») e a apontar o dedo a esse grupo semi-maçónico, presume-se, que «ia do defunto DNA, para o grupo do “É a Cultura, Estúpido”, ou as Produções Fictícias». Com o Abrupto na liça, o que podia ser um mero post azedo do JPG transformou-se num verdadeiro caso que já se ramificou em várias direcções, numa trama de links que ainda não pude visitar na totalidade.
Se só respondo agora, é porque só agora voltei a ter alguns minutos (poucos) para dedicar aos blogues. A vida tem destas coisas: cai-te em cima uma polémica das boas precisamente numa fase em que o trabalho não dá tréguas e a internet desceu vertiginosamente na lista de prioridades. Mas isso pouco importa. Mesmo sem saber se conseguirei abordar as principais questões levantadas, queria voltar, se me permitem, ao princípio de tudo. Isto é, ao texto que motivou a indignação do JPG. Será que alguém o leu? Será que alguém foi ver o que havia ali de tão grave, de tão indecoroso, de tão amiguista? Não me parece.
Sendo assim, antes de focar outros aspectos deste «banzé escusado», como lhe chamou certeiramente um amigo, talvez seja melhor começar pela republicação dessa fatídica notinha que não chega, vejam bem, aos 2000 caracteres (nem sequer lhe consigo chamar recensão, quanto mais crítica):
Andar na rua com um pêlo na boca
Um homem cai para trás, fulminado por um raio. É este o símbolo da Livramento, uma editora recém-nascida que pretende marcar a diferença, no panorama sobrelotado das pequenas chancelas (quase sempre com dois sócios cheios de genica mas com pouco dinheiro), pelo arrojo do grafismo. Basta olhar para o rosa shock da capa do primeiro livro para perceber que é possível, afinal, encontrar volumes de poesia que prescindem, no frontispício, das cores neutras ou do inevitável quadro de Edward Hopper.
Estreia poética de Nuno Costa Santos, jornalista que já publicou uma colectânea de narrativas interligadas (Dez Regressos, Salamandra) e mantém um popular blogue de posts curtos (http://melancomico.blogspot.com), Os Dias Não Estão Para Isso diz ao que vem logo nas epígrafes: Fernando Assis Pacheco (“Peçam a grandiquolência a outros…”), Alexandre O’Neill (“…adoptemos o prosaico…”) e Raymond Carver (“Sentia-me esquisito, a andar pela rua com um pêlo dentro da boca”).
A partir destas três referências, NCS estrutura uma aproximação à poesia que é sempre uma forma de sabotagem da poesia (ou, pelo menos, sabotagem da sacralização do sublime que ainda é bastante notória em muita da produção contemporânea).
Nestes versos de um lirismo sempre irónico – e por vezes ingénuo – não há pose, não há verve, não há um rasto que seja de solenidade. Descrevendo aspectos da sua vida pessoal e da respiração do bairro onde vive, NCS assume como programa uma “tabela de ninharias”, onde o Fórum TSF, a fisioterapia das “veteranas senhoras”, a bica pingada e a sinusite coexistem com vislumbres da beleza escondida das coisas ou com a nostalgia da infância nas ilhas.
É uma escrita arriscada e desigual, no fio da navalha, por vezes excessivamente rasa. Quase poemas de um quase poeta capaz de versos completos. Como estes: “Lembra-te que na dúvida / as pessoas não amam.// Que antes da dúvida / há muitos territórios // e que nenhum deles é o amor”.
Os destaques a negrito dispensam, parece-me, mais comentários. Às outras questões da polémica regressarei logo que possa.
[Este post foi igualmente publicado no blogue A Invenção de Morel.]
Top-5 do Blogómetro (hoje):
1- Aqui é só gatas
2- Sexo na Banheira
3- Pitas Nuas
4- Abrupto
5- Apanhadas na Net
Pacheco Pereira faz-me lembrar a criança holandesa daquela velha história moral, aguentando com o dedinho na fenda o dique da blogosfera, enquanto do lado de fora há um oceano de pornografia a querer entrar. E o pior é que até esta imagem tão cândida, hélàs, se torna abruptamente suspeita.
– Olha lá, o vosso Rodrigo Moita de Deus não é o Rodrigo Moita de Deus, pois não?
– É, é.
– Não pode ser.
– Mas é.
– Não é.
– É.
– Não é.
– É.
– Não é.
– É, é.
– A sério?
– A sério.
– O do Acidental?
– O do Acidental.
– Não pode ser.
– Pode, pode.
– Não pode ser.
– Pode, pode.
– Não pode ser.
– Pode, pode.
– Já parecemos um sketch dos Gatos Fedorentos.
– Pois parecemos.