de fazer parar o trânsito

A rua é sossegada e o sentido único. Desisti de atravessar, na passadeira, ao ver que o automóvel vinha demasiado depressa. À última hora estacou. Seguiu-se ruidosa travagem de quem vinha atrás. Enquanto atravessava, o velhinho ao volante do primeiro carro dirigiu-me um sorriso apologético e baixou os olhos, envergonhado. Devolvi-lho, acenei que não, encolhi os ombros.
Atrás dele, de janela aberta, o homem novo meneia a cabeça, não e não, reprovador. Duas pregas fundas encimam-lhe a cana do nariz quando explode em direcção a mim:
A promover acidentes!

80 thoughts on “de fazer parar o trânsito”

  1. Típico jagunço do volante luso, mais perigoso e mortífero do que um operacional terrorista.

    Já me aconteceu parecido, mas eu ia a meio da zebra. O filho duma grandecíssima rosnou-me se eu queria morrer.

  2. exacto, nik. uma vez, numa passadeira onde ninguém parava, uma agente da PSP disse-me que atravessasse, se me atropelassem a culpa era deles. grande consolo.
    espero que lhe tenhas rosnado de volta, mais alto e melhor. eu, confesso, vinha tão distraída a saborear a primavera que só tive tempo de ficar atónita, e já ele dobrava a esquina.

  3. uma vez, a atravessar uma passadeira na rua do Campo Alegre, no Porto, fiquei a meio… com carros a passar à minha frente e atrás de mim :S E pela cara dos srs condutores eu é que tinha cometido o erro de ter avançado na passadeira…

  4. Uma verdadeira e estonteante Kelly leBrock…
    A outra hipótese a “parar o trânsito” seria estancá-lo… bem pior…
    A verdade é q somos uns selvagens….a conduzir e nos comportamentos cívicos…. beatas pela janela, beatas disparadas das mesas dos cafés, ao balcão…. umas verdadeiras fisgadas de beatas é o q se vê no nosso dia a dia

  5. joão pedro: trabalho por lá, mas não vivo lá. Isso faz com que sejamos vizinhos durante o dia?! ;)

  6. Eis um magnífico post, com o qual me identifico absolutamente, Susana. Acontece-me muitas vezes fazer parar o trânsito. Há uma pequena nuance, normalmente são mulheres que param na passadeira e, de dentro dos seus descapotáveis, retiram lentamente da cara os óculos Prada e, enquanto passam a língua pelos lábios, perguntam, sussurrantes, se quero que me levem a algum sítio.

  7. às vezes quando estou no mundo do transito (seja a pé, seja de carro, de autocarro) penso que o modo como reagimos é um excelente modo de medir o modo como estamos: o ar de reprovação, o franzir do sobrolho, o abanar da cabeça, etc.

    É só pena que não tenhamos espelhos retroprojectores para nos vermos… então já pensei em vender a ideia de fazer testes de psicológicos baseados na maneira como estamos no “transito”. Imaginem a riqueza! Podia-se fazer uns para as consultas de psicologia (e também psiquiatria, porque não) e depois fazer umas versões mais “light” para jornais e revistas.

    Se conseguir organizar-me para construir tais testes está decidido que uma das avaliações será: hoje está de fazer parar o transito!

  8. dina: sem dúvida, um belo exercício. Não nos podemos é esquecer de fazer um certo desconto, já que sempre nos sentamos ao volante de um carro, o nosso ego expande-se proporcionalmente à cavalagem do dito cujo. Falo obviamente em nome dos gajos. Não de todos. Só dos “bons”.

  9. noveetal, alinho na divulgação, sim, mas acho que é uma lírica solidariedade. pena não ser doutoramento, sempre poderia transferi-lo para cá.

    ana, pois claro: não lembra atravessar a rua na passadeira. fora dela é que é, sempre se conta com o factor surpresa.

    elypse, é uma boa explicação para não me ter visto a tempo na passadeira. afinal a senhora é ícone do seu tempo.

    zé, agradeço. realmente é um feito fazer parar o trânsito na passadeira. requer audácia.

    luis eme, afinal são virtudes ou são coisas graves?

    joni, verdadeira, não: falsa. e para melhor. estás a fazer um mea culpa por causa das beatas? fazes muito bem. não se deve atirar beatas para o chão. nem pastilhas elásticas.

    claudia, se via mal e não os trazia, ficaria explicado porque só me viu em cima da passadeira. mas seria deveras preocupante.

    comendador, tem ouvido de tísico, para conseguir ouvi-las a sussurarem no meio do barulho dos motores, ou elas até deixam o carro ir abaixo?

    dina, certo, mas não esqueças que muita gente muda de comportamento quando entra no carro, ou quando lida com o trânsito. claro, esse mesmo facto permite aferir reacções em situações-limite.

    z, exactamente! :)

    agent, bem visto. não me tinha lembrado dos que ficam com melhor feitio.

  10. Nestas alturas em que deixo de fumar e ando com um humor muito macio dá-me um especial gozo cruzar-me com gente simpática, como esse tarzan do volante… sei lá, fico mais aliviada…

  11. A mulher era irritante, convenhamos. E o puto era uma peste de encanto, hiper activo, lindo de morrer. Contei trinta e dois ’tá quieto’ e doze ‘apanhas!’ em poucos minutos, mais um menos um. Ele saltava para aqui, mexia ali, gritava acolá e aporrinhava o juizo daquela mulher vestida nem bem nem mal, penteada nem bem nem mal, quase camuflada na selva dos dias. O garoto saltitou no passeio à minha frente uns bons metros, de um lado para o outro, de trás para a frente ao ritmo do aviso constante da mãe. Com o jardim à vista não resistiu e atravessou sem dar tempo ao grito materno. Já tinha chegado ao outro lado quando o grito de se fez ouvir, tão alto que o fez estacar. E bateu-lhe por certo a enormidade do erro, tantas vezes repetido, não se atravessa a rua sozinho. Hesitou nas pernitas bambas, mas a obediência veio com a consciência. Largou a correr de volta para junto da mãe.
    O carro apanhou-o de raspão, mas bateu forte. Partiu-se contra o lancil do mesmo passeio onde queria chegar. Veio a vizinhança, veio o INEM, veio a polícia e veio o fim da tarde com aquela mulher enrolada num canto, perdida em si mesma, ausente da vida, casaco e chapéu do filho na rodilha das mãos e a repetir a mesma frase, vezes sem conta e a todos os que se chegavam. «Nunca fiz nada de jeito, nunca. Nunca fiz nada de jeito nesta vida». Ouvi duas vezes, que não tive tempo de fugir da segunda. Mas ainda lhe vi, de relance, os sapatos velhos e cambados, e o olhar com um vazio de mil mundos.
    A mulher era irritante, convenhamos. E o puto era uma peste de encanto, hiper activo. Lindo de morrer.

  12. Susana,

    (tiveste sorte em não te ter visto na passadeira – perde-se com cada oportunidade)

    do meu tempo… sim. vi o filme em São Paulo. na altura tinha uns 14 anos

    também tenho, como muitos, o gosto por carros. participei em ralis piratas nos anos 90 – kitava os carros (os tais tunning). cheguei a dar 180 km/h dentro de Coimbra – coisa para peritos, como se pode depreender :) fazia certas rotundas todo de lado (pró style), a 140 km/h :)
    já naquela altura, levava co-piloto, com câmara, para filmar as “ratadas”. arrebentava na ordem dos 8 contos em gasolina por dia…

    presentemente sou bem mais consciente em relação à condução (convinha este pormenor, fica bem) – mas continuo a adorar o despique e a velocidade.

  13. Obrigada susana!

    é solidariedade, pois. até pode parecer lírica, mas eu acredito muito que vamos conseguir levar a sete à Colômbia.

    um beijo e obrigada.

  14. Em Coimbra Elypse?? Havia por lá um com esses trajeitos a quem chamávamos o Cambalhotas, por tantos carros ter virado. Ali ( ou lá…) nas rotundas da Solum, era um mimo vê-los voltear de rodinhas para cima… Será que deixastes de fazer voltas perfeitas no ar e agora és mais eliptico? É que gosto sempre de encontrar velhos conhecidos por aqui.

  15. Teresa, (como curiosidade, a única mulher com que estive casado tem o teu nome e tinha uma amiga com o mesmo nome, o que ajudava)

    em Coimbra já dei muitos cambalhotas, mas noutros contextos ;)

    não se trata da eventual pessoa que “conheceste” – nunca estampei nenhum carro. já bati por duas vezes, e sabes o que é mais caricato: sempre a velocidades baixas. talvez os tais toques que dei se devam ao facto de andar sempre em alta rotação – ao andar devagar há tendência para subestimar… depois, distraio-me frequentemente com “susanas” – e existe, ainda, o pormenor do problema se poder dever ao efeito “crash” – mera vontade de comunicar…

  16. Elypse

    Como curiosidade, nunca estive casada portanto meu ex marido não deves ser. Quanto a meu amigo, deixa ver… sim, tenho um com uma ex-mulher chamada Teresa, mas como nunca ajudei a festa nenhuma também não deves ser tu.

    e em Coimbra, tal como vem em qualquer sebenta, não faltam razões para se darem cambalhotas, que as pedras das calçadas são muito escorregadias…

    o efeito crash é que eu acho um mimo. digam lá meninas se nunca sonharam com uma daquelas cenas de filme em que o vosso carro é ligeiramente (também não exageremos no estrago da lataria,…) abalroado por um condutor distraído, mas por acaso alto, lindo, simpático, com um sorriso deslumbrante e que se oferece para pagar um copo que acalme a nervoseira?

  17. já agora…

    alguém, caso não seja o próprio a responder, me sabe informar se este joão pedro da costa é o autor “das solidões, a alma”

  18. Teresa, bem sei que se dirigiu às meninas. Mas não resisto a partilhar consigo que a cena que refere não é cena de filme, acontece mesmo de cada vez que tenho um pequeno acidente.

    (com a nuance de substituir o “alto” por “extremamente inteligente”)

  19. Ana, e então, conta o resto, vá…

    Comendador, o extremamente inteligente também serve desde que o sorriso deslumbrante se mantenha… disso é que não prescindo…

  20. que curiosa Teresa;) foram uns tempos bem passados. não se ficou pelo copo que o estrago na lata foi bem grande, e é necessário haver uma certa proporcionalidade não?! eh eh

  21. Claro que sou curiosa, mas estava mesmo preocupada era com a recuperação dos estragos na lataria… fico bem mais descansada se a regra da proporcionalidade ficou devidamente acautelada…

  22. teresa, imagino… e é também para isso que nos serve o trânsito e os maus comportamentos dos outros: para lhes reagirmos, catarse!

    rvn, foda-se, essa história doeu.

    comendador, conte lá essa ancestralidade.

    elypse, tive sorte…? ui.

    noveetal, oxalá.

    ana, aprovo muito esse serviço completo de bate-chapas.

  23. rvn,
    acho que faço das palavras da Susana as minhas… tenho um nó no estômago, uma coisa apertada, apertada. Senti-me “ali” a assistir…

  24. vou lá quase todos os dias cheirar – aqui hoje esteve um Sol magnífico, mas é melhor não dizer onde é que gosto de ter espaço para a sombra, questões de proporcionalidade

    tu és uma sortuda, cavalos e tudo, mas eu não sou imbejoso é o que vale, dou um passeozinho mental

  25. caramba, hoje até vi telejornais para me rir, e ri, mas já fiquei enjoado

    imagino que a bruxa vá ganhar, até aí tudo bem, é a verdadeira cara do PSD, mas se os portugueses lhe dão uma vitória, que não posso crer, é que farei tudo para conseguir outra nacionalidade

  26. já percebeste que a minha doença são as burocracias? Tiques de neanderthal. Já me fizeste rir até ao tecto. Agora vou para o Berequias Zarco que o rapaz é giro e aguentou cá uma que não te digo nada

  27. susana, raquel,
    Obrigado, é um texto de Janeiro deste ano de que me lembrei mal li o post. Foi automático, são ambos retratos de rua. De parar o trânsito.

  28. Elypse, respondendo à tua questão relativamente a “das solidões, a alma”, penso que sim e olha que prefiro os poemas dele aos teus. Não leves a mal…

  29. acho que já te disse, mas volto a dizer – a capicua mais perfeita é a palavra “ovo”. Pode ser lida nos dois sentidos e pode ser lida se invertida num espelho.

    (houve uma altura que corri tanto atrás de capicuas que o meu horário interno ficou treinado e olhava sempre para os relógios digitais quando a hora era uma capicua… sim, sei que sou assim a modos que passadinha de todo…)

  30. pois eu também espero que o alzheimer me livre disto lá mais para a frente, que não gosto de trabalhos forçados ainda por cima voluntários – imagina que agora dou mais importância aos sms que me chegam em hora capicua, fico logo a pensar que é um enlace fatal

    eu não uso relógio apesar de ter uns poucos por ali

    uso é Sol, meu Amigo

    lá vou eu (toda a prudência aconselha chapéu, a ver se tenho juízo desta vez)

  31. Ò Susana, por acaso até tenho no meu arquivo de preciosidades uma ilustração que protagonizas com a qual se explica sem palavras (como eu fiquei por detrás da objectiva) esse teu efeito semáforo…
    Posso chantagear-te, só um bocadinho, só?
    :)
    (E como ninguém respondeu ao Elypse, respondo eu: o João Pedro da Costa não existe, é o heterónimo de um gajo que dantes blogava muito bem.)

  32. Cláudia,

    não tenho nada que levar a mal – gostos não se discutem, e preferências ainda menos :)

    se é ele, tivémos uma breve passagem, salvo o erro em 2004 (numa junta de freguesia do Porto – não sei, agora, precisar qual), durante a leitura do livro em questão e alguns poemas…

  33. era gaijo, claro, mas estou para aqui a fazer 500 coisas ao mesmo tempo…

    e tens de mudar alguma coisa? talvez me baste conhecer uma perspectiva diferente…

  34. teresa,

    momentaneamente pensei que tinhas o condão de mudar gostos através da discussão e pensei: é de uma mulher assim que preciso – tudo porque, confesso, tenho imensos gostos que me dão desgosto…

  35. bem, com esses des gostos vais ter de ficar… mas também te esclareço já que tu poderias precisar de uma mulher assado, agora eu nunca precisaria de um homem que precisasse de uma mulher que lhe mudasse assim os gostos…

  36. que te os mude ou que os troque por uns novos e prontos a usar? (e com esta conversa toda estou para aqui a tentar trautear uma canção que nem sei mas que me saltou e que é qualquer coisa como ter o gosto de não ter o desgosto e do resto não me lembro)

  37. olha lá, não te ensinaram a não dar emails assim na net??

    (ok..ok…eu tenho letra de boa pessoa… eu e os outros dois leitores do aspirina…)

  38. Ora nem mais, Ana. Moro nas traseiras do edifício da UP que fica em frente à Alicantina (isso faz sentido?). Aliás, da janela do meu sótão, vê-se a porta do Alicantina, o que deve dar direito a um vice-versa.

    Quem me dera trabalhar no Campo Alegre, caneco.

  39. Vou hoje jantar ao Alicantina. Vou com um cravo vermelho no decote para que me reconheças.

  40. Não temes a minha chantagem?
    Mas olha lá, tu queres ver a expressão de busca “susana do aspirina” a subir nos topes do google?
    Vê lá, vê…

  41. (Por “subir” entenda-se “disparar”, considerando a força da imagem em causa. Pelo menos eu gosto muito lhe dar uma vista de olhos de vez em quando, na óptica da prevenção rodoviária…)

  42. olha lá tubarão, só ameaças e não mordes?? estamos à espera…. (Susana desculpa, mas nestas coisas da cusquice não há solidariedade de espécie alguma…)

  43. João Pedro: eu trabalho nesse edifício da UP em frente à Alicantina :D. isto há coincidências do caneco;) [concordo com a crítica gastronómica à Alicantina; além do mais não se vêem muitos sorrisos por lá… e é coisa que me chateia…]

  44. está certo, começa-se na passadeira de peões e acaba-se nos grelos salteados, espero que com torresmos

    agora ando gamado em tortas de Azeitão

  45. Devem estar a gozar. Ja vi o Menezes a sair do Alicantina do Campo Alegre… Agora entendo porque desitiu da liderança: indigestão.

  46. portanto: hoje fui um sapo diligente, fui à ribeira caçar pedras e cacei uma bonita e pesada. Já está resguardada. Sabes o que poderá querer dizer ‘opus signinum’, além do material deve ter uma conotação simbólica. Desde que tropecei no fideicomissum fiquei com uma orelha arrebitada, quando me falam latim com som bonito. Agora vou dar outro giro a ver o que me sai na rifa,

  47. Ana: inacreditável!

    Muito pertinente essa tua observação sobre o Alicantina. A simpatia é, de facto, coisa que não abunda por aqueles lados. Até o pequeno almoço deixei de lá tomar – agora tomo no Café em frente ao Jardim Botânico, sítio mundialmente famoso pelo facto dos empregados fazerem as contas de cabeça e, claro, pela sua agradável esplanada.

    A propósito, sabes que mais abaixo (acima? enfim, em frente à Duvália, onde era a antiga farmácia), a minha vizinha (uma bacana chamada Rita) abriu uma magnífica «mercearia» (é mais loja gourmet) chamada Beringela. Tens absolutamente de ir lá e, vai por mim, compra uma caixa de biscoitos de Vinho do Porto. Vais delirar.

  48. Conheço a zona do Campo Alegre de cor devido à residência universitária. No dia em que tive de deixar o meu quarto metido no Jardim Botânico (eu ouvia os pássaros a cantar de noite em pleno Inverno), fiquei mais do que triste. Fiquei uns instantes a observar aquilo tudo da janela para que a imagem nunca me saísse do cérebro. Quanto ao café com esplanada, LOL, tenho uma recordação caricata. Pois estava a tomar café com uma prof da fac e caiu-me em cima da cabeça um rebento de não sei o quê de um vaso que se encontrava numa varanda acima. LOL. A prof achou piada. Eu já não. Nenhuma.

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