Não deve haver em Portugal muitas mulheres que enverguem a burqa. Eu ainda não vi. O niqab sim, já vi, e fiquei bastante impressionada com o conformismo e o estoicismo que aquelas mulheres revelam, sobretudo no Verão. Mas hoje, as notícias dizem que foi votada, assim de repente, uma proposta do Chega na Assembleia da República que visava a proibição (ao que parece apenas da burqa!) no espaço público invocando razões de segurança e de igualdade.
Evidentemente que, vinda do Chega, esta proposta tem todas as intenções e mais alguma menos a de garantir a igualdade entre os sexos. No entanto, expurgando a proposta dos seus autores do momento*, todos devíamos concordar que a burqa ou o niqab, pelo que representam de opressão das mulheres (e as iranianas que o digam), não podem ser aceites no espaço e nas instituições públicas de um país ocidental civilizado. Fora de casa, as mulheres não devem transformar-se em vultos, sem identidade, sem personalidade, sem corpo, por força de princípios de insegurança masculina, ou de convicções sobre a inferioridade feminina, ditados sabe-se lá por que tarados há não sei quanto tempo.
Antecipo já as idiotices que irão ser ditas sobre a liberdade de cada um de escolha da indumentária, a liberdade religiosa, a comparação com as freiras católicas, a tolerância e por aí fora. Não me convencem. Nunca me convencerão. A burqa e o niqab são mais do que uma indumentária, são um símbolo de uma civilização oposta à nossa (inferior mesmo, arrisco dizer) em matéria de costumes e não só, não são uniformes de uma congregação restrita que, só por si, não representa a posição do catolicismo em relação às mulheres, e só são impostas às mulheres. Além disso, considero o voto contra um desrespeito por todas as corajosas raparigas e mulheres que foram presas ou mortas em determinados países por quererem desenvencilhar-se de tais trapos e deixar o cabelo ao vento. A posição do PS é incompreensível. O que é que acontecia se tivessem votado a favor? Nada de mal e tudo de bom, assim tivessem querido ao mesmo tempo subalternizar o Ventura e sus muchachos (machistas e boçais) e defender os valores da dignidade, da igualdade, da liberdade e distanciar-se de vez dos retrógrados da geringonça, que se borrifam para todas as religiões (e bem), menos a islâmica. Mas está difícil. O argumento de que, assim, as pobres mulheres não vão sair de casa é risível, além de ridículo. Pelo contrário, se a perspectiva é a de não poderem sair de casa, talvez façam qualquer coisinha para sair dessa escravidão. Estão em Portugal, afinal.
*A propósito do asterisco lá atrás, deixo aqui a lista dos países europeus que proibiram ou restringiram o uso da burqa ou do niqab em locais públicos, instituições de ensino, hospitais, etc., sem que tivesse sido o André Ventura, demagogo e populista execrável, a propor:
França, Bélgica, Áustria, Bulgária (proibição total); Países Baixos, Dinamarca, Alemanha, Suíça, Itália, Espanha (Catalunha), Noruega (proibição parcial ou localizada); Bósnia e Herzegovina, Kosovo, Rússia (proibição em certos locais/regiões).
As razões foram várias, mas não certamente o racismo. Se tiver sido a islamofobia, a culpa é deles? Deve haver sequer culpa?