
Rodagem do Steps
BLOCO#11
Eu edito-me, tu editas-te
O João Pedro George informa, no Esplanar, que valter hugo mãe (assim, sempre com minúsculas e sem acento), um dos fundadores da Quasi, criou recentemente uma nova casa editorial, a Objecto Cardíaco. Óptimo. Queremos editoras. E valter hugo mãe fez, na Quasi, um magnífico trabalho.
Mas, que vemos? Que a Objecto Cardíaco acaba de editar o «Livro de Maldições» de… valter hugo mãe. Quer dizer: um dos primeiros livros, possivelmente o segundo, da juvenil editora é do próprio responsável da casa.
Trata-se, ainda assim, de um exemplo de discrição, já que conhecemos editores (pequenos, mas que julgávamos sérios) que oferecem ao mundo, antes de quaisquer outros, um livro próprio. Dão a desconfortável (ou descarada…) impressão de terem fundado a casa para se darem, a si mesmos, em repasto.
João Pedro George, que sabe fazer levantamentos, bem poderia ir mapeando os auto-editores portugueses. Bom proveito.
Mariazinha
Literaturas ibéricas? Ufff, que alívio!

O «Público» de hoje trazia um apontamento de Raquel Ribeiro sobre um importante encontro literário na Póvoa de Varzim, que dá pelo inventivo nome de «Correntes d’Escritas». Trata-se de um acontecimento anual que reúne escritores de língua portuguesa e espanhola. Nele surgem sempre autores portugueses, galegos e espanhóis, mas também africanos, brasileiros e hispânicos. Lembro-me de um ano em que estive à conversa com Ubaldo, Scliar e Sepúlveda. Bom, conversa… Ao pé de sumidades assim, embatuco.
Na Póvoa, lê-se, escuta-se, debate-se. E este ano um dos temas (se bem reconstituo) foi: «Literaturas ibéricas: realidade ou mito?». Moderou a discussão Eduardo Prado Coelho que terá afirmado (sei-o de outra fonte) ser o evento «um marco fundamental da vida literária nacional», e a «exímia organização» de louvar. E é uma singela verdade: a Póvoa esmera a cada Fevereiro.
Mas agora as «Literaturas ibéricas». Lia-se no «Público»:
«Se houvesse um referendo sobre se as literaturas ibéricas existem, o escritor espanhol José Manuel Fajardo votaria “sim”. O escritor Mário de Carvalho disse que essa “não era propriamente uma pergunta a que tenha de responder”. O brasileiro Luiz Ruffato não sabe a resposta, mas diz que “elas tentam criar diálogos entre os homens”. O angolano Manuel Rui fala de “transidentidade” porque “nunca ninguém pode ser encontro a sós com o umbigo do eu”. E o português Pedro Eiras perguntou: “O que eu escrevo é literatura de língua ibérica? Então quer dizer que eu sou um mito?”»
No debate, «todos acabaram a falar de nacionalismos, de fronteiras, de penínsulas “que transbordam para vários istmos que somos todos nós”, disse Manuel Rui. O angolano sente-se mais próximo do Brasil do que de Portugal e Ruffato admitiu, com pena, que o Brasil “sempre virou costas para os países de língua espanhola da América Latina” e está mais próximo dos EUA do que de Portugal.
«Não se pode, assim, “compreender a Espanha sem Portugal, a América sem a Ásia”, diz Fajardo, porque há “fluxos, vínculos e influências permanentes”. Essa é a “essência da literatura”. Pedro Eiras está de acordo. “Não acredito em fronteiras”, diz. “Nunca reparo na morada da minha língua”.»
Uff, que alívio! Podia recear-se que, no calor da camaradagem, se erguesse por ali o fantasma ibérico. Feitas as contas, só Fajardo o encarnou, ao produzir o pitonísico teorema de ser a Espanha incompreensível sem Portugal.
Razão teve o excelente Mário de Carvalho ao dizer que o haver ou não literaturas ibéricas não era pergunta a que «propriamente» tivesse de responder.
Para pitonisa, pitonisa e meia.
1ª Obra Pública de José Sá Fernandes
Votei neste homem por me parecer ter a alma indicada para a função. O facto de contar com o apoio do BE, e assim suscitar reacções alérgicas de alguns bloquistas, foi mais uma agradável surpresa a juntar-se à sua candidatura. O José mostra possuir aquele intangível concreto que nem pais nem professores já cuidam de promover – o carácter. Moldar o carácter dá trabalho, leva tempo e é sempre uma empresa de destino incerto. Mas, mais luciferinamente, o vulgo constata ser o carácter uma dimensão que só atrapalha o rumo dos negócios mundanos. E com razão.
A aprendizagem da corrupção é, talvez, a disciplina mais bem sucedida do currículo secreto dos modernos. Começa na família, essa selva dos afectos, onde há desvairados pesos para a mesma medida. Continua na escola, local do tirocínio para a manipulação. Conclui-se no mercado de trabalho, em que é prática normativa. É corrupção a lógica da cunha, a fuga aos impostos, a complacência com as patologias dos incompetentes, a passividade na auto-formação, o medo perante a violência de terceiros, a destruição ambiental, o desprezo da política. Até os chico-espertos que se metem por uma bomba de gasolina para assim passarem à frente dos que estão parados no trânsito, ou que vão até ao limite de uma saída de via entupida e depois se atravessam à frente de quem lá chegou a passo de caracol, são corruptos. Que não espante, depois, as notícias relativas a casos de corrupção causarem esse misto de satisfação anal por alguém poder vir a ser castigado e de identificação aspiracional com o corruptor e o corrompido; no fundo, apenas vítimas do azar (isto é, da aselhice) de terem sido apanhados.
Se fosse eu a mandar no BE, ia por esta via com obsessão metódica: apoiar independentes. E se quem mandasse no BE fosse eu, acabava com esta tentação: o culto de personalidade à figura do Francisco Louçã. O menino tem apetência para tal – como se viu no discurso espontâneo na noite das eleições presidenciais, só para citar um caso próximo e paradigmático – e quem o cerca tem sido amável cúmplice. Aliás, espanta-me (porque sou ingénuo) a falência dos partidos de Esquerda com representação parlamentar (pelo menos, destes) naquela que deveria ser uma das tarefas mais urgentes no seu ofício: a denúncia da corrupção. Deputados com imunidade parlamentar e acesso a fontes de informação vastas, precisas e exclusivas, não aproveitam os meios para combater a corrupção. Em mais de 30 anos de democracia, é o marasmo que todos conhecemos e legitimamos. Escusam de tentar explicar, já sabemos pela leitura dos jornais desportivos como os sistemas são diluentes da coragem e da dignidade.
Como estaríamos em Portugal se a classe política fosse constituída pela fibra que José Sá Fernandes e irmão acabam de exibir? Como estaríamos em Portugal se quem nos governa tivesse o amor à Cidade que o idealista-pragmático-íntegro-lírico-pain-in-the-ass José revelou? Não estaríamos em Portugal, seria a resposta.
As tristes aparições a que hoje temos direito
Um conto de fadas
Eduardo Pitta expõe uma ideia esclarecedora: se a operação policial que foi sujeito o 24 Horas se tivesse passado com um jornal “sério”, teria caído o Carmo e a Trindade. Tenho, sobre este assunto, uma historieta lateral.
Eu que trabalho para viver, já fui jornalista no 24 Horas. Não me arrependo de lá ter estado, assim como fiquei aliviado quando sai. «Não entendia o “produto”», como diziam os directores, com a graça de quem faz “o jornal que mais subiu de vendas”. Mas o “produto” tinha uma regra admirável: não publicava mentiras. E quando se enganava, desmentia tudo com grandes parangonas. Claro, que não pretendo que a regra se aplique a alguns jornais de referência, estou de acordo que seria muito enfadonho ter que ler edições inteiras com desmentidos, mas podiam aprender com a ralé. O director do 24 Horas, Pedro Tadeu, antigo jornalista do Avante, actualmente, apostado em fazer o jornal mais alienante possível, assumia esta limitação, dizendo que o seu jornal não tinha credibilidade suficiente, para se dar ao luxo de publicar uma mentira.
Alguns meses depois, ajudei a organizar uma manifestação contra a ocupação do Iraque. Durante o desfile, a organização ambientalista GAIA tinha criado uma peça de rua, em que participavam figuras mascaradas de soldados norte-americanos, bombistas suicidas e vítimas civis. A encenação pretendia exprimir que a escalada da guerra era louca e assassina.
O jornal Público estampou nas suas páginas, para ilustrar a manifestação, uma fotografia com uma legenda que garantia que os manifestantes tinham-se vestido de bombistas suicidas. Em nenhum lugar da notícia era enquadrada e explicado esse acto.
Aproveitando a fotografia, o impoluto e imparcial José Manuel Fernandes fez mais um editorial a afirmar que os manifestantes contra a guerra eram apoiantes declarados do terrorismo internacional e escandalizou-se que os manifestantes tivessem permitido gente a homenagear os bombistas suicidas. A seguir do guru, as hienas menores replicaram o mesmo argumento em várias crónicas.
Identificando-me como um dos organizadores da manifestação, pedi esclarecimentos ao provedor do leitor da altura, o jornalista Joaquim Furtado.
Na semana seguinte, saiu a sentença salomónica :
1. Consultado o director José Manuel Fernandes, o próprio desmentiu ter tentado aproveitar uma fotografia enganadora para desqualificar a manifestação. A esse respeito, o Furtado garantiu que o seu director Fernandes era um modelo de virtudes.
2. Que as jornalistas responsáveis pela peça, consideravam correctas a legendagem da foto.
3. Apesar disso, o provedor teve que considerar que a fotografia não estava correctamente enquadrada. No final acrescentou ufano: “disseram-me que Nuno Ramos de Almeida é jornalista do 24 Horas”. Assim como dissesse: “Como é que uma puta pode queixar-se de ser violada?”.
Confesso que fiquei bastante divertido com a resposta do provedor. Mandei-lhe outra mensagem dizendo que não tinha percebido a alusão. E que se estava tão interessado na minha biografia podia ter dito os vários órgãos de comunicação em que tinha trabalhado; informações tão relevantes como o clube da minha preferência, o meu posicionamento político e o número de filhas que tenho. Tendo em conta que Joaquim Furtado há muito tempo que não fazia jornalismo, lembrei-lhe, de passagem, a regra de cruzar as informações; se o tivesse feito saberia que eu já não era jornalista do referido jornal.
Magnânimo, na semana seguinte o provedor reconheceu que eu já não era, mas que tinha sido. Estou portanto condenado para todo o sempre.
Acredito que José Manuel Fernandes viu sair com uma lágrima ao canto do olho, tão estimável provedor.
A vingança do Gato Constipado
![wet-cat[1].jpg](https://aspirinab.weblog.com.pt/wet-cat%5B1%5D.jpg)
O Procurador-geral da República, o divertido Souto Mora, mandou revistar o jornal 24 Horas. Toda a gente percebe porquê. Ninguém percebe para quê.
A propalada investigação das disquetes do curioso “envelope 9”, devia servir para perceber porque raio de razão estava no processo da “Casa Pia” uma listagem exaustiva de chamadas telefónicas de centenas de pessoas que teriam sido, alegadamente, investigadas durante o processo. A grande maioria dos números que constavam desta lista de bisbilhotice não tinham nenhuma relação com o escabroso assunto, eram apenas gente poderosa, certamente com contactos interessantes.
A perseguição dos jornalistas que revelaram a existência do envelope no processo, entretanto tornado público, poderá aliviar a bílis do procurador, mas não responde a nenhuma questão importante.
O procurador arrisca-se ser empurrado para o desemprego pelo riso, mas tem um prémio de consolação: terá lugar em qualquer circo que se preze ao lado do saudoso Santana Lopes. Cocó e ranheta já estão, só falta arranjar o facada.
Shooting Stars
Postal de Berlim
Eram oito fora o gato, para não falar da criada
BLOCO# 10
Um passeio ao acaso
Por estranho que pareça, só agora dei com o novo blogue de Vitorino “formiga” Ramos. Claro que tratei de acrescentar o Random Walks and Thoughts ali à coluna do lado. Recomenda-se vivamente uma visita delongada. Nem que seja só para descobrir histórias fascinantes como a do escândalo das escutas telefónicas na Grécia
Americas most wanted list *
A cidade que deixei 3
Ele há os fala-baratos e ele há os fala-caros
O senhor chefe das finanças da minha repartição teve a amabilidade de me dirigir uma missiva de inegável qualidade literária que podia ser poste em blogue de altíssima categoria. A certo ponto pode ler-se:
“Fica Notificado, nos termos do disposto no artigo 7º do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela lei nº15/2001, de 5 de Junho, de que contra si foi instaurado o processo de contra-ordenação supra indicado, por violação às normas acima referidas, em face dos factos sumariamente descritos no quadro ao lado, puníveis entre o mínimo e o máximo assinalado no quadro anterior.”
Reparem pois neste suculento naco de prosa literária “contra si foi instaurado o processo de contra-ordenação supra indicado, por violação às normas acima referidas, em face dos factos sumariamente descritos no quadro ao lado”. Notável. Portantos o processo é supra, a violação é acima e os factos estão ao lado. Ou seja, não está naquele parágrafo nada que seja realmente importante. O resto do texto, garanto-vos, acompanha sempre esta notável capacidade de não dizer nada em muitas palavras.
Sem o auxílio de um dicionário português-finanças finanças-português, um marialva fica engasgado com tanto léxico pomposo. Calculo que o homem não se empenhe assim para qualquer um. A verdade, é que finda a leitura das letrinhas a ponto seis senti-me um bandido. Mas, caramba, um bandido muito importante. RMD
VIAGENS #3 – BÉLGICA 1
Carreirismo (Mário-Henrique Leiria roubado e alterado)

Após ter surripiado por três vezes a compota da despensa, seu pai admoestou-o.
Depois de ter roubado a caixa do senhor Esteves da mercearia da esquina, seu pai pô-lo na rua.
Mais tarde, alambazou-se com uns “trezes” na faculdade e foi colocado no Instituto de Defesa da Pátria, seu pai teve um enfarte.
Voltou passados vinte e dois anos, com chofer fardado.
Era Director Geral das Polícias. Seu pai morreu de susto.









