O último filme de Spielberg, Munich, é um repositório de excelentes propósitos, uma tentativa de fugir a maniqueísmos e uma criação que visa dar dimensão humana aos protagonistas do conflito na Palestina. Infelizmente, é mesmo um golem. Nada do que mostra ultrapassa o estatuto da invenção. A história baseada num livro de um jornalista, Georges Jonas, é uma ficção muito pouco crível: depois dos atentados de Munique, Israel encarrega um grupo de amadores de liquidar os responsáveis pelo assassinato dos seus atletas. Esse amável grupo excursionista não tem uma pálida ideia onde se encontram os alvos. Embebeda uns alemães que falam de Marcuse, mas que em troca de champanhe e uns milhares de dólares dão um contacto que permite chegar a um misterioso grupo francês – uma espécie de Máfia familiar, filmada numa bucólica quinta, com uma luz dourada à David Hamilton, em que o chefe do clã é, para além de todos os mistérios, um esclarecido cozinheiro – que passa a vender tudo ao nosso comando judaico: localizações, armas do tempo da guerra da Crimeia que não funcionam e pontos de apoio. A inenarrável acção culmina com o encontro numa “casa segura” do comando justiceiro com um grupo de “alvos” palestinianos, ficando tudo em amena cavaqueira.
O realizador teve o cuidado de exibir previamente o filme aos familiares das vítimas e a um grupo de antigos agentes da Mossad. Conta no filme com a colaboração da actriz palestiniana Hiam Abbas, “conselheira técnica”, encarregue de garantir a credibilidade das cenas com palestinianos; infelizmente não arranjaram ninguém da Kidon… Estas exibições visavam sobretudo desarmar a opinião pública judaica, com grande poder de influência nos Estados Unidos.
Apesar deste cuidados políticos, o filme não deixa de ser uma farsa. Pode-se mesmo afirmar que de boas intenções está o Inferno cheio.
Nota: Sobre o assunto, ler a excelente reportagem de Henri Guirchoun no Nouvel Observateur nº 2153.