Literaturas ibéricas? Ufff, que alívio!

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O «Público» de hoje trazia um apontamento de Raquel Ribeiro sobre um importante encontro literário na Póvoa de Varzim, que dá pelo inventivo nome de «Correntes d’Escritas». Trata-se de um acontecimento anual que reúne escritores de língua portuguesa e espanhola. Nele surgem sempre autores portugueses, galegos e espanhóis, mas também africanos, brasileiros e hispânicos. Lembro-me de um ano em que estive à conversa com Ubaldo, Scliar e Sepúlveda. Bom, conversa… Ao pé de sumidades assim, embatuco.

Na Póvoa, lê-se, escuta-se, debate-se. E este ano um dos temas (se bem reconstituo) foi: «Literaturas ibéricas: realidade ou mito?». Moderou a discussão Eduardo Prado Coelho que terá afirmado (sei-o de outra fonte) ser o evento «um marco fundamental da vida literária nacional», e a «exímia organização» de louvar. E é uma singela verdade: a Póvoa esmera a cada Fevereiro.

Mas agora as «Literaturas ibéricas». Lia-se no «Público»:

«Se houvesse um referendo sobre se as literaturas ibéricas existem, o escritor espanhol José Manuel Fajardo votaria “sim”. O escritor Mário de Carvalho disse que essa “não era propriamente uma pergunta a que tenha de responder”. O brasileiro Luiz Ruffato não sabe a resposta, mas diz que “elas tentam criar diálogos entre os homens”. O angolano Manuel Rui fala de “transidentidade” porque “nunca ninguém pode ser encontro a sós com o umbigo do eu”. E o português Pedro Eiras perguntou: “O que eu escrevo é literatura de língua ibérica? Então quer dizer que eu sou um mito?”»

No debate, «todos acabaram a falar de nacionalismos, de fronteiras, de penínsulas “que transbordam para vários istmos que somos todos nós”, disse Manuel Rui. O angolano sente-se mais próximo do Brasil do que de Portugal e Ruffato admitiu, com pena, que o Brasil “sempre virou costas para os países de língua espanhola da América Latina” e está mais próximo dos EUA do que de Portugal.

«Não se pode, assim, “compreender a Espanha sem Portugal, a América sem a Ásia”, diz Fajardo, porque há “fluxos, vínculos e influências permanentes”. Essa é a “essência da literatura”. Pedro Eiras está de acordo. “Não acredito em fronteiras”, diz. “Nunca reparo na morada da minha língua”.»

Uff, que alívio! Podia recear-se que, no calor da camaradagem, se erguesse por ali o fantasma ibérico. Feitas as contas, só Fajardo o encarnou, ao produzir o pitonísico teorema de ser a Espanha incompreensível sem Portugal.

Razão teve o excelente Mário de Carvalho ao dizer que o haver ou não literaturas ibéricas não era pergunta a que «propriamente» tivesse de responder.

Para pitonisa, pitonisa e meia.

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