Arquivo da Categoria: João Pedro da Costa

Eu gosto muito da REN e os ignorantes que se fodam

Como é óbvio, toda a polémica em torna das linhas de alta tensão da REN (de longe, a mais bela empresa de Portugal) é uma absoluta palhaçada fomentada por gente iluminada (pela própria empresa). Se essa malta aproveitasse a ideia deste bacano chamado Richard Box, deixava de pagar contas à EDP (essa sim, uma grande vaca que nos anda a roubar há anos) e ainda poderia fazer como os bacanos da UVA e produzir coisas giras como o vídeo deste tema dos Battles muito apropriadamente intitulado «Tonto». Mas não, preferem protestar e fazer figuras tristes na televisão.

A sério, não tinha mesmo mais nada para fazer do que escrever este post

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O ser humano, mais do que uma grande besta, é um exímio catalogador. Do sistema geneológico da Poética de Aristóteles à Classificação Nacional das Profissões por parte da mui saudosa Secretaria de Estado do Emprego do Ministério do Trabalho da República Portuguesa, não faltam por aí exemplos dessa fúria taxonomista e mereológica. Reparemos na música: ele há o pop, o rock, o punk, o hip-hop, o trip-pop, o easy-listening, o lounge, o techno, o UK garage, o reggae, o ragga, o 2 step, a wave, a new-wave, a new wave of the new wave, o metal (heavy, speed, doom, trash, nu, gothic e quejandos) – no fundo, uma berdadeira Vavel de géneros e estilos que apenas servem para confundir o melómano e fazer sorrir o melófobo. Por isso, nos últimos dias, e apesar de possuir uma alma de ornitorrinco, resolvi dedicar algum do meu tempo a tão delicada matéria. E é agora com uma certa José Mourinhice fase pós-Chelsea que vou partilhar aquele que considero ser o único sistema mereológico válido e útil para classificarmos qualquer manifestação musical.

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Simples, não é? Sem querer antecipar-me às críticas que algumas pessoas mais distraídas poderão fazer deste meu sistema de classificação, gostaria apenas de dizer que a concepção desse modelo não tem absolutamente nada a ver com o facto de andar há uma semana a ouvir Comicopera, a mais recente obra-prima de Robert Wyatt. Trata-se apenas de separar o trigo do joio, nada mais do que isso. A dupla seta que surge no esquema pretende significar que uma cover feita por Robert Wyatt é, no fundo, equivalente a um original seu, na medida em que uma versão sua possui sempre uma genuinidade que o original desconhece. Para exemplificar, deixo-vos dois temas do último disco: o primeiro é um original intitulado «Just As You Are» (em dueto com a brasileira Mónica Vasconcelos) e o segundo uma versão do tema «Del Mondo», uma canção original dos CSI (Consorzio Suonatori Indipendenti), um dos projectos musicais do grande Giovanni Lindo Ferretti. Descubram lá as diferenças.


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A festa de Vavette

Acabo de descobrir o vídeo musical do ano, realizado por Johan Söderberg para o tema «Dat Snurrar I Min Skalle» dos suequíssimos Familjen. Tudo não passaria de um virtuoso exercício de VJing por cima de um grande tema pop, não fosse a qualidade da matéria-prima visual utilizada. Estejam sobretudo atentos a dois momentos apocalípticos:

1) o repeat / reverse daquela Conceição a ser exorcizada (tipo Devil In & Out);
2) o repeat / reverse daquela Clotide a cantar de boca aberta (tipo Alélé-Alélu-Alélu-ya)

Depois digam que não sou vosso amigo. Seus ingratos.

ViMus – José Pinheiro

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A Póvoa de Varzim vai ser a partir de amanhã o palco da primeira edição do ViMus, o primeiro festival internacional de vídeo musical organizado em Portugal. O programa (PDF) é uma verdadeira maravilha: para além dos 36 videoclipes a concorrer na competição nacional e dos 92 na internacional, estarão igualmente em competição seis documentários nacionais: Não me obriguem a vir para a rua gritar (sobre Zeca Afonso) de João Pedro Moreira, Humanos (sobre António Variações) de António Ferreira, Enciclopédia Hip-Hop de Uncle C, NU BAI (sobre o rap negro de Lisboa) de Octávio Raposo, Filhos do Tédio (sobre os Tédio Boys) de Rodrigo Fernandes e Rockumentário (sobre a cena rock de Coimbra) de Sandra Castiço. Fora de competição será exibido o bem conhecido Brava Dança de José Pinheiro e Jorge Pires, uma seleccção comissariada por Luís Cerveró de vídeos musicais realizados em Espanha nos últimos anos sob o título genérico de Ecletia, enquanto que o realizador espanhol Carlos Saura levará ao festival a sua triologia dedicada à canção urbana com os documentários Flamenco, Tango e Fados.

Como no melhor pano cai a nódoa, a malta boa-onda que organizou este magnífico evento lembrou-se aqui do meu desastre de pessoa para escrever um texto para o catálogo sobre a interessantíssima restrospectiva que o festival vai exibir da obra de José Pinheiro, o pioneiro do videoclipe em Portugal. Esse convite, como é óbvio, provocou um grande pânico em mim, pois há vários anos que sou fã da obra do Zé. Mais: quando há cerca de dois anos comecei a colaborar com a MTV Portugal na criação do programa canino que é a menina dos meus olhos, quis o destino que fosse também do Zé Pinheiro o primeiro vídeo que vi nos escritórios da Avenida das Forças Armadas: o belíssimo Apontamento da Margarida Pinto. Deixo aqui de seguida o texto (com hyperlinks, embora não tenha conseguido encontrar todos os vídeos de que falo na net), até porque o seu incipit resulta do aproveitamento do primeiro parágrafo de um post que aqui escrevi há uns meses. Espero que gostem, não propriamente do texto, mas da viagem que lá proponho pela magnífica obra do Zé Pinheiro. Ah: já agora, estão todos convidados para a sessão especial que vai abrir amanhã o festival com uma selecção canina de vídeos lusófonos. A entrada é livre.

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A sonoridade do Português

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Não poderia discordar mais deste post do nosso venerável Fernando Venâncio. E por diversas razões. Em primeiro lugar, porque a sonoridade de uma língua não advém do seu sistema fónico – se a língua é uma música (que é), o sistema fonológico de uma língua é apenas a sua escala e nada mais do que isso. Depois, porque todos os raros vocábulos que o Fernando saca às obras do Aquilino Ribeiro naquele seu belo exercício nem sequer possuem qualquer fonema mais peregrino da nossa língua. Mas há mais: a sonoridade de um língua não depende do seu léxico ou vocabulário, mas sobretudo da sua sintaxe. Ou seja: não é através de um corte e cose de palavras que se consegue dar um aroma do estilo de Aquilino, na medida em que isto apenas fornece algumas notas musicais e não a sua melodia (que, como é óbvio, é ali da exclusiva responsabilidade do Fernando). Finalmente, porque não existe tal coisa como a sonoridade de uma língua: qualquer língua que se preze possui uma infinidade de sonoridades que lhe são conferidas pelos seus falantes. A sonoridade de uma língua está na forma como cada um de nós actualiza a potência da nossa língua, impregnando-a com as idiossincrasias do nosso aparelho fónico (fisiologicamente falando, é claro), a nossa prosódia e sotaque. A literatura até pode ser uma bela partitura de uma língua, mas não passa mesmo disso. Como dizia Sá Carneiro, o que interessa mesmo é o intérprete. Que por vezes toca lindamente de ouvido.

Studio: WEST COAST (reprise)

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Como prometido, volto à carga com o magnífico WEST COAST dos Studio, até porque não tenho ouvido outra coisa desde que publiquei o último post. Desta vez, vou ser porquito e deixar aqui aquela que considero ser a grande faixa do álbum: o longo e hipnótico tema instrumental que abre o disco: «Out There». Não tenho palavras para descrever a euforia que me provoca a audição desta absoluta maravilha de ritmo, groove e bom-gosto. Ele é guitarras pós-punk cheias de gorduras polinsaturadas, pitadas de disco-sound, apontamentos de produção que fazem lembrar os momentos áureos dos New Romantics e ainda uma linha melódica que (mais uma vez) parece invocar os fantasmas da santíssima trindade Marr, Rourke e Joyce (fase MEAT IS MURDER). Depois, a meio do tema, e quando um gajo já está totalmente rendido, somos atirados ao tapete por um baixo do tamanho da Avenida dos Aliados e, aí, ele é afro-beats, reggae, dub e a real puta que os pariu. A sério. Acho que é o melhor tema que ouvi na minha vida. E o mais incrível é que esta faixa se move por territórios que estão longe (muito longe) de serem os meus predilectos na cartografia pop. Eu sei que a solidão nestas merdas é sempre uma doce e fiel companheira, mas ainda assim, arrisco a pergunta: serei eu o único doido a venerar esta merda?

Studio: WEST COAST

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2007 está a ser um ano estupidamente frutífero para a música de dança. Para além do mainstream estar inundado de coisas bem recomendáveis como os Justice, Simian Mobile Disco ou Digitalism, chegou-me esta semana às mãos uma maravilha chamada WEST COAST dos Studio. O que é verdadeiramente admirável neste duo seco é o facto de eles reinventarem um dos estilos de música mais azeiteiros dos últimos anos, a música de dança balear da década de 80 (pensem em Ibiza, Maillorca, Menorca e sobretudo em Paul Oakenfoald) e acrescentar-lhe um pouco de dub, house, krautrock e camadas generosas de post-punk (olá Vini Reilly) para produzir um dos discos simultaneamente mais classificáveis e fascinantes que ouvi nos últimos anos. A coisa, como não poderia deixar de ser, também faz lembrar a Madchester e projectos como os The Stones Roses (sobretudo a parte rítmica) ou os Happy Mondays (tudo o resto), mas os Studio vão definitivamente mais além e conseguem desbravar os poucos terrenos que os Underworld não exploraram nos seus dois primeiros álbuns. Para já, ocupam um lugar mesmo ao lado de The Field e dos Of Montreal na minha lista dos melhores do ano, mas algo me diz que não por muito tempo. Deixo-vos de seguida com o solarengo «West Side» e prometo carregar logo que possível a Box com mais perolazinhas. Um conselho: nas primeiras audições, tentem ouvir esta maravilha como banda sonora das vossas navegações pela Internet, de preferência com auscultadores que é para se aperceberem da forma estupenda como o disco está produzido e, sobretudo, misturado. Só depois é que deverão passar para a fase «BT, a gente vê-se daqui a 72 horas». Um miminho.

Vão ajudar, sim senhor.

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Em vésperas de partir para férias, ando a carregar o meu i-pod com diversos discos que, por razões diversas, não fizeram vibrar a minha corda sensível em 2007. Um deles é o novo We Are The Night dos The Chemical Brothers, ao qual tenho resistido de uma forma verdadeiramente parva. Ando há três dias a ouvi-lo de forma intensa e, de facto, este é o disco mais irregular dos rapazes, que tanto tem temas verdadeiramente dispensáveis (ver os singles «Do It Again» e «The Salmon Dance) como canções que, com a necessária dose de irresponsabilidade que me caracteriza, não hesito em apodar de pequenas obras-primas. É o caso de «The Pills Won’t Help You Now», um tema lento e preguiçoso que parece ser um filho bastardo de Kid A dos Radiohead e de The Campfire Headphase dos Boards of Canada. Tim Smith dos Midlake dá, de forma muito competente, a voz ao tema, mas um gajo fica sempre a pensar o que o Thom York teria feito com esta maravilha. Meninos e meninas: a minha música oficial do Verão 2007.

Novela do estudo científico das línguas reais – II

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Foram neo-gramáticos do calibre de K. Brugman, H. Osthoff e Hermann Paul que desenvolveram o legado dos histórico-comparatistas ao sublinharem o carácter mecânico e absoluto das leis fonéticas:

– Lindinhos, as leis fonéticas não têm excepções.
– Nunca-nunca-nunca?
– Ok, quase nunca.
– Bem me parecia…
– Mas, nessas raras excepções, é possível encontrar outra lei fonética complementar que as explique.
– Sempre-sempre-sempre?
– Ok, quase sempre.
– Bem me parecia…
– Mas, nesses casos ainda mais raros em que não se concretizam as leis fonéticas, é porque houve uma analogia.

A analogia foi definida pelos neogramáticos como um mecanismo de compensação que actua no plano gramatical e que restaura distinções ou paralelismos que cegam (tadinhas) as leis fonéticas. Neste mecanismo (muito presente em certos «erros» da linguagem infantil, como o não cumprimento das excepções gramaticais), está implícito uma distinção muito clara entre o plano fónico (fisiologia dos sons) e o plano psíquico (analogia) da linguagem humana verbal. Na verdade, até sou gajo para dizer que já se encontram aqui latentes os princípios da teoria sausseriana do signo linguístico.

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A angústia do cliente da TMN no momento do pagamento

PREFIRO ARREPENDER-ME DO QUE FAÇO, DO QUE DAQUILO QUE NÃO FAÇO. SE ME ARREPENDER, PODEREI CORRIGIR O ERRO. SE NADA FIZER, NÃO PODEREI CORRIGI-LO – SÓ PODEREI ARREPENDER-ME.
Soledade Martinho Costa

Ontem não paguei a conta da TMN e, hoje de manhã, deixei cair o telemóvel na sanita. Arrependo-me de ambos os gestos, é claro: deveria ter feito o pagamento e não deveria ter feito cair o telemóvel na sanita. Mas como fiel súbdito da nossa querida Soledade, fermenta agora em mim uma esperança e um medo. Esperança de voltar a pôr o meu telemóvel a funcionar (não sei muito bem como, mas sei que ela virá aqui esclarecer-me) e medo de pagar hoje (o prazo, afinal, termina amanhã) a conta da TMN: se o fizer, não estarei eu a colocar em risco a delicada ordem do universo?