Todos os artigos de Valupi
Exactissimamente
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What are emotional tears?
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Organized Sports Can Lead to Academic Success
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Self-management skill, sense of purpose go hand-in-hand
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In chimpanzees, peeing is contagious
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Dominguice
Miguel Arruda alcançou o feito homérico de ser um refrigério humorístico à escala internacional numa semana de trumpatologia aguda. Devia haver um qualquer prémio para a façanha ou organizar-se um peditório nacional para o recompensar. Não o teria conseguido se tivesse cometido crimes que manifestassem alguma capacidade de causar danos graves a alguém, como fazer assaltos violentos ou ameaçar a integridade física de terceiros. Foi ao contrário. Os crimes, se esquecermos o grande incómodo material e psicológico das vítimas, tiveram como alvo principal o destino público da sua pessoa, de agora em diante um saco de encher de piadas. Para sempre. Isto porque em cima dos furtos picarescos teve engenho e arte para dar explicações ainda mais burlescas. O resultado levou a sua figura para uma dimensão de ridículo que a razão já não acompanha. E isso leva a reconhecer que só estando fatalmente diminuído no plano cognitivo teria ignorado as evidentes e inevitáveis consequências dos seus actos — os do aeroporto e aqueles que nos ofereceu depois de ter sido apanhado pelas autoridades. Miguel Arruda, como pessoa doente, merece compaixão e precisa de ajuda.
As bocas no Parlamento sobre o caso foram uma forma de violência contra si que, em simultâneo, nasciam da motivação para atingir o Chega e Ventura no desopilanço sarcástico. Tudo normal e automático. Já a violência de Pedro Pinto, líder da bancada do Chega, que ostensivamente aludiu a possíveis agressões físicas contra ele vindas dos deputados do partido, é de outra natureza, e explica o percurso de Miguel Arruda. Uma pessoa tão imbecil como este homem da mala pode ter um discurso fascistóide articulado, funcional. Ameaçar de porrada quem nos envergonha para o levar a fugir igualmente não carece de significativo gasto neuronal. É precisamente por Ventura e falange terem vindo a normalizar a semiótica da violência política no campo das ameaças físicas que importa não exercer violência psicológica contra o taralhouco açoriano. Nem contra ninguém do Chega. Combater Ventura passa, essencialmente, por explicar Ventura.
Nas muralhas da cidade
Para Ana Catarina Mendes, a segunda "perplexidade" relativa à entrevista desta sexta-feira de Pedro Nuno Santos ao Expresso prende-se com "a ideia de aculturação" que é um discurso normalmente "associado mais à direita", porque "num Estado de direito, aquilo que acontece é que a lei é igual para todos".
"O artigo 15.º da Constituição diz expressamente que cidadãos estrangeiros têm os mesmos direitos e os mesmos deveres. E que a questão da cultura não é uma questão que deva ser colocada nos termos em que foi colocada, porque faz parte da diversidade de aceitar o respeito de uns pelos outros e de respeitarmos a multi-etnicidade, a multiculturalidade", diz a eurodeputada eleita pelo PS.
NOTA
Pedro Nuno Santos, para defender a serôdia e infundada ideia de que Portugal não estava preparado para o fluxo de migrantes que teve, especialmente, no pós-Covid — ideia diferente de reconhecer que esse fluxo, nalgumas dimensões dos serviços públicos, cria atritos na população portuguesa — não precisava de usar um discurso nacionalista e novecentino. Discurso que no século XX alimentou a ideologia das ditaduras na Europa. Para piorar o que já era mau, fez dessa questão uma arma contra uma parte do Partido Socialista. E se esse era o seu pensamento ao tempo, qual a razão da demora em publicitá-lo? Por exemplo, que teria acontecido se tivesse assumido no páreo com José Luís Carneiro estas bonitas ideias da “exigência” com o “respeito pelos nossos valores”?
Não sei o que pretende. Sei que era uma das maiores esperanças do PS desde há 10 anos e até se ter tornado secretário-geral dos socialistas. Daí para cá, logro é a palavra que mais ocorre para descrever o seu desempenho. Tamanho o contraste com o que prometia que já merece uma adjectivação futebuleira: é neste momento o Rúben Amorim da política nacional.
Ter o apoio rancoroso, odiento, de Ana Gomes ilustra a natureza do que está em causa.
São as sondagens, estúpido
«Para Pedro Nuno Santos, quem procura Portugal para viver "tem de perceber que há uma partilha de um modo de vida, uma cultura que deve ser respeitada".»
Será que os ingleses, franceses, alemães, italianos, brasileiros e americanos que procuram Portugal para viver alguma vez irão perceber isso? Temo que não. Receio que eles passem o tempo a provocar-nos ostentando a sua cultura e, não contentes, ainda comecem a gozar com o nosso modo de vida.
Enfim, valha-nos haver líderes políticos com visão e coragem que nos alertam para essas ameaças.
Exactissimamente
NOTA
Um amigo meu de infância, com cultura geral acima da média, toda a vida centro-esquerda, com um percurso profissional no marketing e na gestão de topo, tanto em Portugal como no estrangeiro, disse-me há dias que concordava com a posição “moderada” nesta problemática dos imigrantes. E depois justificou, apresentou um racional: os extremos não têm razão, logo há que ser moderado. De que extremos falava? Do Chega e da “extrema-esquerda” que quer encher Portugal de milhões de pessoas vindas de África e da Ásia, com isso provocando o caos na nossa sociedade. O mais interessante na sua exposição foi ele reconhecer que, embora não gostasse, estava sempre a receber publicações do Chega onde se viam, liam e ouviam os tais fulanos da extrema-esquerda a defenderem as maiores alucinações catastrofistas a respeito dos migrantes.
Ou seja, ele tinha inquestionável razão. Se o seu mundo estava a ser construído a partir da propaganda do Chega, então o seu bom senso, e mero senso comum, jamais poderia concordar com esses extremos. Assim cristalizada a posição “moderada”, podia, em simultâneo, considerar-se um tipo decente, que não aceitava extremismos, e um tipo desconfiado, que gostaria de ver mão forte sobre a escuridão já cá instalada e fronteiras blindadas prontas a repelir a invasão da mourama. Contrapus que nenhum político tinha esse discurso, por ser demente, e que mesmo que aparecesse um político a dizer para se abrirem as fronteiras da Europa sem critério nem controlo a sua carreira teria um final instantâneo. Sem qualquer sucesso, pois lidar com esta evidência de a “extrema-esquerda” usada na retórica do Chega ser uma fantasia grotesca implicaria ter de construir outro mundo diferente daquele onde se sentia feliz por pertencer aos “moderados”.
Se isto se passa com ele, não admira que haja uma epidemia de fanatismo racista e xenófobo nascida de distorções cognitivas e do atrofio do pensamento crítico. Estes “moderados” são carne para o canhão da extrema-direita.
Trump cumpre
Trump e Melania lançaram cada um a sua criptomoeda dias antes da posse presidencial. Se formos à rua perguntar a quem passa que bicharoco é esse, mesmo aqueles que expliquem correctamente o conceito não fazem ideia do que realmente explica o seu valor. Porque se até em actividades tão regulamentadas e controladas como a banca e bolsa há demasiada complexidade a impossibilitar que seja plenamente apreendida por mecanismos de transparência, num Oeste selvagem como o do mercado das criptomoedas essa impossibilidade multiplica-se a si mesma – visto que, apesar de serem baseadas numa tecnologia transparente (blockchain), são frequentemente associadas a atividades ilícitas devido ao anonimato que proporcionam. A facilidade de transferência de valores através de fronteiras sem a necessidade de instituições financeiras tradicionais pode tornar o suborno mais acessível e menos rastreável, para além de permitir financiar terrorismo e tráfegos de droga, armas e seres humanos.
O lançamento destas moedas em cima da cerimónia de inauguração para o segundo e último mandato de Trump na Casa Branca é uma exploração comercial a outrage do cargo presidencial e das instituições democráticas dos EUA. Trata-se de um convite aberto à corrupção, pois cada um deles detém de 80% para cima das unidades de cada moeda. O valor vai depender da oferta e da procura, mas também de decisões do próprio Trump que afectem o mercado das criptomoedas. Por cima disto, ele (portanto, também a sua mulher) terá acesso a informação privilegiada sobre a evolução e peripécias desse mercado que lhes permitirão tomarem decisões estratégicas para fazerem transações lucrativas e evitarem potenciais perdas. Finalmente, os próprios podem inflacionar fraudatoriamente o valor das suas moedas.
Trump prometeu ir secar o pântano da corrupção em Washington. Com esta operação críptica, atinge plenamente esse objectivo. É que deixa de ser necessário ir a Washington corromper este e aquele. Basta um telemóvel, em qualquer parte do mundo, e começar a comprar $TRUMP. Retorno garantido.
“I’m not a monster, I’m just ahead of the curve.”
Ninguém sabe o que Trump irá fazer nos meses e anos que durar o seu poder na Casa Branca. Não se sabe não apenas no sentido geral de se desconhecer o futuro, seja de quem for, mas especialmente por Trump poder contradizer-se imparavelmente ao longo dos 4 anos sem que sinta qualquer embaraço, remorso, perturbação. Ao contrário, ele acha-se superior por ostentar uma absoluta ausência de reservas morais em ser imoral. Afinal, são essas as regras do mundo do crime, onde ele fez fortuna e fama.
A democracia americana quis dar o poder máximo a um criminoso que fez campanha gabando-se de ser criminoso e de ir perdoar outros criminosos caso ganhasse. A culpa não é da democracia. Nem dos americanos. É do Joker.
Começa a semana com isto
Revolution through evolution
Parental favoritism isn’t a myth
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Dominguice
A quântica não atina com a gravidade. Ou talvez ao contrário. Ou ambas. Ambas: a precisão fatal, a fatal imprecisão. Que daria essa mistura, calhando existir um universo feito dessa radical diferença? O nosso, pois. O que leva a concluir sermos também exactamente assim, mistura inevitável de precisão com imprecisão. Porque só com as duas se pode viver. Ser vida.
Resta a questão: o que é a sageza? Não a ignorância que se julga conhecimento, antes o conhecimento que se encanta na ignorância.
Leram primeiro no Aspirina B
Adorava que fosse Augusto Santos Silva a suceder aos 20 anos trágicos (15, descontando o primeiro mandato de Marcelo) que conspurcaram a Presidência da República por actos e omissões de duas das mais gradas figuras da direita. O contraste não poderia ser maior. Porém, ele não é um bom candidato. E isso mesmo admitiu ontem ao lançar António Vitorino, aproveitando para expor Seguro como o vácuo em expansão que é. Acontece que Vitorino é um bom candidato, pelas razões listadas, mas não é um candidato forte. Ele passou ao lado da luta pelo poder no PS e isso selou o seu destino como segunda figura, como funcionário. Não é líder.
Quanto a mulheres, especulando sem relação com a vontade das próprias que o mais certo é ser inexistente, Maria de Lurdes Rodrigues igualmente seria uma sucessora à altura da missão de voltar a dignificar e credibilizar a função presidencial. Contudo, ela é ainda mais fraca como candidata do que Santos Silva, por razões óbvias que não justificam gasto do teclado. Mariana Vieira da Silva idem quanto à capacidade presidencial, mas é nova demais e o currículo político também não está maduro. Francisca Van Dunem igualmente conseguiria restituir patriotismo e dignidade ao Palácio de Belém, mas não conseguiria ser eleita por causa do racismo e misoginia ocultos e calados. Marta Temido não tem ainda perfil presidencial, poderá nunca o vir a ter. Não vejo mais ninguém.
Pelo que vou avançar com um cidadão que nem sequer aparece nas sondagens: José Luís Carneiro. Tratava-se de uma figura para mim desconhecida quanto ao seu perfil até à recente campanha para secretário-geral do PS. Sabendo dele só o que aparecia na comunicação social, nada dele sabia. Era apenas mais um nome, um quadro do PS. A mesma experiência tive com o Pedro Silva Pereira, que para minha grande surpresa se revelou um talento excelente na política nacional. E ainda com Paulo Campos, pelo que mostrou de alta tarimba política sempre que enfrentou os caluniadores encartados a propósitos das PPP.
Carneiro teve um resultado muito acima das expectativas, ele que foi dado como um mero e triste figurante na procissão triunfal de Pedro Nuno Santos até ao trono. Aposto que tal se deveu a características que nestas eleições presidenciais poderiam ser decisivas. Recordemos o que está em jogo: temos a decadência do regime representada por Marques Mendes, temos um projecto conservador que tentará puxar o regime para um semipresidencialismo com laivos de sidonismo representado por Gouveia e Melo, e depois temos uma inanidade ambulante de nome Seguro que quer engolir o PS. Neste contexto, Carneiro seria o representante da visão semiparlamentar do regime, oferecendo todas as garantias de cumprir com sentido de Estado as suas responsabilidades presidenciais. Tendo 53 anos (um miúdo), o fenótipo adequa-se na perfeição a recepções a outros chefes de Estado e viagens ao estrangeiro. E porque é que ele ganharia as eleições? Porque é simpático. Quanto mais exposição tiver, mais gente gostará dele, mais razões se descobrirão para estabelecer laços afectivos com a sua personalidade.
Não tendo este pardieiro os meios para lançar uma vaga de fundo com o seu nome, aqui fica um salpico à superfície.
Cofinados – V
«The ideal subject of totalitarian rule is not the convinced Nazi or the convinced Communist, but people for whom the distinction between fact and fiction, true and false, no longer exists»
Hannah Arendt
Em 1977, três psicólogos — Lynn Hasher, David Goldstein e Thomas Toppino — publicaram um estudo onde se descobriu que a repetição de uma informação leva a que aumente a probabilidade de ser considerada verdadeira, independentemente da sua factualidade ou justificação. Consagrava-se, na literatura científica, o conceito de “efeito de ilusão de verdade”, onde a exposição a uma dada informação cria familiaridade com a mesma e, acto contínuo, confiança na sua plausibilidade. É a lógica dos fenómenos de aculturação e propaganda, por exemplo, e opera em conexão com outros processos cognitivos e sociais que reforçam o seu efeito, como o viés de confirmação e o efeito manada, entre muitos outros. Ou seja, somos animais sociais e temos pavor genético ao ostracismo, pelo que, desde a mais tenra infância, procuramos estar em sintonia constante com a identidade dos grupos a que pertencemos. A cognição serve os interesses da genitália, estes o da reprodução, para citar um bacano cujo nome me escapa e largar uma caricatura. Pertencer a minorias, ainda mais ser rebelde, tem custos que podem ser muito elevados e até fatais. Isto é do conhecimento comum, todos concordam. Saltemos para a Portela.
Podemos imaginar que num universo paralelo, bué parecido com este, existe um José Sócrates que, num 21 de Novembro lá deles, à noitinha, aterrou numa Lisboa em tudo igual à nossa. Mas com esta diferença: não teve elementos da Judiciária à sua espera. Pelo que pôde ir para casa, sem cobertura mediática, e no dia seguinte foi apresentar-se no Ministério Público para prestar declarações, ainda sem notícia de tal na comunicação social. Podemos continuar a imaginar que ao longo desse dia chegava ao conhecimento público que Sócrates estava a ser interrogado, embora não se soubesse porquê. Depois, posto que tinha ido voluntariamente colaborar com as autoridades, o juiz paralelo considerava não haver perigo de fuga, nem razão para prisão preventiva. Podia sair em liberdade, e um senhor com um notável bigode viria explicar quais eram as suspeitas na berlinda, e que o caso iria ser investigado de forma rápida e implacável dada a importância social e política do mesmo. Por sua vez, o advogado paralelo de Sócrates apresentaria a versão do seu cliente e manifestava confiança na Justiça. Neste outro universo, a opinião pública continuaria a ficar chocada, uns, e em êxtase, os restantes. Mas não teria sido feito um julgamento instantâneo nos meios de comunicação social ao serviço dos procuradores e da PGR, nem se teria instigado um linchamento de rua febril.
No nosso universo houve a decisão de politizar o caso desde o início. Essa decisão reunia os interesses dos procuradores da Operação Marquês, os interesses de Joana Marques Vidal, os interesses de Paula Teixeira da Cruz, os interesses de Passos Coelho, os interesses de Cavaco Silva e os interesses do Alex, uma juliana pérfida ocupando o topo da hierarquia do Estado em sinergia. Por isso foi montado um espectáculo inaudito na sociedade portuguesa, onde se convocaram os jornalistas para encherem o País com as imagens da detenção humilhante de quem entrava em Portugal, não de quem tentava sair. Ao mesmo tempo, muniram esses mesmos jornalistas de balelas dadas como verdades blindadas pela autoridade do Ministério Público. A intenção foi a de anular qualquer vestígio de presunção de inocência, apresentando a detenção e posterior prisão como o resultado inevitável das provas já recolhidas pelas autoridades numa extensa e profunda investigação. A cobertura mediática que se seguiu, com o editorialismo a colocar a carne toda no assador da agenda política em andamento, instituiu cognitiva e sociologicamente ser impossível que Sócrates não fosse culpado de crimes de corrupção. As dinâmicas do ódio político e do ressentimento popular, o populismo larvar desde 2008 a ser alimentado pelo PSD e Cavaco, geraram um frenesim selvático que também era politicamente desejado como factor de pressão sobre os eventuais juízes que viessem a lidar com as acções da defesa de Sócrates.
A coisa podia ainda ficar pior para o ex-primeiro-ministro? Podia e ficou. A dimensão de responsabilização moral do caso é incontornável, mesmo na hipótese de não existir crime de corrupção, tendo provocado danos graves a terceiros com protagonismo e influência na sociedade portuguesa, assim como exigiu de António Costa uma resposta que protegesse o Partido Socialista nessa situação de original e altíssimo risco eleitoral totalmente imprevisível quanto ao seu desfecho. Isso, juntamente com a avassaladora operação política e mediática em curso, impediu que na área socialista se conseguisse separar o que era moral do que era judicial, na prática levando a uma cumplicidade com os abusos e crimes na Justiça e com o linchamento mediático sistemático. Sim, Sócrates teve um punhado de visitas em Évora, houve amigos que não o abandonaram, e até Soares exibiu um último fogacho como animal político. Mas Costa ao lá ir e lavar as mãos selou o divórcio do PS, e mais ninguém quis arriscar ficar contaminado por uma pessoa que, mesmo que viesse daí a anos a ser dada como inocente, entretanto não merecia apostas às cegas nem sacrifícios temerários. A cicuta tinha de ser tragada até à última gota.
10 anos já se foram. Sócrates continua a reclamar-se inocente, o editorialismo converteu-se à necessidade de se castigar o diabo mesmo que não haja corrupção, os caluniadores profissionais continuam a explorar o filão, e a Justiça está afundada em incompetências e crimes que o regime aceita e não tenciona sanear. Não admira, e deve-se ter compaixão, que o cidadão comum repita calúnias e não tenha nem literacia nem motivação para entender o que está realmente em causa na Operação Marquês. Que é isto: se não há provas de corrupção, se nunca existiram, se prenderam para investigar, se gastaram milhões de euros a vasculhar tudo o que puderam apanhar na devassa da privacidade dos arguidos, então o que está realmente em julgamento na Operação Marquês, neste tempo em que o poder é supremo na esfera da Justiça, é o Estado de direito democrático.
A condenação do jornal Correio da Manhã e cinco jornalistas pela violência com que atacaram a jornalista Fernanda Câncio faz parte desta história. A espiral do silêncio deixou-a abandonada quando as calúnias se abateram sobre ela, e depois quando foi ela a abater os caluniadores. E se não admira que vedetas hipócritas e soberbas do comentariado como Ana Gomes e Pacheco Pereira, os quais se vendem como reserva moral da Nação, tivessem omitido nas suas prédicas a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, já constatar a mesma ausência de referência, perante as suas audiências televisivas, em figuras como Daniel Oliveira, Pedro Marques Lopes e, especialmente, Paulo Pedroso, foi para mim descoroçoante. É que dos directores de jornais e estações de TV, assim como dos dirigentes partidários, nada há a esperar quanto à defesa ideológica e ética da cidade. Pelo que tal papel está entregue a raríssimos protagonistas no espaço público. Se nem eles ousam cumprir-se na parrésia de se colocarem ao lado da vítima dos poderosíssimos algozes, para não serem pintados como “defensores de Sócrates” pela pulharia, isso é mais uma evidência do triunfo obtido por quem fez da Operação Marquês um julgamento de excepção.
Castanhas
O Diário de Notícias entrou em Janeiro com uma nova configuração da edição digital. Não sei qual a conexão dessa alteração com a celebração dos 160 anos do jornal, provavelmente nenhuma, mas a efeméride redondinha liga-se incautamente a uma enigmática decisão tomada pelos donos do jornal: deixaram de destacar na página os artigos de opinião. Quem quiser ler esses autores, tem de ir à barra superior, entrar e depois escolher sem qualquer destaque editorial. Anteriormente, como em todos os outros meios e desde sempre, os artigos de opinião mais recentes estavam presentes logo abaixo dos destaques do dia. O mundo continua a girar, mas que terá levado à duvidosa inovação?
Tenho uma hipótese explicativa: os actuais donos do DN querem agradar ao Montenegro, e passaram a ver nas opiniões publicadas o rosto feroz do extremismo. Os tempos parecem, assim, propícios aos “moderados” que se calam e deixam passar as camisas castanhas.
Cofinados – IV
«What can be asserted without evidence can also be dismissed without evidence.»
Christopher Hitchens
Se José Sócrates cometeu crimes de corrupção, como primeiro-ministro, onde estão as provas? Onde estão nas 4000 páginas de despacho acusatório, 53 000 de investigação, 77 000 de documentação anexa, 8 000 de transcrições de escutas telefónicas, 13,5 milhões de ficheiros informáticos, 103 horas de vídeos de interrogatórios e 322 de depoimentos áudio de testemunhas? E se isto parece muito, se parece bastante, acrescentemos ainda esse pormenor de, como primeiro-ministro, Sócrates já ter os seus dias intensamente expostos às mais variadas testemunhas dos próximos no Governo e no partido, mais os ocasionais na sua preenchidíssima agenda, mais os jornalistas, mais os populares. Donde, a tal corrupção no valor de 30 milhões, com a sua extraordinária logística executiva e bancária, talvez tenha sido organizada por ele e cúmplices com recurso exclusivo à telepatia. Sem o perigo de gerar registos para autoridade ver, ainda por cima à borla e não carecendo de bateria.
É uma hipótese. A de não existir sequer uma singular prova de corrupção. A ser assim, tal não faria prova de não ter realmente existido corrupção, óbvio, pois sabe-se lá. Até Deus se desiludiu, não só com Adão mas também com um terço de todos os anjos que existiam quando Lúcifer teve o seu amok, palavra da Bíblia. O que leva a pensar que Deus não é grande espingarda como criador, por um lado, e que algo parecido nos pode acontecer a todos, por outro. Contudo, a não existência de provas teria uma interessante consequência: o tribunal ficaria tentado a inocentar Sócrates ou, ao invés, a inventar uma condenação. Que também o pode fazer, querendo.
A condenação do jornal Correio da Manhã e cinco jornalistas pelo Tribunal da Relação de Lisboa a indemnizar a jornalista Fernanda Câncio num montante agregado a rondar os 25 mil euros, por danos causados pela publicação de notícias que atentaram contra o seu bom nome e honra, alimenta a suspeita de não se encontrar no processo matéria para satisfazer a máquina sensacionalista insaciável da Cofina. Porque é simples. Na noite da detenção de Sócrates no aeroporto, talvez até bem antes, algum criminoso no Ministério Público entregou a jornalistas a primeira versão do que viria a ser a acusação. Em Novembro de 2014, apostavam tudo no Grupo Lena, pelo que saiu essa versão na imprensa logo no dia seguinte. Depois essa historieta caiu e vieram outras, e outras. Se alguma delas se aguentasse, porventura a Cofina precisaria de publicar mentiras, inventar à descarada?
Os factos suscitam várias conjecturas. Talvez a Cofina quisesse perseguir Fernanda Câncio por ódio, inveja, vingança de algum dos seus chefes, e bute com calúnias para cima dela. Talvez a Cofina quisesse atacar Fernanda Câncio por ela ser um alvo político disponível dada a sua relação pessoal com Sócrates ao tempo, e bute com calúnias para cima dela. Ou talvez a estratégia e cultura da Cofina seja a de explorar a ignorância, misoginia e miséria moral da sua audiência sempre que pode, e a jornalista surgia como presa indefesa, donde bute com calúnias para cima dela. Vou gastar os 10 euros que tenho no bolso para marcar uma tripla nisto.
Neste caso, provou-se a ausência de escrúpulos, decência, respeito pelos privilégios constitucionais dados ao jornalismo para o ser. Trata-se de um caso isolado, um insólito pedaço de merda nos anais da Cofina, um azar do caraças a envolver cinco abnegados jornalistas, mandados e mandantes? Pois, pá.