A alternativa PS (1) – na orla do buraco negro

Todos os políticos, desde o tempo das cavernas, usam a falácia do “nós ou o abismo”, sendo normalmente uma ameaça relativamente inócua uma vez que por “abismo” entende-se, em condições normais, uma opção politica diferente. No seguimento, o mesmo se poderá dizer das várias ameaças de “eles vão destruir X” ou “desmantelar Y” ou “falir Z”, sendo que X, Y e Z são normalmente coisas que a maioria das pessoas considera pilares da sociedade acima de qualquer tentativa de destruição: o estado social, a segurança no emprego, os cuidados de saúde, etc. E que normalmente estão realmente a salvo. O que uns fazem, outros melhoram ou corrigem de acordo com a sua visão, e por assim em diante.
Em tempos normais, é isto que acontece. Mas não estamos em tempos normais.
Numa recessão à beira de se tornar uma depressão, como estamos, o abismo não é apenas uma hipótese no futuro distante, mas uma realidade que se pode materializar a curto prazo. Para muitos, cada vez mais, já se materializou. E tal como acontece às leis da física junto aos buracos negros, as leis normais da politica não se aplicam da mesma maneira em situações de extrema tensão social, quando um país se vê encostado à parede e o risco de explosão começa a ser real. Demasiado real.
E é aí que as ameaças cada vez menos veladas de Victor Gaspar de cataclismo eminente caso não se concretizem os seus planos entram.
O discurso severo do “temos que cumprir” tem agora mais de um ano. Serviu bem o governo durante esse  período, já que a maioria da população interiorizou que, promessas quebradas ou não,  sacrifícios teriam que ser feitos e que o seu nível de vida teria que baixar temporariamente para pôr a “casa em ordem”. Cumpriram sem reclamar muito, esperando resultados. Mas quando esses resultados foram o oposto daquilo que lhes disseram para esperar, e mais sacrifícios foram pedidos devido a essa falha estrondosa, esse contrato quebrou-se, e as manifestações de 15 de Setembro aconteceram. Há muitas e variadas leituras desse protesto. Para mim, foi um aviso que estamos na orla do buraco negro, e que a partir daqui as regras mudaram. Para pior.
Neste momento, o discurso da chantagem – ou aguentam com tudo o que pedimos ou é o abismo – ainda tem alguma força, sem dúvida. Tal como na Grécia, o medo é uma poderosa arma politica. Mas esse discurso está agora em directa contradição com a realidade que qualquer pessoa vê ou sente na pele. O que nos pedem já não são sacrifícios para ficarmos melhores ou para resolver alguma coisa. O que nos pedem agora são sacrifícios para não ficarmos ainda piores. Ou seja, escolher entre dois males.
É uma proposição muito, muito perigosa. E é perigosa porque extrema posições, tal como já vimos acontecer na Grécia, dando a escolher entre uma via, a da troika e do Euro, que conduz a um empobrecimento intolerável, e ao seu oposto exacto, proposto pela extrema-esquerda, de rejeição de tudo isso, que conduz exactamente ao mesmo resultado mas que se apresenta diferente, que pretende oferecer uma saída que a primeira já não oferece. Ainda não estamos nesta fase, mas já estivemos bem mais longe, e tanto o PSD como BE/PCP cavalgam agora alegremente o extremismo (Deixo um CDS perfeitamente perdido à parte, por agora)
Resta pois o PS, que até agora tem feito uma oposição pontual, excessivamente formalista e muitas vezes oportunista. É fácil ser oposição clássica agora, basta aproveitar as asneiras do governo, e elas são cada vez mais e cada vez mais evidentes. E a oposição clássica é muito menos eficaz nestes tempos e pode conduzir a resultados desastrosos. Para construir uma alternativa que nos faça sair deste ciclo extremista agora em plena preparação, para não ser apenas “outro partido da troika” – e as sondagens são um sério aviso – tem de ser mais, bem mais do que isso. Mas vai ter de o fazer e, mais importante, vai ter de o fazer sozinho. Caso ainda não tenha percebido, é altura de perceber.

4 thoughts on “A alternativa PS (1) – na orla do buraco negro”

  1. “O que nos pedem já não são sacrifícios para ficarmos melhores ou para resolver alguma coisa. O que nos pedem agora são sacrifícios para não ficarmos ainda piores. Ou seja, escolher entre dois males”.

    Caro Vega9000,

    Eu diria que o tom do teu post é, ainda assim, otimista, pois, na minha opinião, “O que nos pedem agora são sacrifícios para ficarmos ainda piores”… Ou seja, mais do mesmo com mais força, fazendo explodir o desemprego (e o próprio défice) para níveis insustentáveis, trucidando o que resta da classe média e rifando os poucos ativos do país ao preço da uva mijona. Esta loucura tem que ser evitada agora (Passos diria “Custe o que custar”…), pois no próximo ano atingiremos o ponto de não retorno e, então, teremos o campo ideal para todos os extremismos.

    Um abraço,

  2. Caro Vega9000,
    tenho vontade de concordar com o JP1, pois os sacrifícios que nos estão a exigir (não, não pedem, impõem!) só nos afundam ainda mais.
    Nós já estamos a cair, só ainda não vislumbramos ainda o fundo, pois este às vezes parece perto mas eu creio que ainda estará relativamente longe.
    Somos uma nova edição da Grécia, mais asseada, menos virulenta mas mais, muito mais esmagada.
    O PS está a começar a dar sinais que se vai opor, mas é-lhe difícil retroceder no caminho que até agora, por omissão, deixou que lhe destinassem.
    Talvez o discurso do Assis, seguido do de António Costa tentem sacudir a modorra em que caíu a direção do PS que se vem apresentando gelationosa e de baço brilho.
    Pode ser que algo mude.
    Vejamos qual irá ser o desempenho na discussão do OE. Aí se jogará o futuro.

  3. “Para construir uma alternativa que nos faça sair deste ciclo extremista agora em plena preparação, para não ser apenas “outro partido da troika” – e as sondagens são um sério aviso – tem de ser mais, bem mais do que isso. Mas vai ter de o fazer e, mais importante, vai ter de o fazer sozinho. Caso ainda não tenha percebido, é altura de perceber.”

    A proposta populista do AJS para a redução do número de deputados vem mesmo a calhar… completamente a despropósito, uma discussão estapafúrdia num dos momentos mais graves que esta democracia atravessou…

    É esta é a fibra do AJS? Assim não vai lá.

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