Um aviso com 86 anos

Aviso por Causa da Moral

Quando o público soube que os estudantes de Lisboa, nos intervalos de dizer obscenidades às senhoras que passam, estavam empenhados em moralizar toda a gente, teve uma exclamação de impaciência. Sim – exactamente a exclamação que acaba de escapar ao leitor…

Ser novo é não ser velho. Ser velho é ter opiniões. Ser novo é não querer saber de opiniões para nada. Ser novo é deixar os outros ir em paz para o Diabo com as opiniões que têm, boas ou más – boas ou más, que a gente nunca sabe com quais é que vai para o Diabo.

Os moços da vida das escolas intrometem-se com os escritores que não passam pela mesma razão porque se intrometem com as senhoras que passam. Se não sabem a razão antes de lha dizer, também a não saberiam depois. Se a pudessem saber, não se intrometeriam nem com as senhoras nem com os escritores.

Bolas para a gente ter que aturar isto! Ó meninos: estudem, divirtam-se e calem-se. Estudem ciências, se estudam ciências; estudem artes, se estudam artes; estudem letras, se estudam letras. Divirtam-se com mulheres, se gostam de mulheres; divirtam-se de outra maneira, se preferem outra. Tudo está certo, porque não passa do corpo de quem se diverte.

Mas quanto ao resto, calem-se. Calem-se o mais silenciosamente possível. Porque há só duas maneiras de se ter razão. Uma é calar-se, que é a que convém aos novos. A outra é contradizer-se, mas só alguém de mais idade a pode cometer.

Tudo o mais é uma grande maçada para quem está presente por acaso. E a sociedade em que nascemos é o lugar onde mais por acaso estamos presentes.

António Nogueira, Europa, 1923

13 thoughts on “Um aviso com 86 anos”

  1. Sabes que o gajo nasceu a 13 de Junho, dia de Santo António, que na vida mundana se chamava Fernando (de Bulhões). Daí o Fernando António.

    O Aviso por causa da moral foi um panfleto que ele próprio (Álvaro de Campos) distribuíu à porta da Brasileira do Rossio. Dias antes, tinha aparecido no DN uma notícia sobre uma decisão de Mussolini de perseguir a literatura imoral em Itália. Organizaram-se logo aqui equipas de macaquinhos de imitação, jovens caceteiros fascistas, liderados pelo estudante católico Pedro Teotónio Pereira, futuro delfim do Botas, que andaram a caçar pelas livrarias e editoras livros de homens sexuais e lesbianas (Botto, Leal, Judith Teixeira), numa repetição dos autos da fé e queimas de livros da trezentos anos antes. Como os jovens católicos fascistas não sabiam inglês, os poemas homoeróticos de Pessoa escaparam à campanha moralizadora.

  2. É termo do Diácono Remédios para homossexuais, Claudia. E lesbianas para lésbicas. Pergunta ao Herman de onde é que isso vem.

  3. ah, então os multiplicadores de ouro foram finalmente revelados, o segredo guardados pelos economistas como se fora diamantes, aqueles com que nunca se percebe como aquela conta foi feita, bom sinal

  4. O aviso tem 86 anos mas a sua razão de ser continua a mesma. Está correcto. Basta ver a palhaçada dos «caloiros» no Metro com penicos e desenhos coloridos na cara. Nenhum dos meus três filhos todos licenciados ligou a isso. Mas ninguém lhes disse, foi natural. Pois… Fernando António porque nasceu no dia de S. António que era Fernando, nada acontece por acaso.

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