Temos um Presidente escolhido por Deus

A Marcelo Rebelo de Sousa os jornalistas pediram para explicar porque disse que a recandidatura estava nas “mãos de Deus”.

“Está na mão de Deus o realmente, na altura da decisão, me inspirar adequadamente”, respondeu.

“É muito simples. Eu, como cristão, acho que em cada momento devo estar no sítio que corresponda à missão mais adequada para cumprir nesse momento. E mais, acho que devo estar aí se não houver alguém em melhores condições. Essa é a ponderação. Deus logo dirá se é ou não. Não é um problema de vontade é de ponderação, naquela altura”, sublinhou o Presidente da República.


Fonte

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Estas serão as mais extraordinárias e chocantes declarações do actual Presidente da República desde que tomou posse. Rivalizando em assombro e confusão temos o silêncio político e mediático com que foram acolhidas.

As suas palavras não carecem de tradutor, são denotativas e unívocas. Ele coloca a sua identidade de cristão como factor fundante de intervenção cívica e política. No início, está a sua fé, o seu vínculo a uma dada concepção religiosa, só depois a sua participação na comunidade política, no Estado, na sociedade secularizada.

Como cristão, revela, tem uma relação de obediência a uma entidade a que chama “Deus”. Segundo transmite ao povo, “Deus” comunica com ele directamente. Essa comunicação toma a forma de uma “inspiração”; isto é, presumimos, de uma intuição onde Marcelo fica a conhecer de forma clarividente qual a “missão” que “Deus” lhe está a dar “a cada momento”. A vontade humana, como explica, é irrelevante perante a vontade divina a que acede de forma “muito simples”.

Corolários:

– Marcelo Rebelo de Sousa não se candidatou à Presidência da República antes de 2016 porque “Deus” não quis, ou porque “Deus” lhe terá confidenciado que nesses actos eleitorais existia quem estivesse “em melhores condições”. Por exemplo, “Deus” terá achado que Cavaco Silva estava em “melhores condições” do que Marcelo nas eleições presidenciais de 2011, tendo disso informado o Professor. Será que “Deus” tinha interesse em que Cavaco fizesse um segundo mandato precisamente porque, com a sua omnisciência, sabia bem que só um traste daquele calibre poderia contribuir para o afundanço do País e para a colocação do casal Passos-Relva no poleiro? Mistério da perdição (ou algo que Marcelo poderá esclarecer num próximo encontro com jornalistas).

– Para as eleições de 2016, “Deus” terá garantido a Marcelo ser ele quem estava “em melhores condições”, daí ter avançado. Donde, se é disto que a casa gasta, quando Marcelo veio pedir a cabeça de Constança Urbano de Sousa e deixar a ameaça de que faria institucionalmente o que lhe desse na gana em relação ao Governo e à Assembleia da República na época dos incêndios de 2018, podemos ter agora a certeza de que ele não estava a falar sozinho. “Deus” inspirou Marcelo para essa intervenção, como aliás se viu pelo seu entusiasmo e a alegria que espalhou precisamente nos segmentos populacionais que mais frequentam, ou fingem frequentar, as instalações desse tal “Deus” cheio de planos políticos, “missões”, para os terráqueos.

– Está aberta a porta para que um futuro Presidente da República nos venha dizer que não vai à bola com o “Deus” que tanto tem ajudado o Marcelo, preferindo antes a inspiração directa de Alá, ou Jeová, ou Shiva, ou Zeus, ou Rá, ou Ódin ou de um ser sobrenatural ainda por nomear de que ele se faça o primeiro crente ou interlocutor primeiro.

A conivência generalizada com estas declarações é o melhor retrato do atrofio cultural, cívico e político da Grei. Marcelo pode estilhaçar a secularidade do regime como outros podem violar impunemente o Estado de direito a partir de cargos de magistratura, funções policiais ou intervenção mediática. Da esquerda à direita, a cumplicidade com esta práxis é uma força mais poderosa do que a Lei, do que a Constituição e do que a dignidade daqueles que ocupam os lugares de decisão e influência nisto que somos.

6 thoughts on “Temos um Presidente escolhido por Deus”

  1. Marcelo é, de forma had hoc , um perfeito “ocasionalista” e como tal também acha que todas as coisas estão cheias de deus. E este tudo comanda em última instância.
    Como tal, quando não tem ou não quer dar uma resposta concreta dobre determinado facto, saca de uma qualquer ideia ex-machina e lá vai selfiando e beijocando esperto, contente e rindo.
    E o povo, maioritariamente crente, pergunta: há alguém mais inteligente e capaz para Presidente? E a igreja, sonsa, é obrigada a ficar muda.

  2. Não lhe façam um electroencefalogramazito de vez em quando, não……
    Depois não se queixem.

  3. No uqe me diz respeito deus não diz nada. Sou mais inspirado pela Bruxa da Abrunheira. Quando ela me disser que sou o mais indicado para o cargo, lá terei de me candidatar a presidente da Junta de Freguesia.

  4. Deus já emitiu um comunicado a desmentir tudo. Depois de Marcello ter renegado o Espírito Santo as coisas ficaram feias, a vingança serve-se como uma vichyssoise.

  5. Isto tem que ser tomado com uma pitada de sal:
    Por aqui continua a ser crime de alta traição defender a separação da Igreja, (a Anglicana,entenda-se), do Estado. A Raínha contudo, sendo simultaneamente Chefe da Igreja e do Estado, não tem insistido em que se aplique a pena prevista nos cânones que inclui coisas aterrorizantes, tais como o esquartejamento dos faltosos.
    Ao contrário de Marcelo, S.M. não esclarece porém se fala amiúde com o Altíssimo, mas presume-se que sim, daí que já leve mais de seis décadas no trono sem ter asneirado por aí além. Eis um bom exemplo para o simpatico Presidente que o Pai Eterno não desdenharia aconselhar seguir.

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