Rumores

Sempre houve rumores sobre a organização encapotada de “boas” e “más” turmas nas escolas. Agora deixa de ser um pecado dos decisores nas escolas para ser uma prática legitimável por acto ministerial.

Paulo Pedroso

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O texto do Paulo merece ser lido por várias e excelente razões, mas apenas me interessa realçar este passo porque ele nasce desta geral cumplicidade de décadas com os pseudo-segredos sórdidos (se não for esse o adjectivo, usar “corporativos”) do que se passa nas escolas. Claro que há turmas intencionalmente boas e más, fáceis e difíceis. Claro que as direcções de escola as organizam dessas formas para atender às hierarquias tácitas, ou o mais das vezes obscenamente reclamadas, dos professores da casa, dos professores amigos, dos professores porque sim. Material humano e horários, sempre foram os principais alvos da cobiça dos profissionais da sala de aula. A lógica é a da lei do menor esforço, só porque o que tem de ser tem mesmo muita força.

Claro, claro. Cada um de nós tem uma mãe, ou uma tia, ou uma prima professora. Ou um cunhado, um padrinho, um sogro professor. Tudo gente boa, gente de confiança. E ninguém está para se chatear. Deixem lá os coitados dos professores em paz, esses técnicos especializados na leitura em voz alta e no manejo de pauzinhos de giz para manter as crianças distraídas entre intervalos. Avaliação? Saber o que realmente se passa quando se fecha a porta para mais 50 minutos de convívio entre gerações? Horror! Num instantinho, enche-se a Avenida da Liberdade as vezes que forem precisas para não deixar passar esses olhares estranhos e perigosos.

O Paulo fala em “rumores”. Está a ser prudente ou delicado. Para quem defende um qualquer conceito de democracia radical, porém, esses rumores relativos à organização das turmas serão até benignos quando comparados com outros: aqueles que dão conta de milhares de professores que pura e simplesmente nunca deviam ter entrado no sistema de ensino ou de lá deviam ter saído há anos e anos. Para quem se passeia por algumas escolas no começo da sua carreira docente, sendo tratado como forasteiro e néscio, não há rumores. Há uma visão cristalina de uma sociedade onde a cidadania não existe.

4 thoughts on “Rumores”

  1. Em 1978 no Instituto Britânico descobriu-se uma turma boa porque o professor desprezava aqueles alunos que eram obviamente mais fracos e só puxava pelos bons. Chegava a Dezembro e esses desprezados pediam para mudar de turma indo assim baixar o nível de resposta das outras turmas. Houve malta que se mexeu, o esquema foi descoberto e o fulano foi recambiado para o Reino Unido. Uma história exemplar…

  2. Avalias quase tudo correctamente, excepto num “pormaior”: essa prática (não me lixem, não é rumor nenhum, é facto) não é para satisfazer “professores amigos”, é, sempre foi, e continuará a ser, para satisfazer “pais amigos”.

    E nem sequer é por bons e maus alunos, é por contexto sócio-económico.

    Essa história tem barbas. Felizmente, com a passagem dessa responsabilidade para os directores da escola, os pais insatisfeitos com essa jogada já terão a quem apontar o dedo e de certeza que não é ao ministério. Directores, assumam e justifiquem as vossas escolhas. Quero ver se agora, com pais a rosnarem-lhes ao pescoço, se a prática continua.

  3. um texto para não levar rumores porque os intocáveis não o podem continuar a ser. :-)

    aos professores, como pedra basilar da formação de crianças e rachadores de perspectivas de caminhos de adultos, deve ser cobrada, continuamente, qualidade e é inadmissível que continuem a prestar um serviço – é tão intangível como o conhecimento – de forma tão leviana e tantas vezes com sebentas engorduradas de antiguidade. aos formadores, pessoas sem status quo do ensino, exige-se o litro em cada jornada de trabalho, seja de uma hora ou de um dia, mensurável pela avaliação dos formandos e pelos resultados práticos da formação, o que obriga o profissional a uma actualização contínua do saber-saber, do saber-estar, e do saber-fazer, e se os resultados não são bem sucedidos não cai graveto. aos professores é exigido que não faltem muito e que sejam mais ou menos pontuais, que descarreguem as sebentas ou os diapositivos e atendam meia dúzia de alunos para terem uma reforma bem assegurada. e é também por isso que os locais de ensino privados constituem um elo tão importante na sociedade do conhecimento – só lá ficam os bons, os que merecem cada euro que ganham e dão a ganhar.

    (isto tudo misturado para dizer que o elitismo, seja onde for, mete (me) nojo e que urge fazer escola de tirocínio: sempre, todos os dias.)

  4. Hoje pela manhã,enquanto tomava o pequeno almoço, fiquei estupefacto, quando ouvi, nas noticias dum canal de tv, o primeiro-ministro disto, que eu pensava ser um estado de direito, dizer que o governo está a estudar um sistema misto de segurança social, a fim de possibilitar aos cidadãos a poderem optar, a partir dum certo plafond, para um sistema de reforma complementar privado e, assim, complementarem a sua pensão de reforma. Dizia a criatura, poderem assim os cidadãos aderir a um sistema complementar e poderem ficar, pasme-se, libertos das “esmolas do estado”.
    A comida ficou-me presa na garganta ao ouvir, da boca do primeiro-ministro, que eu próprio vivia das esmolas do estado, uma vez que tenho uma pensão de reforma, visto ter descontado durante 42 anos, ininterruptamente, para a Segurança Social. E não foi pouco o que descontei, já que tive o “privilégio” de conseguir estudar à noite, com grande sacrificio, pois era após um dia de trabalho, tirar um curso superior e vir a prestar serviço numa empresa, como quadro médio, de inicio, e superior nos últimos 20 anos.
    Fiquei, pois, a saber que o valor das minhas prestações durante todos aqueles mais de 42 anos, para nada contou, na opinião de tão douta criatura, uma vez que agora me encontrava na situação de indigente a viver duma esmola do estado.
    A cartilha que esse senhor, e todos os seus companheiros, diariamente nos vão debitando nos meios de comunicação social, conheço-a eu de há muito, pois a minha formação até é na área da economia, assim como conheço aonde levam tais politicas, quais as suas consequências e quem, no final, acaba por delas beneficiar.
    Como tal, não admito a essa jovem e inexperiente criatura que me venha dizer que eu não tenho o direito de usufruir duma pensão de reforma, que resultou do valor dos descontos que eu e a minha entidade patronal, durante 42 anos sucessivos, viemos realizando, e da sua respectiva capitalização, pretendendo fazer passar a ideia de que resultam, tão somente, duma esmola do estado.
    Não, senhor primeiro-ministro, o estado e muito menos o senhor, não me estão a dar esmola alguma; estão, tão somente, a cumprir com um dever legal a que estão obrigados e enquanto forem pessoas de bem, porque se já o deixaram de ser … então o melhor é este povo tentar encontrar as alternativas possíveis para que reponhamos a situação em que o Estado seja, realmente, de Direito.

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