Foi há três semanas. Mariana Mortágua e Adolfo Mesquita Nunes apareceram na “Edição da Noite” para 12 minutos de paleio, 6 a cada. É impossível que essa interacção pública tenha qualquer influência – qualquer de qualquer de qualquerzinha – sobre qualquer parte – qualquer de qualquer de qualquerzinha – da nossa política. Mais, é quase certo que nenhum deles ao dia de hoje se lembra do que disse, ainda menos do que ouviu. E, no entanto…
No entanto, estamos perante duas figuras que, assim os deuses lhes dêem saúde e gana, poderão dentro de alguns anos liderar os respectivos partidos onde militam. Não é impossível que algum deles venha a exercer o cargo de primeiro-ministro, ou os dois em tempos diferentes. Coisas muito mais improváveis já aconteceram e continuarão a acontecer. Pelo que o episódio, na sua agoniante banalidade e irrelevância imediata, é igualmente especial e relevante desse outro ponto de vista onde colocamos a atenção sobre os padrões de comportamento e a estrutura relacional que tende a passar despercebida por ser sempre a mesma na sua repetição contínua.
O tema em debate nascia do pagamento antecipado de parte da dívida nacional ao FMI. Ocasião para um confronto entre esquerda e direita, aliados e opositores do Governo. 12 minutos no total. Que fazer com 6 minutos de tempo de antena para gastar com uma mão cheia de milhares de telespectadores? Mais do mesmo, responderam convictos Mariana e Adolfo. O tal mesmo que afasta cidadãos da política e da cidadania. A esquerda apenas conseguiu deturpar o problema da dívida, reduzindo-o à dimensão moral: agiotagem dos credores. A direita apenas conseguiu moralizar o problema da governação: incapacidade e incúria de uns fulanos socialistas que tiveram de chamar a Troika. Nenhum gastou meia vogal com os principais factores na origem do problema das dívidas soberanas: responsabilidade das políticas europeias na resposta à crise de 2008, onde a regra era meter dinheiro para evitar a depressão e sair o mais rapidamente possível da recessão, e responsabilidade das políticas europeias na concepção do papel do BCE, o qual só a partir de Novembro de 2011 se decide a resolver o problema pela mão de um Draghi acabado de chegar ao comando da instituição. Qual a razão para estas duas figuras da política profissional terem apagado algo que não poderiam negar se questionadas directamente a respeito sob pena de perderem a credibilidade intelectual? É que a terem falado com plena objectividade do tema digladiado não poderiam, em concomitância, gastar o tempo disponível no vício decadente da diabolização.
Entre os dois estava Sara Pinto. Jornalista. Que não abriu a boca sobre o que estava em causa quanto à contextualização factual das argumentações de parte a parte. Cujo silêncio tanto pode ser manifestação de ignorância como de alheamento, mas que talvez com maior probabilidade exiba um respeitinho civicamente infantilóide e jornalisticamente abjecto perante os “políticos” – como jornalisticamente abjecto seria o simétrico abuso dos políticos recorrendo à agressividade narcísica, ao enviesamento sectário e à difamação sonsa. Este silêncio perante dois discursos que se limitam a tratar os cidadãos como borregos é parte fulcral da irracionalização que degrada a democracia ao ser cúmplice das diferentes demagogias em compita.
Vampiros, sangue, O-, ……o pulha também deve andar aqui.
Bom texto, Valupi.
há também uma eventual terceira hipótese a dar corpo ao mais recente estudo sobre a remuneração da classe jornalística em Portugal: recebe mal e porcamente e acha-se no direito, por isso, de não ter brio profissional.
Propaganda e entretenimento. A ler, o artigo de Guerreiro sobre o PISA.
https://www.publico.pt/2016/12/16/culturaipsilon/noticia/a-operacao-pisa-1754660#
aquilo até parece o romeo e a julieta ainda vai dar drama passional