O triunfo dos escaganifobéticos – III

O Arrastão tem o primeiro sistema de censura escaganifobética no mundo ocidental. É o único a conseguir fazer extrapolações bovinas a partir do fundamentalismo semântico ― assim conseguindo antecipar a Web 3.0 em versão taralhouca. Atente-se no exemplo ocorrido com uma expressão popular:

Larga o vinho -> Censurado porque “mandava o outro comentador parar de beber vinho. Desculpe, mas há limites. O insulto gratuito é um deles. Se quiser replicar a mensagem, deixando de insinuar que o outro comentador – que não conheço de lado nenhum – é alcoólico, terei todo o prazer em aprová-lo.

Como é que o sistema detectou o insulto? Através do algoritmo que estabelece só ser possível largar o vinho estando previamente na sua posse. Nada de mais lógico. Daqui para a frente, entra uma parte verdadeiramente enigmática, pois não temos forma de descobrir o nexo entre a posse do vinho e a condição de alcoólico. Aliás, nem sequer se entende a associação entre a posse do vinho e a ingestão do mesmo, embora deva ser fenómeno relacionado com a gratuitidade referida. O poder deste índex censório desafia as capacidades mentais do cidadão comum, é só para malta que esteja na vanguarda da esquerda revolucionária. Mas também não se deve perder muito tempo a pensar nisso, serão segredos da vocação.

Para ti, que precisas de comentar no Arrastão e não queres ver o teu esforço desperdiçado, segue listagem das expressões a evitar, mais a respectiva explicação escaganifobética:


Deves ser é maluco -> Insinua que o outro comentador não passa de um doente mental; ou que o deveria ser, o que é insulto ainda maior.

Vai dar uma volta -> Insinua que o outro comentador tem de abandonar o local onde está, promovendo esse insulto eslovaco que é a deslocalização.

Vai dar uma volta ao bilhar grande -> Insinua que o outro comentador tem de encontrar um bilhar grande, insultando a sua eventual preferência por bilhares médios ou pequenos.

Vai dar banho ao cão -> Insinua que o outro comentador não trata da higiene do seu cão, assim acabando também por insultar o próprio cão por aceitar viver com um porco.

Pela tua saúde -> Insinua que o outro comentador é o principal responsável pela sua saúde, insultando os protestos contra a política de Saúde do Governo.

Tem juízo-> Insinua que o outro comentador tem de ser ajuizado, insultando a sua óbvia preferência pela imbecilidade.

Onde é que estavas com a cabeça? -> Insinua que o outro comentador tem de revelar onde andou a meter a cabeça, insultando a sua privacidade e gostos.

Não me chateies -> Insinua que o outro comentador não se deve expressar com à-vontade, insultando a sua personalidade achatada.

Estamos feitos ao bife -> Insinua que há um grupo de comentadores com uma preferência pelo consumo de proteína de vaca, desse modo insultando os vegetarianos, os amigos dos animais e os hindus.

Põe-te a pau -> Insinua que o outro comentador tem de interagir com um pau, insultando qualquer coisa, mesmo que não se saiba o quê.

Tens macaquinhos no sótão -> Insinua que o outro comentador trafica macacos e os mantém em condições inadequadas, insultando a memória de Tarzan, o primeiro sindicalista da selva.

Pareces uma barata tonta-> Insinua que as baratas são tontas, insultando uma espécie de insectos que merece tanto respeito como qualquer outra, se é que não merece mais.

Tira o cavalinho da chuva -> Insinua que o outro comentador deixou molhar o cavalinho, insulto que pode acabar com a sua carreira de dealer.

Estou-me a passar dos carretos -> Insinua que os carretos têm problemas de manutenção, o que fica como um insulto para o prestígio técnico do operariado.

Vai dormir que o teu mal é sono-> Insinua que o outro comentador resolverá todos os seus problemas se for dormir, o que não passa de uma estratégia de alienação política ao serviço do capitalismo, insultando a herança trotskista.

Não me lixes -> Insinua que o outro comentador não pode lixar quem lhe apeteça, assim insultando o seu potencial revolucionário.

Já dei para esse peditório -> Insinua que não se deve repetir a doação para o mesmo peditório, o que insulta tanto os objectivos eleitorais do BE como a capacidade de prestar atenção aos sermões do Louçã.

Raios te partam -> Insinua um certo paganismo que veicula uma imagem religiosa da existência, logo acabando por estar ao serviço da padralhada e insultando o anticlericalismo obrigatório numa caixa de comentários genuinamente proletária.

Vai falar com o Camões -> Insinua que o outro comentador deve ficar sujeito à má influência de Camões, um poeta conivente com o imperialismo expansionista português, desse modo se insultando autores de muito maior valia intelectual e proveito político, como Daniel Oliveira e Pedro Sales.

25 thoughts on “O triunfo dos escaganifobéticos – III”

  1. Ah ah ah

    Agora percebo porque demoram tanto a publicar os comentários. Aquilo passa tudo por um rigoroso controlo de qualidade.

  2. Falta ainda:

    – Não dás uma p’rá caixa
    – Comigo vais de carrinho
    – Angola é nossa
    – Isto não atrasa nem adianta
    – Olhó foguete
    – Temos pena!
    – Morde aqui a ver se eu deixo
    – Vai ali ver se eu ’tou na esquina
    – Não há pachorra
    – Vai dar uma curva
    – Se tu visses o que eu vi
    – Estou-me borrifando
    – Ó-i-ó-ai, só a mim ninguém me leva
    – Levar a água ao seu moinho
    – Qual é a tua, ó meu?
    – Verdes são os campos
    – Não f*** nem sai de cima
    – Já nem te estou a ver bem
    – Não há duas sem três
    – Ou sim ou sopas

  3. O senhor Oliveira do Arrastão é censor, sim senhor. Sente-se inseguro, vacila e corta. Ele fazia isso regularmente no seu blogue – e deve continuar a fazê-lo, embora eu já lá não vá há muito. E não corta só coisas tipo “larga o vinho” e semelhantes, que podem ferir certas susceptibilidades. Não. Qualquer crítica que se lhe faça corre esse risco.

    O censor Oliveira ainda tem a lata de vir hoje criticar o governo no Expresso – e comparar Sócrates a Alberto João Jardim! – por ter processado o autor de uma coluna de opinião que fazia passar insinuações por factos.

    O censor Oliveira a criticar alguém que defende a sua honra pela via legal! E a INSULTAR, porque chamar «A. J. Jardim» a alguém é um insulto tipo «filho da puta» ou pior.

    É espantosa a lata e a inconsciência destes atrasos de vida da esquerda bloquina. Eu respeitava mais o senhor Oliveira se ele fosse alcoólico.

  4. Epístola aos arrastanianos
    Irmãos!Cuidado com os falsos profetas não os tomeides(tomeides?) por aquilo que na realidade não são! Desconfiaide (desconfiaide?) de quem prega a castidade, a abstinência, o respeitinho, o uso de expressões indevidas, quiçá a temperança. Bebeide (bebeide?)! Fornicaide (fornicaide?)! Excedei-vos! A imoderação é inimiga do discernimento. Expulsai o vosso néscio profeta, pois ele qual formosa costureirinha é homem para bordar lindos bordados sem agulha, apenas e só com linha. Oremos ao Senhor!
    PS. Vou convidar o vosso Profeta para vigiar os bailes de fim de tarde na minha Junta de Freguesia que estão repletos de velhinhas atiradiças. Ai! Ai!
    Vou também propor a interdição da sua entrada na Catedral do Cais do Sodré.

  5. Mais:

    – Ao qu’isto chegou
    – Cum camandro!
    – Não te cures, não…
    – Vocês sabem do que eu estou a falar
    – Ó Zé aperta o laço
    – Cá se fazem, cá se pagam
    – Só não vê quem é cego
    – Ai se eu não fosse um homem casado
    – Vai p’la sombra
    – Com amigos destes…
    – Ai Jesus!
    – Aguenta-te à bronca
    – Branco é, galinha o põe
    – A bem dizer…
    – Ai meu Deus!
    – Se fosse comigo…
    – Nem que a vaca tussa
    – Só se perdem as que caem no chão
    – Lá em cima está o tiroliroliro
    – A talhe de foice

  6. upi, caraças!!
    abençoado vinho que não largas, se é a buba o que se vlê. Eu bem tento a mesma marca, mas suspeito que isto não é das cadeiras, é dos cuzes… nunca chega a arrastão quem nasceu para arrastado, é o que é.
    épi ister, já agora.

  7. Valupi, a continuares assim ainda acabas com a Baba de Esquerda. Estás a arranjar maneira do babador-mor ir ao parlamento declarar que não há pior ignorante do que aquele que não quer aprender e vai daí… não comeremos mais ovos que ele ponha. Depois só nos resta a inseminação artificial das notinhas de vinte euros para sair desta crise. Um horror… uma tragédia!
    Mas se ficasse por aqui o pessoal aguentava bem. Só que, neste cenário é previsível que a roseta passe a fazer dúzia e meia de penitências diárias município – terreiro do paço em bicicleta e, mais grave ainda, o alegre faça uma remistura de fusão entre o principezinho e a gata borralheira obrigatória para o exame do 12ºano.
    Por favor!… Eu não queria carregar esse fardo para o resto da minha vida.

  8. O senhor Oliveira, com uma careca de inquisidor dominicano de fazer inveja a um major da Censura Prévia, vem acusar Sócrates de

    “querer calar a crítica na barra do tribunal”.

    Repare-se no sofisma rastejante do inquisidor: calar a crítica na barra do tribunal. Como se passar insinuações por factos fosse “crítica”. Como se os tribunais portugueses não fossem ultra-permissivos em relação à expressão de opiniões políticas. Ainda por cima, vem corajosamente acusar um PM que tem quase toda a comunicação social a fritá-lo em fogo lento (Miguel de Sousa Tavares no Expresso de hoje).

    E termina o senhor Oliveira afirmando que Sócrates

    “é, acima de tudo, um homem que vive mal com a liberdade dos outros”.

    Ganda carecada, senhor Oliveira. Com esta renovas os contratos com o Balsemão.

  9. “Há limites”, diz o senhor Oliveira, na frase citada pelo Val.

    Pois há. Mas os limites do senhor Oliveira parece que são iguaizinhos aos do “palhaço da Madeira” – aquele senhor Jardim que o processou e a quem vai ter que pagar dois mil euros por lhe ter chamado “palhaço rico”, “vergonha da democracia” e “palhaço perigoso”.

    Porque é que o vinho (sangue de Cristo que dá de comer a milhões de portugueses) haveria de ser mais insultuoso do que o palhaço rico perigoso e vergonha da democracia?

    Eu não posso chamar palhaço pobre ao senhor Oliveira, porque ele não é pobre. Se não chamava.

  10. Boa Nick! Óptima Tra.quinas! Ainda trazia da Ribeira o som do Bolero e no nariz o odor das “Madeiras do Oriente” da D. Rosa, mas os vossos posts dissiparam-nos!

  11. (bem me parecia, não chega lá: era uma notícia lá dentro a dizer que em Portugal não se discute a crise)

  12. He, he, he. Brilhante na criatividade e na fina ironia. Entre outras e outros. Podias fazer um dicionário da tua leitura dos lugares-comuns, talvez chamado “Lugares-originais para lugares-comuns” ou quem sabe “Hermenêuticas escaganifobéticas”. Já tens 19 1. Ou 20 – 1. Depende se queres agarrar ou largar o “larga o vinho”. E se queres meter mãos à obra, pôr a mão na massa, agarrar o touro pelos cornos e continuar a vender o teu peixe. Seriam favas contadas, que deixariam todos com vontade de mostrar o piano. Começaste com o pé direito.

  13. Pessoal, o licantropo trouxe estupendas sugestões, de que destaco:

    – Olhó foguete

    – Ó Zé aperta o laço

    – Lá em cima está o tiroliroliro

    Que tipo de explicação os maluqinhos do Arrastão iriam arranjar para censurar estas expressões? Roo-me todo a pensar nisso.

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