O mano Costa não é fratricida

«Vara pode ainda queixar-se de outra coisa, a dureza das penas. Foi-lhe aplicada a pena máxima para o crime em causa, o que parece excessivo dada a natureza do processo, dos objetivos pretendidos e alegadas contrapartidas. Mas houve claramente, por parte dos juízes, uma vontade de tornar este caso exemplar. De mostrar que o Face Oculta não é uma exceção, mas um virar de página.

Não nos podemos esquecer do que foi o Face Oculta numa primeira fase, com as escutas entre Armando Vara e José Sócrates. O caso abalou fortemente o sistema judicial, com Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento a decidirem destruir essas escutas e, assim, acabarem um inédito caso em que um primeiro-ministro em funções podia ser investigado por um atentado contra o Estado de direito, por conspirar para a compra da TVI.

O caso começou assim e acabou por ser outra coisa. Mas a Operação Marquês surgiu poucos anos depois para fechar o ciclo. Vara pode queixar-se, mas é sobretudo disto. De ter estado no centro de muita atividade judicial, com as piores companhias, péssimas intenções e uma ideia de que tudo se pode fazer.»

Ricardo Costa

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Talvez Ricardo Costa seja quem melhor nos consegue mostrar o que esteve e está em causa na condenação abstrusa e grotesca de Vara num caso sem provas nem proveito ilícito. Ele é uma das raríssimas super-vedetas da imprensa portuguesa, chefiando o poder editorial de um dos maiores grupos mediáticos nacionais cuja agenda consiste em desequilibrar o espaço público a favor do PSD. Para além disso, é irmão do actual secretário-geral do PS e primeiro-ministro. As coisas que este passarão não deve saber, com tantos almoços e jantares animadíssimos à mesa da oligarquia, né? Pois é.

Como se pode ler acima, está consolado e satisfeito com a prisão de Vara em pena máxima. Acontece que o seu agrado nasce de saber que os juízes resolveram violar a razão de ser da sua independência como poder soberano. Essa independência garante-se constitucionalmente para que cada juiz se saiba na posse de uma liberdade absoluta. Porém, acarreta uma inerente e indelével responsabilidade: que a sua liberdade inviolável seja posta ao serviço do mais absoluto respeito pela Lei no acto mesmo de se fazer justiça aos cidadãos. Dito de outro modo, a Justiça só se justifica como poder soberano se estiver ao serviço do Soberano donde recebe esse poder. Ora, o que o Ricardo Costa nos está a dizer através do Expresso, para que não haja qualquer dúvida sobre o seu pensamento, é o oposto destes princípios. Quando se faz de um julgamento uma exibição de força para usar a liberdade dos cidadãos, e o seu bom nome, como carne para um canhão que dispara sentenças “exemplares”, então a liberdade dos juízes que assim decidem está a servir para destruir a liberdade inscrita na Constituição – a liberdade que antecede e supera a sua legitimidade como magistrados. Não foi para deixar aos tribunais um arbítrio com intentos políticos que se delegou nos mesmos a representação dos direitos e garantias, isso é antinómico com a noção de Estado de direito democrático e apenas serve intentos violentos.

Igualmente nos diz que o abuso judicial e penal sobre Vara corresponde a um “virar de página“, é o saboroso fruto de uma «“evolução” no Direito». Vara como vítima sacrificial de um bem maior, eis o sofisma que agita. Acontece que nada mais acrescenta, nada demonstra, nada sequer existe no que escreve que permita ir além da mais pura hipocrisia, do mais cristalizado cinismo. Será que os juízes vão passar a repetir os critérios usados neste julgamento, é disso que se trata? Pena máxima para situações onde um funcionário de um banco apareça invocado nas declarações de uma testemunha que alegue ter ouvido o seu nome referido por um terceiro, sendo que esse terceiro nega o que a testemunha disse e nem sequer acaba como arguido? Qual é exactamente a lógica que vai marcar a nova jurisprudência onde entrámos graças aos justiceiros de Aveiro? E, já agora, tendo em conta que Vara foi apanhado há 10 anos, onde é que estão os novos casos já ao dispor dos ferozes juízes que perseguem o flagelo criminoso do tráfico de influências? Presume-se que Vara, para citar o angélico Marques Mendes, seja apenas a ponta da ponta da pontinha do icebergue, daí se justificar o seu linchamento penal em nome da salvação da Pátria. Cadê o resto da bandidagem? Ou será que não temos conhecimento de mais nenhum caso de tráfico de influências onde dê para atacar partidos e prender ex-políticos porque este aconteceu durante o mandato de Pinto Monteiro à frente da PGR? Vai na volta, com a Joana Marques Vidal é que terá voltado a impunidade, fica a suspeita.

Ricardo Costa atinge o zénite da utilidade na compreensão do que se fez a Vara quando nos explica que o “Face Oculta” e a “Operação Marquês” são partes de um mesmo processo. Que processo? O processo de tentar derrubar um primeiro-ministro em funções usando a Justiça, numa primeira fase, e depois conseguir prender um ex-primeiro-ministro sem esperar por qualquer acusação, condenação e trânsito em julgado, a “fechar o ciclo“. Então, como expõe e aprova, Vara não passa de um protagonista menor num drama muitíssimo maior. Em 2009, recorda feliz, espiou-se um primeiro-ministro de forma ilícita e estava tudo pronto para enfiar Sócrates num processo judicial nas vésperas de ir a votos para as legislativas e autárquicas. Depois se ele era acusado ou não, condenado ou não, seria até indiferente. O simples facto de ficar como arguido levaria a decapitar e afundar o PS, estava o ganho político obtido. Só que Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento não alinharam na golpada, como corruptos socialistas que são, tendo a operação borregado. À pressa, lançou-se a Inventona de Belém como substituto do plano original. Em 2013, aí sim, foi possível usufruir de todas as vantagens políticas e mediáticas que a captura de Sócrates iria trazer. O director-geral de informação pago pelo Balsemão não podia estar mais contente com o desfecho da operação bicéfala.

Sabemos que Ricardo Costa pensa assim, e exactamente assim, porque o deixou escrito:

«Vara pode queixar-se, mas é sobretudo disto. De ter estado no centro de muita atividade judicial, com as piores companhias, péssimas intenções e uma ideia de que tudo se pode fazer.»

Aqui chegados, a perguntinha fatal: quem são as restantes figuras que compunham “as piores companhias“, essas que tinham “péssimas intenções e uma ideia de que tudo se pode fazer“? Ou seja, de quem fala sem nomear seja quem for para além de Sócrates? Quem são os outros “socráticos” que adoraria ver em tribunal a receber condenações exemplares e na ramona a caminho de Évora? Jamais o dirá. Porque não lhe convém, bem pelo contrário, olá. Por um lado, porque recorrendo à sonsaria a calúnia expande-se ao máximo e engole o Partido Socialista por inteiro. Por outro lado, porque as suas reuniões familiares passariam a decorrer num ambiente pesado ou exaltado, quiçá atentatório da sua integridade física, tendo em conta que António Costa era um dos mais notáveis e influentes membros do núcleo duro de Sócrates; sendo que no actual Governo estão outros que compunham esse grupo de intimidade política e vivencial nos Governos socráticos, os quais nunca renegaram a sua lealdade partidária e pessoal. Ricardo Costa não se pode dar ao luxo de emporcalhar o nome de tanta gente tão importante pelas melhores razões no PS e no País, especialmente o nome do seu mano. Daí optar pelo recurso favorito dos cobardes, a pulhice embrulhada num hilariante e decadente “jornalismo de referência” que não passa de uma exibição de impotência política e miséria cívica.

13 thoughts on “O mano Costa não é fratricida”

  1. “Conspirar para a compra da TVI” eheh
    Nota-se a espessura politica do empregado do psd bannoninho Costa, um governo pode comprar um grupo de comunicação privado, não é crime, seria assim se um partido comunista ganhasse eleições por exemplo, ou se este governo reverter a venda dos ctt. Mas mais uma vez fica claro do que se trata a simples criminalização de toda as politicas realizadas naqueles governos.conspiração. A unica conspiração é aquela cabecinha estupida e manipuladora estar onde está.

  2. sim sim estamos feitos com governantes a comprar cenas que lhes interessam pessoalmente em vez de comprar cenas que interessem ao ” Soberano”, mas enfim , sempre dá para rir ver as cambalhotas e piruetas que alguns dão para justificar o injustificável. é como o Vara, chama de consultadoria o recebimento de luvas, não tem noção do ridículo, só pode.

  3. O Bannoninho Costa ate tem bons exemplos do que é uma conspiração: o militante no 1 de um partido obter uma licença de tv de um pm do mesmo partido, Cavaco, num concurso mais que duvidoso.
    E é este o principal contributo do mano Costa, o sartorialismo oco dos que promove e o analfabetismo político de quem o segue.

  4. “Jamais o dirá. Porque não lhe convém, bem pelo contrário, olá.”

    Não tenho a certeza que o mano Costa não seja suficiente pulha, pedante e invejoso para, se tivesse algum dado que incriminasse mais algum socrático, o nomeasse na praça pública mesmo o mano. Penso mais que o seu desejo de abater o PS para servir o dono nas suas habituais negociatas com um governo do militante nº1 o leva à actitude de “porque recorrendo à sonsaria a calúnia expande-se ao máximo e engole o Partido Socialista por inteiro.”
    Nota-se que sempre que a discussão entre PS e PSd azeda (veja-se a recente resposta da Cavaca da Ordem dos Enfermeiros deu a Costa) as acusações insinuosas de “colaboracionismo ” no governo Sócrates salta logo da caixa do passismo acerca dos “horrores socialistas”, nunca explicados nem provados mas sistematicamente atribuídos ao governo Socrates.
    Apenas aguardam melhor oportunidade para poderem acusar directamente citando nomes enquanto por agora limitam-se a “informar” o pagode que Vara, Sócrates e Carlos Santos SiIva, o amigo, foram a ponta do ice-berg no assalto ao controlo totalitário do país.
    A parte escondida desse ice-berg, tal como é dito pelo mendeseco e pensado pelo o mano Costa na mesma SIC, aguarda que as condições de um governo PSD passista mancomunado com um MP vidalesco posto a jeito e sob o lema de que “a impunidade acabou” e teremos o ataque ao PS com todas as pedras na mão.
    Só depois é que se vão lembrar que o desmascaramento e ataque pronto à narrativa das “façanhas” tão diabólicas e incríveis de Sócrates, que só podem ser milagres ou são mentiras puras, deveria ter sido uma prioridade tal com o percebeu imediatamente Mário Soares, o velho leão da política portuguesa.
    Não o fizeram e agora carregam essa espada de Damocles indefinidamente.

  5. “podia ser investigado por um atentado contra o Estado de direito, por conspirar para a compra da TVI”
    Se há coisa na vida que nunca percebi é porque é que raio um PM e SG do PS está a conspirar e a cometer um crime por tentar “comprar”, via terceiros, uma empresa de comunicação social. Isto num país em que um ex-PM do PSD é dono e senhor de um poderoso grupo de media, a TVI está nas mãos da Guedes e RTP absolutamente tomada por directores e jornalistas de direita radical.
    Deve ser a mesma lógica que diz que se quer discutir o SNS sem contaminação ideológica, como se a proposta de direita , mais favorável aos privados, não fosse, também ela, inevitavelmente, uma declaração ideológica.
    Uns podem ter jornais e tvs à farta, os outros são criminosos por tentarem o mesmo…
    Arre porra!

  6. andam a misturar maizena com branca de neve e depois dão espirros maçónicos.
    atão o sócras queria comprar a tvi através do grupo ongoing que tinha como vice-presidente o zé eduardo moniz e este corria com a mulher do jornal nacional. ganda plano, se não fosse a dupla róró & alex a investigar e o manhólas a publicar estas cenas morriamos na ignorância.

  7. “The words of the prophet are written on the subway walls”
    Paul Simon
    A falsa perceção do que é o Psd deveu-se a um erro original de inscrição. O “Hoje somos muitos amanhã seremos milhões” foi simplesmente a adulteração pop de “Hoje somos muitos amanhã faremos milhões”. O core do negocio nunca foi Malthus mas sim Milton Friedman.
    Kill your prophet and rewritte the walls motherfuckers!

  8. I heard the news today oh boy
    about a lucky man who had millions in Switzerland
    and though the news was rather sad
    well i just had to laugh

  9. Justiça só se justifica como poder soberano se estiver ao serviço do Soberano donde recebe esse poder

    obrigada, Justiça, com o Vara fizeste um bom serviço. não te esqueças de perguntar se estava colectado nas finanças como profissional independente na área de “consultadoria”, ou qual a empresa em que exercia a profissão de consultor por conta de outrem ; pede-lhe a lista das empresas clientes dos seus serviços de consultadoria e procura na contabilidade destas os assentos das saídas de dinheiro.. não deixes nada ao acaso, pá.
    assinado
    Soberano

    ps) espero que o Valupi reconheça que errou e peça desculpa ao Soberano por defender escroques.

  10. “quem são as restantes figuras que compunham “as piores companhias“, essas que tinham “péssimas intenções e uma ideia de que tudo se pode fazer“? ”
    Eu atrevia-me a nomear uma dessas figuras: Manuel Pinho que, alegadamente, recebia uma avença de um banco privado enquanto exercia funções de ministro. Aguardemos o desfecho.

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