Montenegro, escuta

A propósito de promessas eleitorais
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NOTA

Montenegro — e o PSD, e a direita decadente em geral — continua a querer explorar o filão do chumbo do PEV IV e da Operação Marquês. Para esta escumalha, os valores que fundamentam o Estado de direito só são fundamentais se os protegerem a eles. Tratando-se de adversários políticos, a lógica consiste em tratá-los como inimigos. Daí a cultura da calúnia, os apelos à violência política, a desumanização rapace a que se dedicam pulsional e inveteradamente.

Montenegro não pode caluniar Pedro Nuno Santos, sequer difamá-lo, mas não resistiu a usar Sócrates para o atacar através de uma aldrabice de feira para uso em infantários.

Montenegro é isto. Só isto.

16 thoughts on “Montenegro, escuta”

  1. o PEC IV foi acordado com a Merkel, a Alemanha e a «UE» estavam de acordo

    Foi o PCP que se aliou ao Cavaco e ao Passos Coelho para chumbar o PEC IV.

    PORÉM, agora vê-se com uma clareza que perturba muitos, que as despesas que Sócrates queria fazer no PEC IV (basta ler o documento) e o modo como as queria pagar foram aprovadas pela Merkel e pela «UE».

    E o tempo ainda veio dar mais razão a Sócrates, do que nessa época. Pois, Sócrates e o PEC IV disseram que a crise financeira mundial iniciada no Lemon Brothers que nessa altura afectou a Europa seria bem resolvida com um aumento da despesa em Investimento produtivo (modernização das escolas, aeroporto para o turismo, TGV para a mobilidade entre Espanha, Portugal e Europa, informatização no ensino e acesso universal dos mais pobres ao computador ‘magalhães’, modernização dos serviços públicos, cortes nas benesses dos juízes, reforma das pensões, subsídios e contratos vitalícios, etc.).

    OU SEJA, tudo despesas que se repercutiriam em ganhos de competitividade, que fariam pagar a Dívida e o aumento da Despesa a prazo.

    OU SEJA, aquilo que 20 anos depois, agora, todos (PS, AD, IL, Chega, BE, Livre) dizem que é o caminho correcto.

    E, pasme-se, até o propõem como sendo o milagre da solução.

    Sobre Sócrates … ainda a procissão vai no adro.

    Ainda nem sequer tiveram coragem de julgar o homem em tribunal. Andam os juízes, juízas e procuradores todos à bulha uns com os outros a ver se se livram do erro.

    E o tempo será o melhor juiz.

    ESTA QUETÃO DO SÓCRATES, não tem nada a ver com «PS ou PSD», «’esquerda’ ou ‘direita’», «’gostar dele’ ou ‘odiá-lo por ser antipático’», com o «cartaz do Chega», etc. Tem a ver com a pulhice humana, e com a impotência dos medíocres.

    O QUE VALE, é que, como uma grande parte do Povo não vota (pois, não permite que sejam os montenegros, os sócrates, os marcelos, os almirantes gouveias, comentadores e reis e rainhas dos Media, e outros pantomineiros, que o representem e tomem as decisões cegamente durante 4 anos pelo Povo) — nas últimas ‘Legislativas de março 2024’ foram 5.248.707 de 10.813.643 inscritos que nem lá foram —, … o resultado eleitoral do regime da actual Democracia não conta para nada.

  2. Eh pá , o pns parece um cigano de feira, um aldrabão total. Não somos assim tão crédulos, rapazote, aprendemos qualquer coisa com o teu sócio socrates.

  3. IMP, por que decidiu escaqueirar o seu excelente comentário com o último parágrafo? Está a ser “seguido”? Precisa de ajuda?

  4. Fernando, porque …

    Só percebendo a voz silenciada dessas 5.248.707 pessoas que não se deixam representar pelo regime da Democracia conseguiremos melhorar a sociedade e o actual regime que a domina.

    Fecharmos os olhos a essa realidade, por mais perturbadora que nos seja, é um erro crasso. Imperdoável.

    Repare na autocracia do actual regime da Democracia:
    — Uma pessoa, qualquer, tem uma opinião diferente e uma proposta diferente da do regime da Democracia. E quer expressar essa diferença de opinião, constituindo um Partido Político para ser submetida ao voto.
    — O que faz a Democracia?
    — Manda-a ir ao Tribunal (ou seja, aos que decidem sem terem sido escrutinados pelo voto, por a Democracia lhes dar ‘separação-de-poderes’). E é esse Tribunal que vai decidir de acordo com uma Lei que diz que não pode concorrer quem não estiver de acordo com o regime da Democracia.

    PASME-SE A AUTOCRACIA!

    LOGO, é um imperativo ético e moral em prol da Liberdade denunciar essa autocracia do actual regime da Democracia.

    Já aqui apresentei e propus medidas e soluções para se melhorar esta ignóbil situação. Mas quase todos metem a cabeça na areia, e fingem-se melindrados.

    Acha isto justo e correcto?

    Acharão esses, que vão escapar ao julgamento do tempo, e não irão ser acusados como foram os do anterior regime?

  5. Aquilo que os partidos políticos têm para dizer aos Portugueses é simplesmente o nome do ex-Primeiro-Ministro, José Sousa, não têm um projecto para o País, não se comprometem a realizar as Reformas que Portugal precisa, a Regionalização/Federalismo, nem o Referendo para que os Portugueses possam escolher se querem um regime e sistema de governação Presidencial, Republicano e Regionalista/Federal, ou manter o actual sistema Parlamentarista, Liberal e Centralista.

    Da minha parte já não tenho pachorra para ouvir o que os liberais (PS, PSD, CDS, PCP, BE, CH, L, PAN, IL) têm para dizer, simplesmente porque não têm nada para dizer, nada a acrescentar, nada de novo, e felizmente parece que os Portugueses ingénuos ou mais distraídos já começam também a aperceberem-se disso.

  6. Bolas. Ainda esta personagem anda a falar do PEC IV. Não tem um pingo de vergonha. 78.000.000.000 de €s depois.
    É um doente. Não sei até se não virá ainda a procurar a sua inimputabilidade com esse argumento, caso não veja outra saída.

  7. com o PEC IV

    Portugal tinha ganho, agora, 20 anos depois, mais do dobro do que tinha sido gasto.

  8. «E é esse Tribunal que vai decidir de acordo com uma Lei que diz que não pode concorrer quem não estiver de acordo com o regime da Democracia.»

    E é esse Tribunal que vai decidir de ACORDO COM UMA LEI estabelecida democraticamente.
    Agora, impronunciável, explica como é numa AUTOCRACIA putinista, Xi-pinguista, aiatolista, saudinista ou Unpinista, etc? Será melhor um ‘iluminado’ nazista, mussolinista ou trumpista decidir tudo por todos por via de sua única olímpica e indiscutível opinião? Opinião essa que não leva, somente, à proibição de qualquer outra opinião como, quase invariavelmente, leva à proscrição e execução do opinador discordante.
    A posição ‘impronunciável’, seja o impronuncialismo um obscurantismo indecifrável seja uma neo-retórica-gnóstica disfarçada, conduz ineviitavelmente à apologia, como aqui é evidente, do poder absoluto unipessoal dum homem só imbuído de um messianismo universal que acaba sempre em desastre para a humanidade.
    Porque o homem não pode sair ou ir além da sua condição humana; três mil anos de história registada e conhecida comprovam que tudo flui, perece e transforma.
    A Democracia tem consciência de sua transitoriedade contínua ao contrário da autocracia que é uma procura de imortalidade de um homem, uma ideia, um regime, uma infalibilidade impossível.
    Daí, também, a confusão apologética, aqui pronunciabilizada, de opostos como Sócrates e Putin.

  9. uma lei que diz que não se pode mudar essa lei … é uma AUTOCRACIA

    José Neves,

    Uma lei que diz que não pode ser mudada, decidida por quem não é escrutinado pelo voto, é uma dupla autocracia. Pois não apenas prescreve a autocracia na lei, como põe a decidir pessoas que não podem ser julgadas por essa decisão.

    LOGO, o actual regime da Democracia é pior ou igual às outras, incluindo as de putin, trump, união europeia, nato, xi ping, e a todas as outras que se autocraciam.

    Contra factos …

  10. «Uma lei que diz que não pode ser mudada»

    Estás a mentir ‘impronunciável’ dado que as leis em democracia podem ser mudadas e até é estipulado como se deve fazer democraticamente a alteração da lei.
    Na autocracia a “lei sou eu?” como dizia o rei sol e diziam Staline, Hitler e dizem Putin, Xi Pimg, aiatolas e atualmente quer, também, Trump.
    Não embrulhes tudo no mesmo saco para, deduzires que é ‘tudo o mesmo’. Não, as diferenças são incontornáveis pese embora os artifícios de linguagem que utilizas.

  11. Montenegro fez um excelente pé-de-meia no âmbito da proteção de dados e a firma que criou estará ainda a lucrar nessa área. Duas das mais importantes nomeações que propôs, procurador-geral da República e presidente do Tribunal de Contas, estão intimamente ligadas à proteção de dados. O primeiro foi, durante muitos anos, vogal da Comissão de Proteção de Dados e a segunda, durante anos, presidente da mesma. Serão coincidências, com certeza, mas coincidências que não podem deixar de suscitar interrogações políticas. O presidente da República teria sido alertado para as mesmas? Acresce que a pessoa indicada para a procuradoria-geral da República, encontrando-se reformado a alguns anos, atinge (ou já atingiu?) os 70 anos, o que, na opinião de pessoas esclarecidas, inviabilizaria continuar em funções. A paixão pela proteção de dados terá ido longe demais. De Sócrates não se conhecem idênticos procedimentos.

  12. a confusão apologética … de opostos

    José Neves,

    1. Sobre essa realidade, que o actual regime da Democracia promove e incute, de uma propositada confusão de opostos, para se conseguir perpetuar através de um pêndulo que oscila perpetuamente sem nada o conseguir mudar, e de com essa estratégia autocrática promover como legal o seu poder anónimo separado do escrutínio do voto, fingindo que se legitima por ele, vieram à memória do IMPRONUNCIALISMO as palavras do eslovaco Slavoj Zizek:

    2. Zizek começa o livro com um Prefácio a que chama “Bem-Vindos ao Real Europeu”, e escreve:
    — “O hino oficioso da União Europeia, que tivemos a oportunidade de ouvir durante diversos eventos políticos, culturais e desportivos, esse Hino à Alegria (Der Ode na die Freude) extraído do último andamento da nona sinfonia de Beethoven, é um verdadeiro «significante vazio» que pode ser utilizado seja para o que for.
    Em França, Romain Rolland elevou-o ao estatuto de ode humanista celebrando a fraternidade dos povos (a ‘Marselhesa’ da humanidade); em 1938, foi a atracção principal do espectáculo das ‘Reichmusiktage’ («Jornadas de música do Reich») sendo, mais tarde, tocada para o aniversário de Hitler; nos anos 70, podíamos ouvi-lo em honra da medalha olímpica de outro quando as equipas participantes da Alemanha Oriental e Ocidental se reuniam numa só; o regime de Iam Smith, partidário da supremacia branca, que decretou a independência no final dos anos 60 a fim de manter o ‘regime do apartheid’, fez dele o seu hino nacional. Até Abimael Guzman, o cabecilha do movimento ultraterrorista ‘Sendero Luminoso’, hoje encarcerado, mencionou o quarto andamento da nona de Beethoven quando o interrogaram sobre os seus gostos musicais.
    Não nos é, portanto, difícil imaginar um espectáculo de ficção ao qual assistiriam todos os que são inimigos jurados, de Hitler a Estaline, de Bush a Saddam, esquecendo as suas oposições para participarem num momento mágico de fraternidade extática …”

    (S. Zizek, 2002, “Welcome to the desert of the real!”. Editada em português pela ‘Relógio D’Água em 2006, com o título “Bem-Vindo ao Deserto do Real”, pág. 11-12)

    3. CURIOSAMENTE, em 2020, um Amigo de longa data, pertencente à comunidade judaica, por ocasião do novo ‘Museu Judaico’ a erigir em Lisboa, pediu ao IMPRONUNCIALISMO que lhe sugerisse uma Exposição sobre o genocídio ocorrido na «Guerra 1939-45». A sua preocupação tinha a ver com os recentes «discursos e narrativas» negando a veracidade daqueles factos.

    4. A sugestão do IMPRONUNCIALISMO foi, que relacionasse Auschwitz com a criação dos mulsemann (referidos, entre outros autores, por Primo Levi, Agamben, et alli). Já que, se se trata de uma disputa ideológica que despreza a realidade. Então, que a Exposição lutasse também nesse território. Ou, dito de outro modo, usando a linguagem kantiana: — Se a «realidade sensível» é para esquecer, então também não devemos ter receio em debater no território das «categorias do entendimento».

    5. O IMPRONUNCIALISMO sugeriu ainda, para tornar a Exposição um assunto do Presente e da actual vanguarda no Conhecimento, que estabelecesse uma relação entre a existência desses mulsemann e o debate hermenêutico sobre o Ser e a Existência (Husserl, Heidegger, Ricoeur, Agamben, et alli). Apresentando uma relação nova entre os contributos existencialistas e os limites da atual definição de Verdade e Inteligência propostos desde a equação de Thomas Bayes (1760) e Pierre-Simon Laplace (1812). Pois há referências e fontes bibliográficas suficientes para sustentar esta proposta.

    6. Evidentemente que a Exposição teria imagens e objetos, já que sem elas a maioria das Pessoas fica perdida. Mas o algoritmo da mensagem da Exposição seria aquele.

    7. Pois, a fórmula de Bayes-Laplace, P(A/B) = P(B/A) x P(A)/P(B), permite calcular como os novos acontecimentos transformam a probabilidade da ocorrência de outros, sucessivamente. Ou seja, a fórmula permite descrever-constatar-calcular as diferenças no seio de um processo de mudança (servindo, também, para descrever-constatar-calcular a mudança de expectativas que essas novas mudanças provocam a priori, isto é, antes de efetivamente ocorrerem).

    7.1. Concretamente, se nessa fórmula:
    P(A) e P(B) – designam, respetivamente, «a probabilidade de o acontecimento A ocorrer», e «a probabilidade do acontecimento B ocorrer».
    P(A/B) – designa a probabilidade de o acontecimento A ocorrer quando o acontecimento B ocorre.
    P(B/A) – designa a probabilidade de o acontecimento B ocorrer quando o acontecimento A ocorre.

    7.2. ENTÃO, substituindo A por ‘ser’, e B por ‘não-ser’, o resultado seria:
    P(A) e P(B) – designam, respetivamente, a probabilidade de ‘ser’ ocorrer, e a probabilidade de ‘não-ser’ ocorrer.
    P(A/B) – designa a probabilidade de ‘ser’ ocorrer quando ‘não-ser’ ocorre.
    P(B/A) – designa a probabilidade de ‘não-ser’ ocorrer quando ‘ser’ ocorre

    8. ASSIM SENDO, nessa Exposição que o IMPRONUNCIALISMO propôs, a mensagem a passar aos visitantes seria a seguinte resposta para a questão da condição existencial humana:
    — «Tudo ter que deixar de ser. Mas, não deixando de ser completamente. Para se poder continuar a ser noutro ser transformado. Logo, um ser-posterior, diferente do ser-anterior. Isto é, diferente de aquele que somos agora».

    9. OU NÃO É ISTO, que quebraria os ‘opostos’? E permitiria superar a dominação ideológica da Democracia, responsável pela perpetuação da assimetria «5% donos da riqueza produzida por 95% da população)?

  13. Montenegro vs Pedro Nuno Santos

    Nas últimas Legislativas, em 10 março 2024, o resultado da contenda foi:
    — Montenegro mais 54.999 votos do que Pedro Nuno Santos.

    AD (PSD+CDS+PPM+MadeiraPrimeiro+PPM) = 1.867.442 votos (1.814.002+52.989+451) | 30,15% (29,28%+0,86+0,01) | 80 (77+3+0) deput.

    PS = 1.812.443 votos | 29,26% |78 deput.

    E AGORA, como será?

  14. O IMP. referiu Slavoj Zizek num dos seus comentários em riba.
    Deixo aqui, especialmente à sua atenção, um naco extraído das págs. 49/50 do seu livro Da Tragédia à Farsa, Ed. Relógio D’Água:
    (E não só à sua….)

    – De resto, todos os traços que hoje associamos à liberdade e à democracia liberal (sindicatos, sufrágio universal, sistema de ensino universal, livre e gratuito, liberdade de imprensa, etc.) foram conquistados através de uma longa e difícil luta das classes dominadas durante os séculos xix e xx – ou por outras palavras, foram tudo o que se quiser menos as consequências “naturais” das relações capitalistas. Lembremo-nos da lista das reivindicações que conclui o Manifesto do Partido Comunista: a maior parte delas, excetuada a da abolição da propriedade privada dos meios de produção, são hoje amplamente admitidas nas democracias «burguesas» – o que só acontece, todavia, como resultado de múltiplos combates populares. (…) Os que afirmam a existência de uma conexão natural entre capitalismo e democracia manipulam os factos, do mesmo modo que a igreja católica o faz quando se apresenta, também ela, como advogada «natural» da democracia e dos direitos humanos contra a ameaça do totalitarismo – como se a verdade não fosse que a igreja só aceitou a democracia nos finais do século xix, e, ainda então, só entre dentes, num compromisso desesperado, deixando claro que as suas preferência iam para a monarquia e que o reconhecimento da democracia era, da sua parte, uma concessão relutante aos novos tempos –
    ————
    Gosto muito de ler Slavoj.

  15. a confusão apologética de opostos … dos José Neves (parte 2)

    Fernando,

    E, na contracapa do livro que referi (o esloveno, e não eslovaco como erradamente referi), Zizek diz:

    — “Hoje, A TAREFA CRÍTICA CONSISTIRIA EM RECOLOCAR O «EVENTO» NO CONTEXTO DOS ANTAGONISMOS DO CAPITALISMO GLOBAL. Nessa perspectiva, o verdadeiro choque das civilizações pode revelar-se como sendo afinal um choque no interior de cada civilização. A alternativa ideológica que opõe o universo liberal, democrático e digitalizado a uma «radicalidade islamista» não passaria afinal de uma falsa oposição, mascarando a nossa incapacidade de apreender o que está verdadeiramente em jogo nas políticas contemporâneas [….] O único meio de nos extrairmos do impasse niilista a que nos reduz essa falsa alternativa é uma saída de democracia liberal, da sua ideologia multiculturalista, tolerante e pós-política”

    Na página 30-31, explica porque deu o título a este livro. Escreve:

    — “A imagem do avião, infinitamente repetida, aproximando-se e embatendo na segunda torre do World Trade Center, não corresponderá, na «verdadeira vida», à famosa cena de ‘Os Pássaros’, de Hitchcock, tão bem analisada por Raymond Bellour, na qual Melanie se aproxima do desembarcadouro de Bodega Bay depois de ter atravessado a baía num pequeno bote? Quando ela se aproxima do cais e faz sinal ao seu (futuro) amante acenando-lhe com a mão, um primeiro pássaro (que o espectador começa por ver na forma de uma pequena mancha escura e informe) entre subitamente no alto do ecrã, à direita, e bate-lhe na cabeça. O avião que colide com a torre do WTC não será, literalmente, a mancha hitchcockiana, o desdouro anamórfico que desnatura a conhecida paisagem idílica de Nova Iorque?
    — “Matrix (1999), o grande sucesso dos irmãos Wachowski, conduziu esta lógica ao seu clímax: A REALIDADE MATERIAL QUE TODOS EXPERIMENTAMOS E QUE VEMOS DIANTE DOS NOSSOS OLHOS NÃO PASSA FINALMENTE DE UMA REALIDADE VIRTUAL gerada e coordenada por um enorme megacomputador ao qual estamos todos ligados. Quando o herói (interpretado por Keanu Reeves) desperta na «verdadeira realidade», tudo o que vê é uma paisagem devastada e coberta por ruínas calcinadas: os restos de Chicago depois de uma guerra planetária. Morpheus, o chefe da resistência, reserva-lhe então uma saudação irónica: «BEM-VINDO AO DESERTO DO REAL».
    Em 11 de Setembro, não sucedeu algo semelhante em Nova Iorque? Os seus habitantes foram confrontados com o «deserto do real». E, CORROMPIDOS COMO ESTAMOS POR HOLLYWOOD, a paisagem e as imagens das torres que desabam não podiam deixar de nos lembrar as cenas que mais cortam a respiração nas superproduções dos filmes-catástrofe.”

    (Slavoj Zizek, 2002, “Welcome to the desert of the real!”. Editada em português pela ‘Relógio D’Água em 2006, com o título “Bem-Vindo ao Deserto do Real”, pág. 30-31)

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