C.

Fui buscar C. ao aeroporto. Uma e meia da tarde. Junto-me aos profissionais da espera. Somos uns cinco, seguramos nomes em papéis enquanto nos apoiamos nos suportes metálicos. Aqueles falam de não sei quê, esta fala para o hotel, combina qualquer coisa. Lá está a minha turista, de auscultadores e iPod. Leu o seu nome e acenou-me. C. vem de Espanha, onde está num curso rápido de castelhano. A caminho de casa, faço-lhe perguntas banais, faço conversa. Gosta de fado? Fado? O que é? Nunca ouviu?! Não… Não sei o que é…

Fui o escolhido para levar C. ao passeio turístico da praxe. Só está em Lisboa durante o fim-de-semana. Depois volta a Espanha, acaba o curso e regressa ao Brasil. Vou mostrar-lhe a Linha, Cascais e Sintra. É um passeio de poucas horas e acaba quando a luz do dia se for. Ao começar a subir a serra, ocorre-me que a música no rádio do carro pode não ser do agrado de C. Quer que eu mude de música? Não, tudo bem. De que tipo de música é que você gosta mais? Ah, eu gosto de tudo… sei lá… mas gosto mais de MPB e hip hop… é o que oiço mais, sim.

Passamos pelos locais a correr. Olha ali. Olha aqui. Aqui isto. Ali aquilo. E quase não saímos do carro. Frio. Muito. Muito vento. Vamos agora das Azenhas do Mar a caminho do Palácio da Pena. Atravessamos os instáveis micro-climas da região. De repente, C. interrompe a sua mudez contemplativa e pergunta-me se a cantora é portuguesa. Portuguesa?! Não!… Pois, é que não parecia portuguesa. Mas você não conhece esta canção? Não… E a voz, reconhece?… Espera… Bethânia? A canção na origem do incidente melodiplomático era Um jeito estúpido de te amar, só uma das mais famosas no repertório de uma das mais famosas vozes brasileiras de sempre e para sempre.

C. é uma carioca de gema. Tem vinte anos. Está a tirar o curso de Ciências Sociais. Pode especializar-se em antropologia, sociologia ou política. A antropologia deverá sair vencedora. Contou-me que gostava de ir para África. C. imagina-se a viver com uma tribo, a estudar a sua cultura.

14 thoughts on “C.”

  1. Acho bem, a antropologia é isso. A dúvida é saber quem paga o ordenado a essa jovem investigadora em África. Quem será?

  2. o prosopoeta de antenas no ar! cheira-te a subsídios em todo o lado. até tu ias para áfrica reescrever hinos nacionais, baladas aos embondeiros & lições de sindicalismo aos aborígenes.

  3. aguardamos ansiosamente (e invejosamente) os restantes capítulos desta aventura cicerónica…

  4. Ó cabeça de burro – vai falar em antenas para o lado do teu avô torto, grande calhamaço…

  5. Não me quero meter em questões pessoais e alheias mas a verdade é que, saber quem é que vai pagar à jovem antropóloga, é uma questão pertinente.

  6. Querida Sinhã – calhamaço era muito usado pela minha avó materna que foi nascida em 1907, logo, muito perto do tempo de Raul Brandão. No colégio do Porto na rua Fernandes Tomás onde estudou o gradne escritor ouviu um dia um professor maluco dizer: «Bacamartes, pistolas e navalhas! Cabeça de burro ou calhamaço – à tua escolha!» Outro gritava: «Cabeça de vitelo, Zé bezerro!»

  7. logo vi que havia neto da vizinha do raul brandão, utilizadora frequente de calhamaço, metido na história. só falta confirmar o tamanho do calhamaço com o tal brandão.

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