As reformas e os reformados

No auge da fúria dos ranhosos contra Sócrates, Crespo dizia à boca cheia que a saída de Marcelo da RTP – no contexto da saída de António Vitorino por sua iniciativa, o que desfazia o equilíbrio ideológico ou partidário no comentário político de referência na televisão pública – era o resultado de mais uma manobra do Governo para calar os seus críticos. A afirmação não era apenas estúpida, e muito estúpida, nem era apenas lunática, e muito lunática, era também enternecedora, provocando simpatia. É que Marcelo é uma super-vedeta da política-espectáculo, não existindo nenhum país com representação na ONU que o consiga calar.

Tal como não existe nenhuma figura da esquerda que sequer rivalize com ele. Vitorino seria um par intelectual, e dez vezes mais sério, mas sem qualquer ponto de comparação quanto à vertente de mexeriqueiro e bufão de Cascais que ficará como a mais arreigada pulsão de Marcelo e a fonte mesma da sua popularidade. Os seus extraordinários dotes de comunicador encontraram na televisão o meio perfeito para se exibirem e florescerem, outorgando-lhe um poder de influência que não tem parado de crescer, por incrível que possa parecer ao cidadão distraído. Um poder que ele utiliza para seu gozo pessoal, claro, mas igualmente para ser um agente político interessado na defesa dos seus e no ataque aos restantes. Contudo, debaixo do verniz o que se encontra é uma retinta vulgaridade, até chungaria.

Veja-se este número ocorrido há uma semana e tal, onde convidou uma professora escolhida a dedo só para que ela largasse um panegírico a favor do novo Governo e do Ministro da Educação. Aparentemente, também esperava que a senhora se convertesse em directo à cratocracia, abandonando a intenção de se reformar, mas teve azar nesse particular. Já na parte em que reforçou o conservadorismo e a decadência da corporação, e em que alimentou o simplismo e maniqueísmo com que se travou a luta contra Maria de Lurdes Rodrigues, foi um sucesso. É este tipo de trabalho insidioso que faz de Marcelo uma personagem tão importante para os projectos de poder do PSD e da oligarquia nacional.

A estimada professora não se limitou aos seus 15 minutos de fama ao serviço de Rebelo de Sousa. Na verdade, ela deixou um retrato-tipo dos professores, muitos até então votantes no PS, que entraram em pânico com as reformas na Educação depois de 2005. São professores medíocres, paternalistas, egocêntricos, provincianos, manhosos. Excelentes pessoas, que estão mortinhas pela reforma, pelas férias, pelo descanso. Julgam-se uns heróis só porque conseguem ter turmas caladas a olhar para o quadro. Pela primeira vez este larguíssimo tecido docente estava confrontado com um Governo que não iria ceder à sua chantagem de décadas, obrigando-os a serem melhores com os alunos e consigo próprios. Tremenda alteração psicossociológica foi logo explorada pelos sindicatos, e por toda a oposição, com as consequências que se conhecem e que incluem a perda da maioria absoluta em 2009. Se Sócrates tivesse o tal projecto de poder pelo poder com que o caluniavam, nunca se teria metido nesse ninho de vespas, muito menos teria aguentado Lurdes Rodrigues até ao fim sem vacilar, né? Mas prontos.

Talvez Portugal não precise de reformas, precise é de ainda mais reformados.

13 thoughts on “As reformas e os reformados”

  1. Penso que foi nesta “sessão”, depois de a professora sair, que Marcelo esteve mais de dez minutos a dizer autênticos dislates sobre a UE, a Grécia, Portugal, etc. Nunca vi tanta barbaridade debitada em concentrado.
    O problema deste homem é que é indubitavelmente simpático no ecrã. Tipo fala-barato. Diz de vez em quando umas verdades que, para os incautos, conferem o estatuto de verdades também às aldrabices, que constituem o grosso do que diz.
    Sei, por exemplo, que há uns anos, era Jaime Silva ministro da Agricultura, quando Marcelo resolveu desfiar uma série dislates sobre o seu ministério revelando profunda ignorância e estar ali só para a chacota. Jaime Silva escreveu-lhe uma carta a contestar ponto por ponto o que dissera.
    O que fez Marcelo: no programa seguinte não deixou de referir que o ministro lhe tinha escrito (lá está o lado aparentemente “honesto”), mas despachou o assunto em três penadas dizendo que, basicamente, o ministro confirmava o que dissera. Isto em três segundos e passou adiante.

  2. “que estão mortinhas pela reforma, pelas férias, pelo descanso” infelizmente este é o sonho da maioria dos portugueses. Querem uma vida confortável mas sem esforço.
    A dada altura numa conversa com um reformado “bem instalado na vida” , este afirmava peremtóriamente que o importante era manter os direitos adquiridos especialmente aqueles da sua geração…

  3. gostei especialmente da parte final, quando o professor ofereceu a sucata literária que propagandeia à professora e se esqueceu propositadamente do que aparentemente tinha melhor lombada, que veio a ser mencionado depois da em-vias-de-reforma ter saído de cena e que guardou para si com gula indisfarçável.

  4. Reformados mas com conta, peso e medida. Vá lá explicar isso a uma pessoa que espera desde 20-7-2011 até hoje um cartão do cidadão pedido na loja do cidadão dos Restauradores. Safa!!!

  5. oh poeta da treta! e se fosses reclamar à loja do cidadão em vez de vires pr’àqui afagar as tuas micoses. se calhar foi isso, analisaram a conta bancária, o peso intelectual, mediram-te a reforma e determinaram a impossibilidade, cartão? só se for de parasita.

  6. Lá chutaste para a veia mais uma dose de lucidez, Valupi! A tua sorte é ser reduzido o risco de contágio, graças aos programas de vacinação maciça dos reality shows das televisões que temos. Doses cavalares de brutidez, não há vacina melhor contra a lucidez! Não fosse isso e ainda arriscavas uma “no-fly zone” sobre o Aspirina e umas bombitas “estraligentes” da NATO em cima da moleirinha!
    A Penélope sofre da mesma doença, e cito-a, sobre o Marcelo: “Diz de vez em quando umas verdades que, para os incautos, conferem o estatuto de verdades também às aldrabices, que constituem o grosso do que diz.”
    O poeta Aleixo, catedrático na Universidade da Vida, “teorizou” exactamente o mesmo em verso:

    “P’ra mentira ser segura
    e atingir profundidade,
    tem de trazer à mistura
    qualquer coisa de verdade.”

  7. “Se Sócrates tivesse o tal projecto de poder pelo poder com que o caluniavam, nunca se teria metido nesse ninho de vespas, muito menos teria aguentado Lurdes Rodrigues até ao fim sem vacilar, né?” LOL
    Sócrates aguentou Lurdes Rodrigues até ao fim? Qual fim? Se bem me lembro depois de ter perdido a maioria absoluta nas eleições, Sócrates “substituiu” Lurdes Rodrigues por Isabel Alçada (evidentemente a troco duma sinecura na FLAD para a primeira).
    Vocês já eram ridículos nos “bons velhos tempos socratinos”, agora de tão atarantados que estão já se tornaram patéticos. Isto só para rir, mesmo.

  8. O anónimo palhaço, chartéu, bardino, doente mental, só vê fantasmas. Claro que não é o meu cartão; se fosse o meu era outro o barulho. Mas o importante é que se trata de um cartão desde 20-7-2011 e o «estado» ainda não o fez…

  9. Penélope, a homilia do Marcelo tem aquela utilíssima parte final de perguntas de telespectadores que querem saber a opinião do iluminado sobre os mais variados assuntos. Nada escapa à sua apurada perspicácia e à sua esclarecida análise. Ele responde a tudo, ele sabe tudo, a sua vertiginosa polivalência e capacidade de actualização em tempo real são já planetariamente reconhecidas. Perguntem-lhe sobre os neutrinos recentemente apanhados em excesso de velocidade – ele sabe! Questionem-no sobre a cor das cuecas do Cavaco no dia da tomada de posse – ele sabe! A Wikipédia que se cuide, vem aí a Marcelopédia!
    Entrando no espírito da coisa, telefonei há alguns meses para a TVI a pedir que apresentassem a Sua Iluminância uma questão de extrema importância, da qual depende o futuro do país, a coesão da Europa, a estabilidade do planeta e, last but not least, a minha já muito precária sanidade mental. A pergunta era:
    “Professor, acha justo que, em Portugal, um quilo de preservativos seja mais caro que um quilo de brócolos?”
    Foi muito simpático o funcionário (ou funcionária, não me lembro bem) da TVI que me atendeu, que apontou a questão sem pestanejar, com notável profissionalismo.
    Para decepção minha, porém, no dia do programa não obtive resposta. A princípio fiquei um pouco triste, mas agora sinto até um certo orgulho: foi minha a única questão a que Monsieur le Chevalier de la Vichyssoise, Seigneur de la Malice, não conseguiu até hoje responder. Se o gajo fosse meu aluno, obviamente, chumbava-o!

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