eu cá não dou um tostanito

No exame nacional de língua portuguesa, o meu filho não soube responder apenas à pergunta nº 7. Tive pena, porque o texto a que se refere* é belo e esperaria que ele tivesse sido capaz de uma qualquer interpretação do excerto apresentado, solicitação enunciada pela pergunta. Há tempos encontrei um apontamento dele, do ano passado, que rezava:

Eu acho que neste texto o autor brincou com a palavra «preciso», pois é preciso navegar para pescar no alto-mar, para haver peixe no mercado [ah, a actualidade desta frase…], para descobrir novas terras e para se viajar por mar para outros países. Além do mais se uma pessoa quer navegar tem que ser precisa, senão embate contra as rochas. Na minha opinião o verso «Navegar é preciso» é um verso interessante e bom e por isso concordo com ele. Já não concordo com o verso «Viver não é preciso», pois não há morte sem vida e o mundo seria uma desolação. Eu acho que este verso também tem um segundo significado, pois há pessoas que não fazem nada se não viver e outras que fazem tudo excepto viver. Por isso, apesar de não concordar com ele, acho que é um bom verso e merece ser explorado.

O puto tem indubitável paleio. Não entendo porque não terá ele sido capaz de engendrar uma resposta, por manhosa que fosse. E vós, mesmo de graça, quereis tentar?

7. No final do texto, o autor declara: «Sorrir assim, mesmo sem olhos que nos recebam, é o verbo mais transitivo de todas as gramáticas. Pessoal e rigorosamente transmissível. O ponto está em haver quem o conjugue.»

*Encontrei aqui o texto, embora não na versão mais extensa (e também não integral) que surge no enunciado de exame.

11 thoughts on “eu cá não dou um tostanito”

  1. Quero, pois. O autor advoga uma atitude sorridente, haja ou não haja destinatário para essa particular forma de expressão facial. A referência à ausência de olhos antecipa um ensaio sobre a cegueira, e a petulância de aludir a todas as gramáticas esconde a ambição de conhecer todos os nomes. Também isso de estar ciente de que não há quem conjugue o tal verbo mais transitivo e resolver ir precisamente aí deixar um ponto, eis algo que só se concebe possível se incluso num manual de pintura e caligrafia levantado do chão de uma jangada de pedra, admitindo como correcta a inferência de que as jangadas de pedra têm chão.

    PS – Não ignores o poder galvanizador e aglutinador de 100 euros.

  2. já agora, o parágrafo terminado pelo excerto em análise contém 3 frases que lhe são anteriores:
    Dir-me-ão que não cabe tanto no sorriso. Eu digo que cabe. Soube-o a noite passada, quando foi ele a única resposta para a insónia e para os monstros do pesadelo nascido no sono onde o corpo acabou por deslizar, cansado e aflito.
    o sorriso em análise não só é fruto do sistema límbico como acontece num limbo de consciência, entre a insónia e os pesadelos que estão para vir. terá de facto acontecido?

    a mim intriga-me aquele «por que não?». não se trata de uma pergunta inquiridora duma razão, como seria em «porque não?». procura, entre tantos «nãos» possíveis, aquele que apresente maior acerto.

    muito obrigada pela tua interpretação, valupi. até agora és o vencedor dos zero tostanitos.

  3. eu ca gosto mais das pessoas que não fazem nada se não viver e outras que fazem tudo excepto viver, do que desse senhor dos sorrisos.
    (oh que bem mandada sou que comento tanto :))

  4. hahaha, isabel! muito obedientezinha, sim, mas a sugestão não se estendia aos meus posts, cingia-se aos teus! :D (sendo que os teus magníficos comentos são muito bem-vindos em qualquer lado, já se vê…)

    z, acredito: gostas mais de jogar a feijões. :)

  5. susana, acho que não tens que ter pena. Por vezes, é uma questão de maturidade. Daqui a uns tempos, poderá ele vir a entender esse excerto melhor do que ninguém.

  6. Se puderem leiam o livro «As mãos e as luvas» de João Gaspar Simões – tem um retrato perdeito deste sorriso. E do sujeito.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *