Perorando para os homens e mulheres preocupados com a gestação de substituição

  1. Não estamos a inventar a roda. Há países em que tal prática é regulamentada, existindo contratos-modelo que acautelam as mais variadas situações, incluindo as mudanças de opinião e os abortos, espontâneos ou provocados (ler um Pedro Tadeu preocupado, no DN). Haver pagamentos envolvidos não me repugna e considero até essa condição mais justa, pois introduz clareza e segurança para todas as partes. Nos Estados Unidos, por exemplo, os diferentes Estados têm legislação diferente ou nenhuma legislação. Depende. A situação no Illinois, um Estado favorável, é a seguinte:

llinois
Illinois has a statute highly favorable to gestational surrogacy which governs the process from contract formation to the issuance of birth certificates. It applies to single parents who have furnished their own gametes or heterosexual couples where at least one person has furnished his or her own gametes.

  1. Não é por nada que os casos mais mediáticos que conhecemos de parentalidade por interposta pessoa (esta pessoa chamada, em inglês, “gestational carrier”) – Elton John e o marido, Nicole Kidman e Keith Urban, Sarah Jessica Parker e Matthew Broderick, etc. – utilizaram mulheres totalmente desconhecidas, distantes e sem qualquer parentesco com a mãe e os pais biológicos. Evitam-se tentações. Mas pode também ter sido por uma questão legal. Se eu tivesse de o fazer, escolheria uma pessoa que não me estivesse ligada por qualquer laço. E ficar-lhe-ia eternamente agradecida. Como a uma ama que tivesse cuidado bem do meu filho numa determinada idade.
  1. Esta opção de reprodução não deixa ninguém imune ao stress. Imagino que a mãe biológica da criança, a que fornece o material genético e não a gera, sofra horrores, possivelmente bem maiores do que a “portadora”. Tem muito menos controlo e seguimento do processo do que se tivesse a criança no ventre. E mais ansiedade, pois as hormonas da gravidez não estão a fazer o seu papel de preparação/adaptação (enorme sono ao princípio, paz, tranquilidade e bem-estar mais para a frente – falo da regra geral que é também a minha experiência). E que os pais estejam tão ou mais ansiosos do que estariam se fosse a companheira com quem vivem a gerar a sua criança. Portanto, nada disto se faz de ânimo leve e por brincadeira.
  1. Nenhuma mulher que decida ser portadora da criança de outras pessoas (e mesmo que contribua com os seus ovócitos) é obrigada a fazê-lo. Mas, se o faz, assume um compromisso.
  1. Posto isto, não me choca que, no futuro ainda longínquo, para evitar conflitos sentimentais e/ou legais, as crianças sejam geradas pura e simplesmente fora do ventre feminino. Isto parece ficção científica e desumanização, mas cada vez menos. Todos sabemos que a gravidez e o parto têm riscos para as mulheres e desgastam e deformam o nosso corpo e que o controlo do desenvolvimento do feto também não é total estando ele oculto por detrás de uma parede opaca de tecido humano e a interagir com outro ser humano, qualquer intervenção, ingestão ou infeção afetando não só o feto como a pessoa portadora. Sei que já todos lemos estas cenas em livros ou as vimos em filmes e nos atemorizam, quando não repugnam, um bom bocado, mas considero que não é de excluir que se tornem realidade. Olhem, seria, pelo menos, um bom meio de tornar a maternidade e a paternidade totalmente iguais em matéria de apego, responsabilidades e direitos.
  1. Em que é que isso, a muito longo prazo, transformará o corpo feminino, cujos seios deixarão de ter função biológica, não sei. Possivelmente se a humanidade sobreviver ainda um milhão de anos, os sexos assemelhar-se-ão cada vez mais. Divago, obviamente.

 

12 thoughts on “Perorando para os homens e mulheres preocupados com a gestação de substituição”

  1. “Nenhuma mulher que decida ser portadora da criança de outras pessoas (e mesmo que contribua com os seus ovócitos) é obrigada a fazê-lo. Mas, se o faz, assume um compromisso.”

    Mas que raio de argumento ! Para que ele tivesse o alcance que sugere, teríamos de aceitar por boa a premissa de que estamos sempre conscientes de todas as implicações dos compromissos que fazemos . Estamos ?

  2. No soul.
    Acho que se está a resumir isto a uma mera prestação de serviços cruzado por um novo “fordismo” produtivo, o que não deixaria de ser irónico, nomeadamente o “desde que fosse preto” :) E porque é que a pessoa que faz a gestação não pode ser considerada como familia, se bem que não em primeiro grau – ou mesmo em primeiro grau – adquirindo direitos? Porque nos baseamos exclusivamente no conceito de familia mono e bi-parental e nos direitos de propriedade assegurados exclusivamente pelos genes?

    A sua crença na humanidade é enternecedora.
    Tenho uma vizinha assim, parece uma tábua de engomar, e asseguro-lhe que não é nada bonito, no entanto pode ser um incentivo à exploração intergaláctica.

    Acho que o CR7 fez o mesmo, não posso assegurar, mas acho que é verdade.

  3. O crescente interesse em crimiminalizar actos praticados com animais tem sido acompanhado pelo crescente desinteresse em penalizar actos que afectam vidas humanas e mesmo pela passividade com que a sociedade assiste às maiores atrocidades conhecidas no mundo desde a Segunda Guerra Mundial.
    Vamos por bom caminho. Obrigado, Singer.

  4. Joe Strummer: Mas garanto-lhe que não sou nem pareço uma tábua de engomar, credo.
    Os homens não amam os filhos? E no entanto não os geram. Não há mães que geram os filhos e não os amam? E não há pais que os violam? Isto o contexto geral.
    Quanto ao direito das portadoras: sim, o que diz pode ser possível, ela fazer parte da família. Se o desejar, antes de mais, e se ficar estabelecido no contrato. É possível, sim.

  5. Penélope, não se preocupe,imagino os outros à minha “imagem”, sou um tipo justo ;)
    Referia-me a direitos na lei geral não a contractos bi-laterais. A consagração de um direito não pode conduzir a uma situação menos tipificada noutro lado, mais a mais se a sua utilização for intensiva como prevê.

    Concordando que o gostar ou não gostar não tem a ver com a capacidade de geração, não vejo como isso possa mudar com a geração externa, logo não vejo a pertinência sob essa perspectiva, a não ser uma pretensa sensação de igualdade centrada nos incómodos da gravidez, o que não dilui a diferença entre géneros no essencial. Depois, e se percebo a evolução, perdida a fecundidade a transformação do corpo feminino provavelmente incluiria a perda de ovulação e tudo em seu redor. O resto não consigo imaginar, too dark to see, mas pelo menos que o velho triptico sex and drugs and rock and roll continue por bons milénios e embora o rock n’roll possa não estar de muito boa saúde que os restantes componentes restem intactos. Espero que seja só uma divagação.

  6. que nunca esse admirável mundo novo – e repugnante – venha a nascer. humanos a quererem ser ahumanos será o cúmulo da humanidade: o seu fim pelo recomeço. que porca miséria! que viver sem desassossego! que vida puta e triste! não quero.

  7. Agora que na Inglaterra está prestes a ser uma linda avó o célebre Elton John, já nem vale a pena a gente se chatear com certas pentelhices em que a humanidade se vai transformar.

  8. Eu também gostava que a alimentação passasse a ser feita sempre por via intra-venosa. Não estragávamos tanto os dentes. Essa fonte dores horríveis e de doenças…

  9. Ola,

    So para dizer que a primeira frase do post é um estrangeirismo particularmente infeliz para quem (ainda) fala a lingua do Camilo.

    Boas

  10. joao viegas: Só por ser para ti, “descobrir a pólvora”. É mais português?
    Era só isso? Era isso, sequer? Ilumina-me aí, que já nada sei.

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