O que falta ainda

A ler, no «Público» de hoje, o artigo de João Teixeira Lopes, sociólogo, «Um massacre é um massacre é um massacre é um massacre». Aqui vai um excerto.

«Eu que detesto os teocratas iranianos e a sua idolatria; eu que abomino o caudilhismo de Chávez e a cleptocracia angolana; eu que em nada defendo a presunçosa e secular ditadura Síria; eu que afirmo, como a esquerda a que pertenço, que não há nenhuma sociedade modelo ou “farol da humanidade” – nem o falecido “comunismo real”, nem o autoritarismo dinástico cubano, nem a horrenda monarquia norte-coreana, nem o capitalismo selvagem da China; eu que nunca defendi ou apoiei ou armei taliban e Saddam Hussein no massacre a curdos, xiitas e comunistas, como fizeram sucessivas administrações americanas e o Governo português no tempo de Cavaco primeiro-ministro com Durão Barroso à frente dos Negócios Estrangeiros; eu que denunciei, como milhões de cidadãos e cidadãs no mundo e do mundo, a guerra contra o Iraque e a intervenção no Afeganistão, e que vejo, agora, a guerra civil, o ódio disseminado, o caos flagrante, as chacinas diárias; eu que escrevo contra essa nova vanguarda de extrema-direita, a tribo neoconservadora, detentora da luz que iluminará o mundo, os novos cruzados do império americano e da ideia pura de democracia e do seu proselitismo, os acólitos da ideia de guerra de civilizações, os tementes do relativismo e da democracia avançada (a tal que, felizmente, tudo questiona, porque não há nada que não deva ser questionado, apesar do medo que isso lhes causa), os que defendem Washington como se defendessem Roma contra os bárbaros, desculpando, é claro, e omitindo, sempre que possível, os desmandos do império, como as grosseiras e constantes violações dos direitos humanos (vejam o Iraque, o Afeganistão, o Paquistão – laboratórios inteiros em que, à custa da morte de centenas de milhares, tais peregrinas ideias se desfizeram em destroços – o que querem mais para além da prova, mais que científica, mais que experimental destes cenários de horror, o que falhou, que guerras são ainda precisas, digam-nos Helena Matos, digam-nos, José Pacheco Pereira, digam-nos, José Manuel Fernandes, digam-nos, João Carlos Espada, mas digam-nos de uma vez por todas, o que falta ainda?»

20 thoughts on “O que falta ainda”

  1. É isto. Os pro-isrealitas fanáticos (sublinho, os fanáticos) obrigam-nos, aos demais – alguns de nós, amigos de Israel desde sempre -, a esta humilhação: a de termos de distanciar-nos explicitamente de ditaduras abomináveis (norte-coreanas, iranianas, cubanas etc.) para que se entenda que não condenamos SÓ a engenharia bélica que governa hoje Israel. Uma humilhação, repito. Reles provocadores, eis o que são.

  2. Com a ideia geral estou de acordo, mas com a caracterização de quem defende estes intervencionismos, não.
    O texto falha por continuar a apegar-se a essa falsa dicotomia esquerda/direita, quando aquilo a que hoje se assiste é um novo revolucionarismo mundial.

    A bandeira agora chama-se democracia e superioridade dos “valores ocidentais” em que se inclui uma série de fantochadas politicamente correctas – por todos- sejam de esquerda ou de direita- sob o falso lema da liberdade.

    As noções de história e cultura dos povos, a noção de direito de soberania e foram substituídas por um novo jacobinismo que pretende uniformizar o mundo à sua semelhança. Têm como pólo aglutinador a exclusão de tudo o que possa ser árabe ou islâmico numa caricatura de “atrasado e terrorista ou potencial terrorista”. Como explicação para os problemas do Médio Oriente também têm um único lema- a inveja e o ódio aos que levam uma vida civilizada e são mais progressistas.

    Já andava a aperceber-me desta tendência para unir muita gente vinda de bandeiras opostas, mas hoje em dia parece-me um fenómeno com demasiada expressão para não atentarmos nele.

    Falo por conhecimentos que tenho e até pelo que se pode observar em vários blogues da nossa praça. Não se distinguem. Este recrudescimento de belicismo não tem nada de espírito conservador.

    Até porque os neocons vêm dos trostskistas, da revolução mundial como lema. E são eles, juntamente com o liberalismo selvagem, quem está a lançar a última moda ideológica da actualidade.

    Andava eu a tentar equacionar esta questão e até a levei ao Miniscente (para nada) e ao Bruno do Avatares (inteligente- não a deitou logo para o lixo) quando cheguei a este texto
    http://www.conspiracyarchive.com/Commentary/Lebanon.htm

    (via Dragoscópio)

    que explica melhor do que as minhas fracas palavras, a ideia que tinha.

  3. Sabe o que é que me surpreende no seu comentário? É que não perceba que humilhante é pensar como pensa. E é humilhante para a humanidade toda que o reconheça publicamente, ainda que seja como puro elemento retórico (quem nem me parece que seja, infelizmente…)

  4. Este artigo, sendo delicado com o adjectivo, é um vómito. A pessoa que o escreveu parece ser boa pessoa, mas o que diz, e a forma teatral e dramática como o faz, é de bradar aos céus. O populismo pulula um pouco por todo o lado e já estamos um pouco fartos destes estúpidos dramas dos que negam o mundo violento em que vivemos, dos que nunca tiveram de equacionar a sua existência sob o espectro da violência. É essa a resposta ao articulista: o que falha é haver demasiada gente sob a mira de armas no mundo. Sempre houve, de resto. Só faltava dizerem que é novidade…

  5. este comentário rm que podia ter as inicais trocadas é típico daquilo a que me referia.

    Encontram-se aos molhos em vários lados onde aparentemente não faria sentido estarem. Isto no caso de se teimar na tal dicotomia esquerda/direita perante a política mundial.

    Querem um exemplo´? vão ao Natureza do Mal ou ao Mar Salgado pela pena do FNV. Só para citar 2 exemplos que não são “Lúcias das atómicas”.

    A diferença que os separa do que é escrito pelos Insurgentes é mínima. São citados por todos, incluindo pelos mais primários como o CAA.

    Quais os argumentos que usam? a cartilha politicamente correcta que torna gente de segunda e bárbara quem não segue a tal pirâmida da moda (paradas gay, prostitutas, pornografia)- como questão fracturante que separa os civilizados da barbárie, a crença bacoca que nós somos o topo porque já completámos o tal processo civilizacional e a necessidade de o exportar e impor a todo o mundo.

    Não há diferenças. Já tinha sido este o argumento usado pelos neocons para expertarem a “democracia” para o Iraque.
    E por isso também eles eram os revolucionários da altura.

    Depois resta o papão do terrorismo que pode bater à porta e aí a lógica é totalmente à Luis Delgado:

    é bom que se arrazem países onde eles vivem que assim até os de fora vão todos a correr para lá e depois é só apanhá-los.

    O melhor termo que os caracteriza não é extrema direita. isso é demasiado limititivo e em na maior parte dos casos até é falso-

    são os sissy hawks e neo-jacobinos dos nossos dias.

  6. Até tive o cuidado de deixar de fora um outro fenómeno ainda mais pertinente.

    A ideia da transformação das micro-causas sexuais a extravasarem as agendas internas dos países em que se desenvolvem para se tornarem mais uma justificação para legitimar a guerra e os massacres do Líbano ou mesmo a necessidade dos EUA bombardearem a Síria e o Irão.

    Temos exemplos desses também na blogosfera. E a bandeira dessas pessoas também não tem tradição de direita, muito menos de extrema direita. Alguns até são militantes do BE.

    Há uns bons anos já eu tinha enviado um relatório para o Ministério da Educação por pensar precisamente que este apagar das diferenças culturais dos povos e da riqueza das suas culturas milenares podia trazer maus resultados.

    O relatório que enviei centrava-se nos programas doutrinários que se vendiam em que o tal conceito de “Democracia” aparecia como um valor absoluto e em malabarismos impensáveis era vendido ao lado da “Liberdade”- no caso dos programas de Filosofia cometem-se as maiores atrocidades teóricas para até os juntar a Platão.

    Não foi preciso muito para se assistir a uma geração de intolerantes e sem a menor curiosidade por mundos diferentes que se fecham neste “europocentrismo bacoco” a par da reciclagem de velhos revolucionários que encontram aqui o último reduto da utopia e aspirantes arrivistas de todos os quadrantes, que já aprenderam que a política se faz por modas e por carreiras, agora que os pensamentos e as teorias acabaram.

  7. e até parece de propósito. Outro a dizer o mesmo:

    http://www.democracynow.org/article.pl?sid=06/08/08/1453233

    a democracia como código de guerra.

    Este foi encontrado pelo MP-S

    Nada disto se encaixa no retrato tradicional feito pelo JTL.

    São sempre as boas intenções que movem as cruzadas.

    Nunca os pés bem assentes na terra e a noção de que o mal está dentro de nós e que nós- todos- é que somos imperfeitos.

    Era impossível que esta tendeência uniformizadora que germina no mundo Ocidental, aliada à maior ignorância da massificação não trouxesse asneira e da grossa.

    Só espero não ter de assistir ao verdadeiro salto no vazio que ainda falta-

    as primeiras manifs das nossas belas “democracias” a pedirem a Guerra.

    É mesmo isso que falta, para responder à pergunta do texto.

  8. bom… este comentário saiu em duplicado mas falta um que o antecedeu onde referi alguns exemplos blogosféricos que ilustram o que disse.

    Suponho que esteja na calha.

  9. fernando

    não lhe parece um dom escrever uma crónica sobre a guerra e não falar no hezbolah?

    é que um massacre e o hezbolah tambem os comete é um massacre

    o objectivo do artigo é o de sempre malhar nos EUA e israel
    nem uma palavra de critica para os fubdamentalistas do partido de Deus que tambem matam

    mas esse enfim…..
    não são nem americanios nem judeus

    já não há paciência

    Sérgio
    o

  10. O que tem que acabar, na minha opinião, é esta moda de escrever tudo em minúsculas.

    Bem sei que é uma moda com a melhor linhagem na blogosfera mais letrada em Portugal, mas para os míopes como eu é um obstáculo considerável à leitura.

    (peço desculpa ao Fernando se estiver a alimentar algum provocador, mas eu não resisto a estas piadolas)

  11. Luís Oliveira:

    Se o problema é o tamanho das letras vá ao vew no explorer e aumente o tamanho do texto.

    Se o problema é escreverem-se nomes próprios e iniciarem-se as frases após ponto final com minúsculas, então estamos a falar de outra coisa.

    É moda pop. Terá aparecido por cá por volta dos anos 70, quando se substitui a escrita corrida pelas letras de imprensa gorduchas. Acabou a caligrafia e estandartizou-se uma nova uniformidade, assim como a dos graffitti dos nossos dias.

    À parte isso é também “marca de água” de algumas vedetas mediáticas.

    Mas aí, desculpe se o contrario, até penso que o “anagrama” faz todo o sentido- small caps for small minds”.

  12. Zazie:

    Eu quis fazer o comentário de forma o mais cifrada possível apontando ainda assim para uma única pessoa. Eu sou mesmo uma rata velha.

    Mas como o Sérgio já se repetiu e tu foste suficientemente afoita para dizer “small caps for small minds”. Eu tenho mesmo que te perguntar: sabes a quem eu me refiro? (e descansa que não é a Fernanda Câncio).

  13. Caro Fernando Venâncio,

    Você não conhece o João Teixeira Lopes que está a citar. Um apoiante das piores ditaduras..

  14. – Porque é que a palavra do senhor Venâncio faz fé? Os que pensam de maneira diferente não passam, em geral, de uma cáfila de pulhas e calões, capazes de fantásticos malabarismos, para cumprirem o desígnio natural: não dizerem nada! Até aqui, nada de mais. Insultar comentaristas que pensam de maneira diferente, faz parte das competências cívicas do senhor Fernando Venâncio. Curiosa é a forma como o insulto é invariavelmente endereçado. Ela,a América , é a culpada. Ela, a América , é desprezível. A “ela” marca a definitiva e radical distância entre o senhor Fernando e o exemplar da tenebrosa corja, a América.
    O senhor Venâncio de cada vez que se olha ao espelho, vê-se membro de uma elite educada desde o berço, para conduzir os comentários da ralé e mandar nela.

  15. Anónimo das 05.07 PM,

    Existe ainda alguma feroz ditadura não citada no artigo?

    [E, depois, se você tem uma acusação assim tão grave, porque se esconde?]

  16. Sobre este tema, deixo-vos esta interessante carta do Boaventura Sousa Santos, que, diga-se de passagem, é bem menos bacoco (ou antes, não é bacoco de todo!) que o João.

    Então cá vai:

    Boaventura de Sousa Santos: Carta a Frank
    Escrevo-te esta carta com o coração apertado. Deixo a análise fria para a razão cínica que domina o comentário político ocidental. És um dos intelectuais judeus israelitas — como te costumas classificar, para não esquecer que um quinto dos cidadãos de Israel é árabe — mais progressistas que conheço. Aceitei com gosto o convite que me fizeste para participar no Congresso que estás a organizar na Universidade de Telavive. Sensibilizou-me sobretudo o entusiasmo com que acolheste a minha sugestão de realizarmos algumas sessões do Congresso em Ramallah.
    Escrevo-te hoje para te dizer que, em consciência, não poderei participar no congresso. Defendo, como sabes, que Israel tem direito a existir como país livre e democrático, o mesmo que defendo para o povo palestiniano.
    Esqueço, com alguma má consciência, que a Resolução 181 da ONU, de 1947, decidiu a partilha da Palestina entre um Estado judaico (55% do território) e um Estado palestiniano (44%) e uma zona internacional (os lugares santos: Jerusalém e Belém) para que os europeus expiassem o crime hediondo que tinham cometido contra o povo judaico.
    Esqueço também que, logo em 1948, a parcela do Estado árabe diminuiu quando 700 mil palestinianos foram expulsos das suas terras e casas (levando consigo as chaves que muitos ainda conservam) e continuou a diminuir nas décadas seguintes, não sendo hoje mais de 20% do território.
    Ao longo dos anos tenho vindo a acumular dúvidas de que Israel aceite, de facto, a solução dos dois Estados: a proliferação dos colonatos, a construção de infra-estruturas (estradas, redes de água e de electricidade), retalhando o território palestiniano para servir os colonatos, os “check points” e, finalmente, a construção do Muro de Sharon a partir de 2002 (desenhado para roubar mais território aos palestinianos, os privar do acesso à água e, de facto, os meter num vasto campo de concentração). As dúvidas estão agora dissipadas depois dos mais recentes ataques na faixa de Gaza e da invasão do Líbano. E agora tudo faz sentido.
    A invasão e destruição do Líbano, em 1982, ocorreu no momento em que Arafat dava sinais de querer iniciar negociações, tal como a de agora ocorre pouco depois do Hamas e da Fatah terem acordado em propor negociações. Tal como então, foram forjados os pretextos para a guerra. Para além de haver milhares de palestinianos raptados por Israel (incluindo ministros de um governo democraticamente eleito), quantas vezes no passado se negociou a troca de prisioneiros?
    Meu Caro Frank, o teu país não quer a paz, quer a guerra porque não quer dois Estados. Quer a destruição do povo palestiniano ou, o que é o mesmo, quer reduzi-lo a grupos dispersos de servos politicamente desarticulados, vagueando como apátridas desenraizados em quadrículos de terreno bem vigiados. Para isso dá-se ao luxo de destruir, pela segunda vez, um país inteiro e cometer impunemente crimes de guerra contra populações civis. Depois do Líbano, seguir-se-á a Síria e o Irão. E depois, fatalmente, virar-se-á o feitiço contra o feiticeiro e será a vez do teu Israel.
    Por agora, o teu país é o novo Estado pária, exímio em terrorismo de Estado, apoiado por um imenso lóbi comunicacional — que, sufocantemente, domina os jornais do meu país — com a bênção dos neoconservadores de Washington e a vergonhosa passividade da UE. Sei que partilhas muito do que penso e espero compreendas que a minha solidariedade para com a tua luta passa pelo boicote ao teu país. Não é uma decisão fácil. Mas crê-me que, ao pisar a terra de Israel, sentiria o sangue das crianças de Gaza e do Líbano (um terço das vítimas) enlamear os meus passos e embargar-me a voz.

    (Boaventura de Sousa Santos, Revista Visão de 20060727)

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