Vasco Graça Moura já tem lugar assegurado na história literário-política como autor de uma bosta por ele próprio intitulada “A porcaria”, depositada no DN de 2 de Dezembro de 2009, que termina assim:
Tudo o que ainda vier daquela pena dificilmente ultrapassará o mau cheiro de “A porcaria”.
A porcaria de hoje, “A fauna totalitária”, aqui abaixo citada por Penélope, é apenas mais uma porcariazinha.
O que eu mais reparei foi que V.G.M. nela investe uma vez mais contra o “politicamente correcto”, para denunciar a “fauna rasca” que organiza manifestações de intolerância. Tudo isso acontece, segundo V.G.M., por culpa do culto do “politicamente correcto”. Ou seja, o indivíduo denuncia aquilo que visivelmente considera uma forma incorrecta de fazer política culpando a filosofia do “politicamente correcto”, que segundo ele seria cúmplice e apoiante de tais manifestações. Quem entende?
Quando alguém em Portugal e alhures começa uma treta qualquer verberando o politicamente correcto ou anuncia que vai ser politicamente incorrecto, é quase certo que vai sair besteira, quando não sai porcaria. A expressão “politicamente correcto” é há 20 ou 30 anos usada e conotada pejorativamente por conservadores e outros jurássicos para com ela tentarem ridicularizar os críticos da discriminação racial, do discurso machista e, em geral, do discurso de ódio. Por extensão, tudo o que é de esquerda passou a levar o rótulo de politicamente correcto.
Qualquer rasca de direita se intitula hoje orgulhosamente “politicamente incorrecto”, a maior parte das vezes sem saber o que está a dizer, mas sentindo vagamente que isso lhe dá direito a dizer asneiras.
O autor orgulhosamente incorrecto de “A porcaria” e de “A fauna totalitária” sabe perfeitamente o que diz. Ele é um intelectual assumidamente incorrecto e faz da incorrecção política o seu padrão e o seu ideal. Mas não deixa de ser cómico que o incorrecto de direita que em “A porcaria” acusava o alegado “Estado policial” vigente em 2009, venha hoje exigir polícia e “condenação severíssima” contra os seus equivalentes da esquerda incorrecta.
Muito bom, Júlio.
O ensaio definitivo sobre a cruzada conservadora contra a “correcção política”:
http://www.escapistmagazine.com/videos/view/the-big-picture/2783-Correctitude
Resumindo a argumentação contra a “correcção política” não passa de: “(…) A shield for jerks to defend themselves from people pointing out that they’re jerks”.
Desde que este imbecil se sentiu enxovalhado por ver um piquenique de portugueses que acondicionavam a bebida num garrafão – (oh! qu’horror!) – fiquei esclarecido sobre a criatura.
Citações de Vasco Graça Moura:
«A enfadonha conclusão é sempre a mesma somos “assim” porque nunca nos dispusemos a ser de outra maneira. Quando alguma vez o fomos, foi porque nos obrigaram a isso.»
Isto é falando como político. Na poesia, a premissa é a mesma mas as conclusões não se mostram assim tão retumbantes.
No poema “Espaço Interior” resume o seu próprio naufrágio, o naufrágio de uma interior “furtiva luz [interior] desesperada” que as coisas reais “envolve numa aura verbal e se incorpora nelas”; ou, contudo, “são elas a impor-lhe a sua metafísica” e, desse choque, somente resulta o povoamento do espaço exterior de “temporalidades eriçadas, luzes cruas, sons ínfimos, poeiras.”
Leiam vocês:
«quando o poema
são restos do naufrágio
do espaço interior
numa furtiva luz
desesperada,
resvalando até
à superfície,
lisa, firme, compacta,
das coisas que todos
os dias agarramos,
quando
o poema as envolve
numa aura verbal
e se incorpora nelas,
ou são elas a impor-lhe
a sua metafísica
e o espaço exterior
que povoam de
temporalidades eriçadas,
luzes cruas, sons ínfimos, poeiras. »