Vinte Linhas 284

Dinis Machado – «Sou do Sporting porque apertei a mão ao Jesus Correia!»

Neste dia triste da morte (civil) do escritor Dinis Machado gostaria de o lembrar não pelos livros mas por uma história povoada de ternura que ele me contou há muitos anos quando fomos à Escola Veiga Beirão falar de livros. Nascido no Beco do Carrasco, o Dinis fez a escola primária na Rua da Rosa e andou sempre aqui pelo Bairro Alto. Seu pai, o senhor Oliveira Machado, dono do restaurante «Farta Brutos», ex-árbitro de futebol e jornalista desportivo, levou o Dinis um dia à rua Jardim do Regedor para lhe mostrar a sala de taças do Sport Lisboa e Benfica. No fim da visita guiada o pai convidou o filho a inscrever-se como sócio do Benfica mas ele respondeu: «Pai, sou do Sporting porque apertei a mão ao Jesus Correia!» O porteiro teve uma frase definitiva: «Não há nada a fazer senhor Machado. Não nasceu para ser do Benfica, vai ser leão toda a vida!»

Nesse tempo não havia empresários nem sociedades anónimas desportivas, havia relatos da rádio, jornais desportivos três vezes por semana, rebuçados com bonecos da bola para fazer colecção. Havia menos fotografias mas mais tempo para as paixões. As emoções com as escolhas do nosso clube, essas são para toda a vida e até para além da vida. Morreu o Jesus Correia que apertou a mão ao Dinis Machado, morre o Dinis Machado que me chamava «poeta Lacerda» quando me telefonava para por a escrita em dia. Um dia fiz anos e ele ofereceu-me um soneto dos muitos que escreveu, sabia de cor mas nunca publicou. Eu queria oferecer-lhe um soneto em resposta mas já não vou a tempo. Eu, o «poeta Lacerda», alcunha que nunca saberei como nasceu no imenso sentido de humor do inesquecível Dinis Machado.

9 thoughts on “Vinte Linhas 284”

  1. Caro JCF a história é deliciosa, partilhamos a mesma paixão clubística (gostei do pormenor do pai de Dinis, acumulava o ser ex-árbitro com o benfiquismo e com um restaurante chamado: Farta-Brutos, tudo ligado, portanto) no entanto pareceme que essa do poeta Lacerda lhe trará dissabores… espere pelas rimas que alguns comentadores vão efectuar.

  2. Calma. O soneto vai ser publicado na Revista Ler, já está prometido antes do vosso pedido. Quanto ao facto de ele carinhosamente me tratar por «poeta Lacerda» isso nada tem de negativo. Por duas razões: primeiro, foi ele que fez o prefácio para o meu livro «Os guarda-redes morrem ao domingo» e isso é prova de amizade, segundo fiz a tropa quase toda num Hospital Militar e não tenho medo de muita coisa. Muito menos de piadas parvas…

  3. História brasileira:
    «Em papo infernético com o amigo e jornalista de A Tribuna – grande compositor, comentarista político, cronista, pesquisadsor da nossa música e cultura popular – Luiz Trevisan, ele lembrou de um colega, Antonio Carlos Lacerda, que pertenceu ao PSL em épocas passadas.
    Lacerda decidiu, um dia, candidatar-se a vereador. E criou seu próprio islogan:
    – Merda por merda, vote em Lacerda…»

    Outra:
    «Em 1963, Carlos Lacerda – Governador da Guanabara – era pré-candidato à Presidência da República. Em campanha, Lacerda foi a Montes Claros (Minas Gerais). A cidade mineira amanheceu com os muros pichados: “LACERDA RIMA COM MERDA”. No comício, à noite, naquela localidade, o então pretendente à Chefia da Nação se vingou da ofensa. E desse modo concluiu seu discurso: “É com o meu coração desfeito em saudades que me despeço desta adorável terra. Aqui, deixo, para os meus correligionários e simpatizantes, um grande abraço – e, para os meus adversários, a rima”. »

  4. Caro Zé do Carmo:

    Não vou dizer que sofri mais do que tu com a morte do Dinis. Mas posso ter chorado mais, que isto dos sonos trocados mete-nos as bolsas lacrimais a funcionar.

    Chorei a ler os blogues, de manhã. Chorei no anfiteatro da Gulbenkian. Chorei no Saldanha Residence, em frente a uma loja de modas, a tentar ler “A Ronda da Noite”.

    E chegaram-me as lágrimas aos olhos outra vez, a falar com o Vicente Jorge Silva, que estava a comprar um livro na Book House.

    Assim como fiquei muito triste quando morreu o nosso “Necas” (Jesus Correia). Pedi ao Necas para ir dar um abraço ao Livramento num Paço D’Arcos–FC Porto, em hóquei. Quando o Livramento era treinador do FC Porto. Eu tinha levado a máquina para Paço D’Arcos para tirar fotos às estátuas dos campeões mundiais, no jardim.

    Cerca de duas semanas depois falecia o Livramento.
    Encontrei o Necas poucos dias depois de lhes tirar a foto (antes da morte do Livramento) e cruzámo-nos na estação do Cais do Sodré. Por coincidência, tinha o rolo revelado comigo. Perguntei-lhe:

    — O Necas já deve ter fotos com o António, não?
    — Não, por acaso não. E esta é fresquinha. Mas não quero que o amigo fique sem ela.
    — Ó Necas, por amor de Deus. É só ir à loja e mandar fazer outra para mim. Fiz-lhe uma dedicatória, dei-lhe um abraço, bebi aquele sorriso lindo e fraterno do Necas e corri para o comboio.

    Ainda hoje não tenho a foto em papel. Mas sei qual o rolo. Quando encontrar as fotos que têm as estátuas dos campeões mundiais, é só ir à loja fazer uma foto como deve ser. Agora já com ampliação.

    Dois senhores como o António Livramento e o Necas já não se fabricam.

    E o Dinis era daqueles que já não se fabricam e sabia que o Necas e o Livramento também já não se fabricam.

    Recebe um abraço muito estreito, muito sentido. E havemos de beber um copo à memória do Dinis. Sou eu que pago. A última foste tu, lembras-te?

    (Olha, já tenho mais umas lágrimas a esquiarem-me pelas faces abaixo. A do lado esquerdo chegou primeiro aos meus lábios. Sabia a sal da amizade)

  5. Obrigado amigo. São estes encontros que valem a pena e ao pé deles os desencontros são apenas pó que se perde no vento. Um abraço JCF

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