Arquivo da Categoria: Fernando Venâncio

Gente de segunda (versão revista)

Nunca votei no Bloco de Esquerda. Também é verdade que, por razões de documentação (ou deverei dizer de tragédia pessoal), nunca votei em nenhum partido português. Mas sempre arregimentei gente que votasse por mim – e por eles. Algumas vezes no BE, até em Francisco Louçã.

Hoje sei que nunca votarei, nem ninguém votará por mim, em Louçã. Isto, se for verdade o que leio no «DN»de hoje: ter-se ele recusado a cumprimentar o novo Presidente da República. E não creio que o «DN» inventasse isso.

Eu não votei Cavaco Silva. Também ninguém votou nele por mim. O meu – o nosso – candidato foi outro. Mas acontece que Cavaco é desde ontem presidente do meu País.

Que um hoje paisano, como Soares, tenha deixado o Palácio sem ir ao beija-mão, eis o que, achando feio, não me ofende. Mas que representantes do povo não tenham aplaudido, nem mesmo no fim, nem mesmo sentados, nem mesmo visivelmente incomodados, um discurso presidencial, eis o que já acho degradante. Agora que o dirigente-mor de um partido que sempre respeitei, e mesmo admirei, tenha dado prova de tamanha falta de civismo, aí está o que me ofende. Profundamente.

Não só, como dirigente, provou falta de sentido democrático, como demonstou a posteriori a falta do ‘sentido de Estado’ que, como candidato, fazia crer possuir.

[Indevidamente informado pelo «DN» de hoje, incluí, em versão anterior deste post, uma referência a Jerónimo de Sousa. Lamento-o e peço desculpa].

Boa sorte, senhor Kúman

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No excelente site do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, acaba de ser corrigida uma informação (que me era atribuída) sobre a pronúncia do sobrenome KOEMAN do treinador que esta noite… bom, não se trata de futebol, sim de fonética.

A grafia OE designa, em holandês, o som U. Por exemplo, «vaca», que em holandês se escreve KOE, diz-se «cu». Tal e qual como o pescoço francês e o nosso traseiro. E a palavra KOEMAN quer dizer qualquer coisa como «vaqueiro». E lê-se «Kúman», com o «n» articulado.

Portanto, senhores radialistas: deixem-se de «Kóman», de «Kôuman», de «Küman», de «Köman» e outras tentativas de evitar incómodas sugestões, e chamem esta noite o homem pelo seu simpático nome, «Kúman».

E boa sorte, benfiquistas.

O incrível mundo novo de VPV

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Esta madrugada perdi algum tempo nas caixas de comentários do Espectro. Perdi tempo? Não de todo. Foi um raid de reconhecimento pelos novos cafundós do País.

Vozes ululavam na noite. Os pretextos, também, eram capitosos: o alegado défice de diplomas de Clara Ferreira Alves, a alegada pedofilia de Manuel Teixeira-Gomes. Apresso-me a dizer: nem uma coisa nem a outra os impediram (to say the lest), a eles, Manuel e Clara, de serem bons autores deste amado idioma. Mas não é isto, patentemente, que interessa aos exímios escrivães da noite.

O País não lê. Não era novidade, agora é uma evidência.

Falta dizer que o cronista Vasco Pulido Valente achou um novo suporte. Bem-vindo, senhor, a estas lúgubres paragens. Que você escreva aqui – como certo comentador lembrou – aquilo que não ousa dizer na imprensa, eis o que só nos conforta.

E nos tira esta má consciência, que já pesava.

Lençóis americanos

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Sabia que 10% dos lençóis vendidos nos Estados Unidos são fabricados em Portugal? Eu também o ignorava, até lê-lo numa citação do «Expresso», que encima um conto de Paulo Kellerman (1974, Leiria).

O que você também não sabe (e, se sabe, pertence a um selectíssimo círculo) é que há magníficos contos portugueses, alguns topo de gama, que têm uma circulação discreta. Que ninguém se admire, pois, se lhe disserem que «As sirenes que tocam», esse conto de Paulo Kellerman que nos leva às camas americanas, é uma absoluta jóia. Apareceu publicado no volume Pequenas Nuvens Solitárias Perdidas no Imenso Azul do Céu, Leiria, Sem Editora, 2001. Não creio que você o tenha aí à mão.

Mas o que você tem à mão, e aqui mesmo, na coluna da direita neste seu ecrã, é o link para o blogue A Gaveta do Paulo, onde pode vasculhar tranquilamente.

Uma entrevista com Paulo Kellerman está aqui.

De resto, acabam de sair as suas estórias Gastar Palavras, na Deriva Editores. Ainda não li. Mas, e cito mestre Prado Coelho (não a propósito deste livro, mas num idêntico gesto de fé na humanidade), «terei de procurar».

Mereceremos nós isto?

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Segundo consta, tudo está em aberto no campeonato. Tudo. Agora mais que nunca. Acredite-se: não é que tal coisa me tire o sono. O meu mundo gira, ou emperra, sem futebol. Mas não posso ignorá-la, a essa modalidade de desporto. E aí está um lado precário, e estranho, da minha existência.

Tenho gente próxima, e querida, que desvaira pelo Sporting. Tenho gente próxima, e que estimo, que sofre do Benfica. E este sofrimento, e este desvaire, tornam-se, por vezes, meus. (Também tenho gente estimada, e mesmo querida, que adormece e acorda com o Porto. Mas já me chegam dois problemas). Por tudo isso, quereria eu tanto que o Sporting ganhasse o campeonato. Por isso, eu seria tão feliz se o Benfica tivesse tal dita. Mas não pode ser, e um lado de mim ficará ovante, enquanto outro romperá chorando. (E não venham dizer-me que, se ganhar o Porto, um lado qualquer se consola. As coisas não são assim tão lineares).

Em momentos de lucidez, penso que, se não houvesse futebol, as pessoas andariam mais contentes. (Se não houvesse sexo, também, mas isso já nos leva muito, mas muito longe). Terei, pois, de aceitar que o meu mundo se divida entre os dum clube e os do outro. É um factor de desordem, num universo que eu supunha tão aprimorado.

Daqui a uns meses saberemos mais. Saberemos tudo. Tudo? Não. Em Setembro, vai renascer a desordem. E o desvaire. E o sofrimento.

Nós merecemos isto?

Muito bem acompanhados

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O excelente Portal Galego da Língua noticia aqui uma Semana da Galiza em Braga, de interessante programa.

Ainda demora. Mas é bom ir-se a gente habituando à ideia de que o nosso contacto com a Galiza tem este efeito inesperado: de repente compreendemos melhor este nosso tão simples, e para nós tão óbvio, País.

A Galiza faz parte de um Estado, enquanto que, aqui, o Estado somos nós. Tem uma língua, uma das «línguas espanholas» (escreve a Constituição vizinha), língua que é tão «espanhola» como a nossa. Nicles, niente. Tem um anseio de afirmação frente ao Grande Resto que bem nos serviria de inspiração, a nós, que deixamos o Grande Resto ditar-nos coisas.

Enfim, descobrimos que não estamos sozinhos, que estamos até muito bem acompanhados.

A Galiza é o nosso melhor livro de boas maneiras. Parabéns, Braga.

Pifei a ilustração aqui.

Generation U

Longe de mim sugerir seja o que for. Mas outro dia entrei na Livraria Portugal e vi expostos estes romances, todos recentíssimos, todos (suponho) de autores portugueses: «És o meu segredo», «Pede-me o que quiseres», «Não me digas que foi um sonho», «Não me contes o fim». E isto fez-me pensar. Não me perguntem o quê. Eu próprio não sei. Mas talvez alguém saiba.

Sucedeu no Sheraton

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Há-de julgar-se que não, mas as coisas passaram-se exactamente assim.

Eu queria escrever uma charla (esta mesma) sobre um texto contido num site que descobri, do jornalista Joel Neto (o link vai aí não tarda), onde ele reúne trabalhos que publica, e onde vi referido «NS», que supus (e bem) ser a revista onde ele agora escreve. Não tendo ainda a certeza disso, digito no Sapo «joel neto ns», e que vejo eu logo a oferecer-se? Isto do Nuno Ramos de Almeida, a cuja leitura o destino me havia poupado.

Tinha agora uma certeza que não tivera, a de que «NS» era a revista onde o Joel Neto actualmente escreve, e tinha também um problema: a opinião sobre ele do meu prezado colega aspirínico. Como acho o Joel um magnífico jornalista (mas eu sou suspeito, porque não sou do métier, e sou ainda por cima amigo dele), fiquei desolado com o que o Nuno escreveu e em que vocês entretanto ficaram (e bem) entretidos, deixando-me aqui a falar sozinho.

Tudo isto é tortuoso? É. E porquê? Porque eu não queria falar da «NS» (que nunca vi, de resto, pois não chega cá tão longe), nem do Nuno, nem propriamente do Joel, nem sequer, imagine-se, do site dele que aduzi. Que queria eu então? Só isto: recomendar-lhes o texto «Lisboa vista de cima», um retrato de Vasco Graça Moura como tão depressa não o verão, já que, em entrevistas, ele diz só o que pretende passar e, quando retratado, fascina o jornalista.

Ora, pela primeira vez, alguém, o Joel, faz a VGM um retrato despido de reverência. Resultado: saem os dois a ganhar.

A América não era outra coisa?

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Fui ver o filme. Nele fuma-se (muito), bebe-se (muito), matam-se a rifle veados (veados tipo Disney), comem-se veados (tipo Disney, claro), grita-se «Jesus Christ» como variante de «fuck you», brinca-se com os Pentecostais e com os Metodistas. E com o Papa. Ah, e há dois homens que não aguentam quietos juntos.

Se isto é a América, começa a ser muito, mas muito correcto gostar da América.

Eu edito-me, tu editas-te

O João Pedro George informa, no Esplanar, que valter hugo mãe (assim, sempre com minúsculas e sem acento), um dos fundadores da Quasi, criou recentemente uma nova casa editorial, a Objecto Cardíaco. Óptimo. Queremos editoras. E valter hugo mãe fez, na Quasi, um magnífico trabalho.

Mas, que vemos? Que a Objecto Cardíaco acaba de editar o «Livro de Maldições» de… valter hugo mãe. Quer dizer: um dos primeiros livros, possivelmente o segundo, da juvenil editora é do próprio responsável da casa.

Trata-se, ainda assim, de um exemplo de discrição, já que conhecemos editores (pequenos, mas que julgávamos sérios) que oferecem ao mundo, antes de quaisquer outros, um livro próprio. Dão a desconfortável (ou descarada…) impressão de terem fundado a casa para se darem, a si mesmos, em repasto.

João Pedro George, que sabe fazer levantamentos, bem poderia ir mapeando os auto-editores portugueses. Bom proveito.

Literaturas ibéricas? Ufff, que alívio!

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O «Público» de hoje trazia um apontamento de Raquel Ribeiro sobre um importante encontro literário na Póvoa de Varzim, que dá pelo inventivo nome de «Correntes d’Escritas». Trata-se de um acontecimento anual que reúne escritores de língua portuguesa e espanhola. Nele surgem sempre autores portugueses, galegos e espanhóis, mas também africanos, brasileiros e hispânicos. Lembro-me de um ano em que estive à conversa com Ubaldo, Scliar e Sepúlveda. Bom, conversa… Ao pé de sumidades assim, embatuco.

Na Póvoa, lê-se, escuta-se, debate-se. E este ano um dos temas (se bem reconstituo) foi: «Literaturas ibéricas: realidade ou mito?». Moderou a discussão Eduardo Prado Coelho que terá afirmado (sei-o de outra fonte) ser o evento «um marco fundamental da vida literária nacional», e a «exímia organização» de louvar. E é uma singela verdade: a Póvoa esmera a cada Fevereiro.

Mas agora as «Literaturas ibéricas». Lia-se no «Público»:

«Se houvesse um referendo sobre se as literaturas ibéricas existem, o escritor espanhol José Manuel Fajardo votaria “sim”. O escritor Mário de Carvalho disse que essa “não era propriamente uma pergunta a que tenha de responder”. O brasileiro Luiz Ruffato não sabe a resposta, mas diz que “elas tentam criar diálogos entre os homens”. O angolano Manuel Rui fala de “transidentidade” porque “nunca ninguém pode ser encontro a sós com o umbigo do eu”. E o português Pedro Eiras perguntou: “O que eu escrevo é literatura de língua ibérica? Então quer dizer que eu sou um mito?”»

No debate, «todos acabaram a falar de nacionalismos, de fronteiras, de penínsulas “que transbordam para vários istmos que somos todos nós”, disse Manuel Rui. O angolano sente-se mais próximo do Brasil do que de Portugal e Ruffato admitiu, com pena, que o Brasil “sempre virou costas para os países de língua espanhola da América Latina” e está mais próximo dos EUA do que de Portugal.

«Não se pode, assim, “compreender a Espanha sem Portugal, a América sem a Ásia”, diz Fajardo, porque há “fluxos, vínculos e influências permanentes”. Essa é a “essência da literatura”. Pedro Eiras está de acordo. “Não acredito em fronteiras”, diz. “Nunca reparo na morada da minha língua”.»

Uff, que alívio! Podia recear-se que, no calor da camaradagem, se erguesse por ali o fantasma ibérico. Feitas as contas, só Fajardo o encarnou, ao produzir o pitonísico teorema de ser a Espanha incompreensível sem Portugal.

Razão teve o excelente Mário de Carvalho ao dizer que o haver ou não literaturas ibéricas não era pergunta a que «propriamente» tivesse de responder.

Para pitonisa, pitonisa e meia.

Dá Deus o talento a quem não tem tempo

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A Periférica acabou. Como nos anos 90 acabou a Kapa, como nos anos 70 acabou A Mosca, como nos anos 60 acabou o Almanaque. Deixando-nos a aguar por mais. Aguando eternamente. Há um mito para isto, não me recordo qual.

A Periférica era a nossa melhor revista literária? Quem o saberia afirmar, sem ofender demasiado a Ler, ou a Colóquio Letras? Mas não acabou também a Ler, metamorfoseada em volume anual? E a Colóquio Letras não se está fazendo bela e etérea? Chega de perguntas, vamos às lamentações.

Durante quatro anos, Trás-os-Montes trouxe encantado o resto do rectângulo. Produziu, num enternecedor papel reciclado, um objecto cultural que queimava nas mãos. Vinha ele das forjas de Rui Ângelo Araújo, de Carlos Chaves, de Paulo Araújo, de Vítor Lamas, de José Ferreira Borges, de Fernando Gouveia, que ainda varavam o país, arregimentando para a empresa qualquer arrojo ou não-alinhamento que se lobrigassem. Tudo benfeitores da cultura.

Como começou a coisa? Sabemo-lo agora. Foi a mais singela prenhez auditiva. «A ideia de criar uma revista de âmbito nacional», diz o editorial de despedida, «foi deixada pelo Divino Espírito Santo no voice mail do telemóvel de um de nós». E os chamados largaram tudo – remanso, carreiras, mulheres e crianças – para lançarem ao Mundo, em catorze tremendos números, o melhor que tinham e que nós não merecíamos.

Hoje perguntam-se: «Que estruturas abalámos?» E, para nos cortarem qualquer devaneio, eles próprios respondem: «Não evitámos que a “cultura” da metrópole ficasse tantas vezes contentinha-da-silva e auto-satisfeita com as palmadinhas dos amigalhaços». Assim mesmo. Com assassinas aspas e puídos clichés. Era isso o que merecíamos, com isso se nos deixa.

A Periférica acabou. Pelas mais respeitáveis razões. «Fazer uma boa Periférica», confia-se-nos, «exige talento, tempo, dedicação, atenção, treino – uma redacção em forma e altamente disponível. De todos os requisitos apenas nos sobra o talento». O talento. Para nós, o talento não era um ‘requisito’. Era tudo o que sabíamos que por ali existia.

[ Mais e melhor no site da Periférica ]

O número 14, o último, acaba de ser posto à venda. Numa boa livraria perto de si.

Dubai on the Algarve

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Sou um leitor do «Metro». Falo do «Metro» neerlandês, um bocado melhor do que o nosso. Tem um trabalho redaccional sério e fama de simpatias à direita. Mas leio também o concorrente, «Spits», ‘Hora de Ponta’.

E que se soube pela «Spits» de hoje? Que um multimilionário holandês, Sander van Gelder, projecta criar uma ilha ao largo do Algarve para receber gente discreta, para quem € 2.000 por uma noite de hotel não é avaria de maior. O senhor, que já é dono do luxuoso complexo turístico de Vale do Lobo, inspirou-se na península que o Dubai está a construir, a tal em forma de palmeira, que até da Lua é visível.

A ‘nossa’ ilha terá forma de vieira. Nela haverá hotéis, um court de ténis, um restaurante subaquático (sim, os dois mil pacotes são para se tomar o pequeno-almoço entre os peixinhos), e vai chegar-se até lá de monorail e teleférico.

«Com o crescente número de milionários, há uma maior procura de coisas invulgares», afirma o senhor Van Gelder. Pode ser. Mas não faz grande impressão aos nossos ecologistas, que já se perguntam sobre os efeitos da ilha artificial.

Ah, e uma vivendazita modesta, algures nos rebordos da vieirinha, ficará por uns 4 milhões de euros.

Qualidade portuguesa

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Saber falar é uma arte. Saber ler também. Luís Gaspar, «locutor de publicidade», tem-nas, uma e outra. Podem ouvi-lo no seu audioblog ESTÚDIO RAPOSA (www.estudioraposa.com), eventualmente pela ligação no TRUCA (www.truca.pt).

Aí se percebe como o nosso idioma – apesar do fechamento sonoro dos últimos séculos, que se vem acelerando – ainda tem sonoridades fortes e maviosas. Aí se aprende a ler aos outros: aos amigos, aquele poema que nos saiu esta tarde no café, aos miúdos, aquela história antes de adormecer. O efeito é o melhor. Os amigos ficam boquiabertos. As crianças não. Mas ficam crendo, para a vida, que o meu papá, a minha mamã, são os maiores.

A qualidade nunca esquece.

Esta pergunta não é parva

E se…

E se os brilhantes espíritos, os inefáveis artistas que decidiram misturar religião com política de maneira desnecessária e ofensiva, tivessem reflectido duas vezes antes de criar a confusão e interferir com a existência e a segurança de outras pessoas, tinha-se perdido alguma coisa? O que é que se ganhou, em todo o caso? Quem é que ganhou alguma coisa com esse exercício fútil da “liberdade de expressão”?

João Camilo no seu blogue blueeverest.blogspot.com

Uma Esquerda limpinha de cima a baixo

A Esquerda é muito sensível, muito consciente e muito exemplar. Tão sensível, tão exemplar e tão consciente, que toma sobre si todo o peso do Mundo. Por isso a vemos por aí intimamente encurvada, vergastando-se, pedindo penitência. A Esquerda assusta-se à ideia de que haja havido algum grande crime que não denunciou, alguma grande injustiça de que não lavou expressamente as mãos. E assim se dispõe a pagar por todos: por quanto o filho faz, por quanto fez o pai. Onde a Direita é uma balzaquiana vendendo frivolidade, a Esquerda sofre cronicamente de má consciência. Só a santidade a satisfaz. Resultado: tão entusiasmada anda no caminho da perfeição que qualquer chantagem fundamentalista terá nela uma presa feliz. E aí anda ela, pronta a entregar-se a quantos integrismos, locais ou mundiais, lhe apareçam. Para qualquer azar, a menina anda sempre limpinha de cima a baixo.

A prosperidade em Viseu

A gente não se pode zangar por causa de tudo. Isso deixa-se aos profissionais da indignação. No terreno do idioma, por exemplo. E, assim, a gente deve fechar os olhos a «entrada proíbida», a «retire o titulo», a «SAIDA», a «POLICIA» nos carros dela. Deve, porque não valem uma úlcera em qualquer parte.

Mas abro uma excepção [em versão anterior estava excessão, eu não sou melhor que os outros, embora mo diga] ao que hoje se ouviu na SIC-Notícias. Era uma peça sobre a visita de Jorge Sampaio a uns concelhos de Viseu, aonde ele ainda não tinha ido no decurso dos dez anos. E mostrava-se a nova (o novo?) Viseu, longas avenidas, centro regurgitante. Em suma: Sampaio visitava um distrito de «aparente prosperidade».

Aparente? Parece prosperidade, mas não é? Nassenhora: é próspero, tá-se a ver. Então em que ficamos?

É assim. O autor do comentário sabe o seu inglês, língua onde «apparent» quer dizer «aparente», portanto «enganador», mas também «nítido», «visível». Mas que em inglês haja confusão não justifica que a importemos.

Eu sei que é bradar no deserto. Hoje, pergunta-se a alguém «O fulano é rico?», e respondem-nos «Aparentemente». E a gente fica sem saber se é ou não é. Se é, «como tudo indica», «pelos vistos» («apparently», «apparemment»), ou se não é, como sempre se quis dizer entre nós. Bradar no deserto, repito. Ninguém percebe, e não quer perceber. Não é com eles, claro.

Mude-se a língua, amigos. A nossa língua é viva da costa. Mas, por favor, não se instale a confusão.