Neste Frente a Frente entre Mariana Mortágua e Diogo Feio podemos admirar as qualidades da bloquista em confronto com a retórica de cassete do centrista. Umas das facetas mais valiosas da sua postura pública em contexto argumentativo é o domínio emocional que exibe. Isso contribui para a capacidade de ir desmontando pedagogicamente algumas falácias bolçadas pelos ocasionais adversários, talento que a Mariana revela ter já num estado amadurecido. O momento igualmente importa como demonstração prática do que acontece quando a esquerda pura e verdadeira põe a sua inteligência ao serviço da esquerda impura e apenas certeira, em vez de se aliar à direita decadente numa oposição de terra queimada e sectarismo encardido. Veremos até quando vai durar o serviço público que BE e PCP estão por agora a prestar.
Todavia, nesta ocasião a mana Mortágua cometeu um erro que tem interesse tanto no plano cognitivo como no plano social, e ainda no mediático – portanto, também chegando à esfera política. Ocorreu quando sacou do gráfico da dívida portuguesa ao longo dos anos recentes e apontou para o seu nível mais alto, meados de 2012, atribuindo esse valor à crise da demissão de Portas. Repetiu várias vezes essa correlação, posto que era a essência mesma do seu argumento na altura. Incrivelmente, Diogo Feio corroborou a associação, o mesmo fazendo a jornalista presente posto que não a desmentiu.
Ora, a “crise do irrevogável” deu-se mais de um ano depois, em Julho de 2013. De facto, tal originou uma subida nos juros da dívida, mas sem comparação com o valor da mesma um ano antes, ainda com Portas e Vítor Gaspar num Governo que prometia ir além da Troika custasse o que custasse e sem qualquer misericórdia para com os piegas. O Feio não deve ter achado nada bonito ter-lhe escapado algo tão básico, ainda por cima em relação ao seu líder na berlinda.
O que me chama mais a atenção no episódio é a facilidade com que um erro cognitivo pode aparecer e espalhar-se, mesmo entre especialistas (no caso, políticos e jornalista) e numa situação de extrema concentração nas informações em discussão. Se tal acontece com esta naturalidade debaixo dos holofotes, e até levando um político a desperdiçar uma oportunidade crassa para descredibilizar o seu opositor, então podemos ter a certeza de que muitos mais, e muito maiores, erro cognitivos estão a ocorrer nas instituições políticas, governativas, admnistrativas, educativas e empresariais no conforto dos gabinetes.
Razões para desesperar? Não, para pensarmos. Cada vez melhor.