O segredo da longevidade

Sinto cansaço, apenas. De fazer a barba todos os dias, de levantar, vestir, tomar banho, pequeno-almoço, comer, mastigar, engolir. Tudo isso, essas coisinhas fáceis e corriqueiras, mas que são sempre as mesmas. É sempre a mesma coisa, a mesma ordem, ver a televisão. Tudo isso é uma chatice.


A única coisa que me consola e onde eu posso descansar, verdadeiramente descansar, é quando estou a realizar um filme. Nem quando estou a escrever fico animado. Se vem a ideia, tudo bem, mas se não vem, fico muito inquieto. Depois, quando vem a ideia, é-se feliz e escreve-se. Mas é enquanto realizo que sinto a paz e o sossego. Esqueço que tenho de me levantar cedo, esqueço-me de comer, esquece-me tudo. E estou ali.

Faço filmes, são as minhas verdadeiras férias.

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Manoel de Oliveira, em entrevista.

Eis um homem que só descansa quando está a trabalhar. E que explodiu criativamente aos 70 anos, entrando num ritmo alucinante que já regista 35 projectos desde 1979, ano do Amor de Perdição. É um exemplo de como, e de quanto, a nossa relação com o trabalho e com a idade está completamente errada. O mais comum é tropeçarmos nos que se queixam por terem de trabalhar (no que são mentirosos ou burros, pois ninguém precisa de trabalhar), não sendo tampouco capazes de descansar nos períodos de descanso (no que são burros ou mentirosos, pois só não descansa quem tem mais o que fazer), mas este homem encontrou no ganha-pão o vinho da sabedoria. E foi aperfeiçoando a fórmula. Porque não há limite para a fruição e busca de sentido.

arrisca perder o medo — confia no infinito que te foi dado antes de nasceres — salta para cima da eternidade e brinca — viver muito tempo é viver muito o tempo

E ’tá feito, não mexe mais: é este o segredo da longevidade (ou quase). Só faltas tu para ficar completo.

9 thoughts on “O segredo da longevidade”

  1. Tomara todos serem assim, tínhamos um país desenvolvido, porque toda a gente se sentia realizada a trabalhar. Infelizmente esta arte de bem trabalhar só é possivel para alguns.

  2. Admiro Manoel de Oliveira desde que vi «Douro Faina Fluvial» mas é preciso ver que ele pertence a uma família muito especial. É ele que aparece num filme a dizer «Ó Vasco tens que te arranjar, anda daí!» bem vestido e bem artilhado num carro lindo. Eu comecei a trabalhar com 15 anos e tenho 57. É outra pedalada…

  3. Pronto, está explicado porque não gosto do trabalho do MO. Afinal, o tipo, vai descansar (ipsis verbis) e, com tanto descansar, só me dá para dormir.

    É como dizia o Eça: “Uma lentidão de frade que se regala”, que me chateia até ao tutano.

  4. que engraçado, andam aí umas coisas ‘socialistas’ a irromper por dentro do capitalismo liberal, nacionalizam-se bancos e seguradoras falidas, depois do Chavez ter nacionalizado o petróleo

    ao Santo Anselmo deu-lhe para aqui:

    «De facto pode pensar-se que exista alguma coisa que não pode ser pensado não existente; e isso é maior do que aquilo que pode ser pensado não existente. (…). Portanto, se aquilo em comparação com o qual não se pode pensar nada maior existe de tal forma verdadeiramente que não pode sequer ser pensado não existente.»

  5. E o ciclo que Serralves preparou da sua obra com filmes de Dreyer, Pasolini, Buñel e outros é das coisas mais fantásticas e inteligentes que já se fez em Portugal ao nível da cinematerapia. E prova que a Cinemateca anda a dormir. Vá lá que ainda vai cedendo o seu espólio enquanto dorme a sua revoltante soneca.

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