Dominguice

A violência tem múltiplas, inúmeras, desvairadas formas e feitios. Mas conseguimos reconhecê-la como violência em todas essas ocasiões quando nos confrontamos com o seu resultado: um dano intencional que é causa de sofrimento e de injustiça. Seguindo esse critério, podemos começar por nós a avaliação, de certeza que encontraremos exemplos, mesmo que perdidos na memória, em que causámos a alguém um dano intencional que foi causa de sofrimento e de injustiça. Das ocasiões inversas, em que fomos nós a vítima de uma qualquer violência, não precisamos de esforço algum para as listar — excepção para certas violências especialmente graves que poderão ficar soterradas na forma de trauma que recusa vir à consciência por ser demasiado doloroso e ameaçador.

Que dizer de um político que monta a sua ascensão mediática e eleitoral em cima de sistemáticas violências verbais e ameaças de violências físicas? Não precisamos de dizer nada, basta olhar para Trump e para os feridos e mortos de que é política, cívica e moralmente responsável. Em Portugal, aqueles que o imitam são igualmente aprendizes de feiticeiros. Igualmente capazes das maiores violências porque acham que sem violência não conseguem continuar a conquistar o poder.

6 thoughts on “Dominguice”

  1. A propósito de violência.
    Hoje, 70.º aniversário do assassinato de Catarina Eufémia.

    “RETRATO DE CATARINA EUFÉMIA
    Da medonha saudade da medusa
    que medeia entre nós e o passado
    dessa palavra polvo da recusa
    de um povo desgraçado.

    Da palavra saudade a mais bonita
    a mais prenha de pranto a mais novelo
    da língua portuguesa fiz a fita encarnada
    que ponho no cabelo.

    Trança de trigo roxo
    Catarina morrendo alpendurada
    do alto de uma foice.
    Soror Saudade Viva assassinada
    pelas balas do sol
    na culatra da noite.

    Meu amor. Minha espiga. Meu herói
    Meu homem. Meu rapaz. Minha mulher
    de corpo inteiro como ninguém foi
    de pedra e alma como ninguém quer.”
    (José Carlos Ary dos Santos)

  2. A ‘VIOLÊNCIA’ NÃO EXISTE, senão no imaginário humano.

    ‘Violência’ é uma má palavra (significante) e um errado conceito (significado) para descrever aquilo (fenómeno) que pretende nomear.

    ‘Violência’ é um acto antropocêntrico de descrição de um fenómeno que ocorre na natureza. Na Física não existe a palavra ‘violência’ para descrever os fenómenos naturais.

    ‘Violência’ é uma construção social e cultural. É, apenas, uma invenção humana.

    No hinduísmo, pelo menos desde o Rig Veda há mais de 3700 anos (1700 – 1100 a.C.), o «eu» verdadeiro de cada pessoa (Âtman) é eterno, e toda a materialidade não passa de avatares, que se sucedem num ciclo contínuo de nascimento-morte-renascimento, onde opera a trindade: Brāman (criação), Vishnu (construção), Shiva (destruição);

    Seja como for, aceitando esse acto de auto-referência e antropocentrismo, com a gradual desprogramação genética dos comportamentos humanos (no sentido de E. Mayr) poderíamos afirmar o seguinte:
    — “Os comportamentos agonísticos, tornados desígnios agressivos, vão subtrair-se aos mecanismos reguladores. E constituir uma nova dimensão da violência não conhecida na natureza, para a qual não há antídoto específico. Doravante, a única inibição da violência consistirá em o agressor ver-se no agredido, que, de congénere e rival, passará a semelhante. A identificação cognitivo-emocional com os congéneres é, em Homo, o único antídoto real para a violência” (António Bracinha Vieira, 1991, “Etologia Humana e Antropologia”, IN-CM, Lisboa).

  3. ó Impronunciável , santa paciência , a dor não existe ? a violência é uma palavra humana para designar comportamentos que geram dor. que haja violência intrínseca à vida , a que decorre da cadeia alimentar e da defesa do território por questões de sobrevivência , não faz que deixe de existir violência gratuita , fruto de livre arbítrio comandado por paixões descontroladas como a ganância e o egoísmo.

  4. Yo, a dor existe? A ‘dor’ é uma palavra que descreve uma reação electro-química inventada pelos ‘humanos’. O que ocorre não é ‘dor’nenhuma. A ‘dor’ é um nome dado pelos humanos. Não existe senão na pronúncia humana.

  5. Yo, qual é o problema humano para o qual a ‘violência é a resposta? Qual é o problema bio-social que a violência foi chamada a resolver nas sociedades humanas?

    Estas duas perguntas fizeram-nas, Gaston Bachelard em “La Formation de l’Esprit Scientifique” e Marc Bloch em “La violence du religieux”. As quais constituem um dos pilares essenciais da historiografia contemporânea.

    No contexto humano a violência coincide quase sempre com a seguinte encruzilhada (problema) : — Como compatibilizar a porção da agressividade que se deve inibir para continuarmos a viabilizarmo-nos (isto é, para não sermos derrotados enquanto um todo composto por vizinhos), e aquela agressividade que devemos produzir para não desaparecermos enquanto sociedade (pessoas, identidades, comunidades, países, culturas diferenciadas)?

    Yo, tanto no caso do Bem como do Mal, tanto no caso da luta pela sobrevivência como na prepotência da conquista, tanto num caso como no outro é (quase) sempre através da agressividade e da violência que o fazemos. Ou não?

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