não sei se se chegou à parte em que ele enrola e não explica como é que daquelas narrativas alegórico-metafóricas se chega às verdades absolutas da ICAR nem porque cargas de água nestes debates a Bíblia não deve ser levada literalmente mas depois se usa literalmente a Bíblia, cherry-picked, para «justificar» o que interessa…
Comentário de Palmira F. Silva em O não-crente Saramago versus o crente padre Carreira das Neves (ou, refiro-me à crença, será ao contrário?), hoje à noite na SICN
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Muitas pessoas recusam discutir temas de religião, política e moral para evitarem a agressividade verbal que, invariavelmente, nasce incendiária. Essa agressividade ameaça as relações pessoais, ou sociais, ou profissionais. E com razão, pois o mundo profissional, social e pessoal é condicionado pelas ideias que se perfilhem acerca da moral, da política e da religião. Contudo, o preço a pagar por esse absentismo dialógico pode ser, faltando esse outro tipo de discussão que consiste na leitura, o atrofio do pensamento. E com o pensamento atrofiado, é a vida que mirra. Pelo que o melhor é perder o medo às emoções e à má cara das feras, e dos censores, e tratarmos do que mais importa – a vida abundante, a vida viva.
A Palmira faz um excelente trabalho de levantamento, e marcação cerrada, das formas perversas do religioso, esse inevitável confronto da vontade de poder dos credos com a secularidade e seus valores. E, dada a sua formação científica, não poderá ser acusada de carências lógicas. Contudo, este seu comentário permite apelar para o seu treino epistemológico, e pedir-lhe que dê uns passinhos para um território que, aparentemente, conhece mal: a identidade. Para mais, está num blogue que é uma referência nessas matérias, até pode pedir ajuda aos generosos colegas de prosa e reflexão.
Circunscrevendo o que segue ao caso Caim, Palmira e Saramago comungam dum mesmo propósito abolicionista – pretendem anular o fundamento da identidade dos cristãos. Esse fundamento, para consagrados e leigos, é a Bíblia. Logo, ao dizer-se que a Bíblia é maligna e absurda, o que se diz é que ser-se cristão é maligno e absurdo. Os corolários continuam, não escapando qualquer religião do Livro, judaísmo e islamismo. Já agora, que diriam Palmira e Saramago do hinduísmo, budismo, xintoísmo e animismo? O mesmo, obviamente, pelo simples facto de todas as religiões implicarem uma narrativa mítica. Este casal oporá às formas de registo mitológico uma outra narrativa que consideram politicamente mais valiosa, feita da procura da abstracção suprema: a linguagem matemática, o fundamento mitológico da ciência. Eles não questionam o poder dos deuses da ciência, o empirismo e a lógica, porque estão constantemente a contemplar a sua mais espectacular e adorável obra: a tecnologia.
Contrapor Bíblia e racionalidade científica é algo bizarro olhando para o calendário, pois transporta o debate para períodos pré-heideggerianios, pré-comteanos, até pré-cartesianos. Só por provocação ou cegueira. Acontece que a cegueira pode ser vista como provocação. É o que faz Saramago com a literalidade bíblica e a Palmira na interrogação acerca das narrativas alegórico-metafóricas. Para ela, há um erro grave, profundamente incompreensível e nefasto, no processo que assume essas narrativas de forma absoluta. No seu protesto, todavia, não há má-fé, tão-só limitações epistemológicas. No fundo, é ela que continua ingénua, tropeçando na sua expectativa de ver a Igreja proclamar uma verdade em que pudesse acreditar. Algo como Deus é o Big-Bang, A alma é o ADN, O Reino de Deus é um laboratório infinito de células estaminais. Como das bandas da religião, ao invés, chegam afirmações folclóricas, ela sente-se obrigada a mandar fora o bebé e a água do banho. Porque está a respeitar a sua inteligência – isto é, a sua episteme.
Eis a ironia: a luta das minorias tem sido a luta pelas identidades. Que importa a um homossexual que um heterossexual não o compreenda? O primeiro quer é ser aceite pelo segundo, haja ou não compreensão. Porque é isso que o homossexual faz, aceitando o heterossexual sem necessidade de o compreender. Este é o domínio dos direitos, da política, da comunidade. Não temos de ser juízes dos outros, temos é de acordar em ter o mesmo juiz. Ora, que fazem Saramago e Palmira? Dizem que aqueles cuja identidade se fundamente na Bíblia devem ser ostracizados, porque a Bíblia não presta. E esta é uma violência que atinge seja qual for a manifestação de fé, que destitui ontológica e civicamente o crente.
A identidade concebe-se, por definição, como um absoluto inviolável e irredutível à vontade de poder de terceiros. Tal como um nome, todos os nomes, esses conjuntos de letras que dispensam a lógica e a ciência para cumprirem a sua função: serem o símbolo do mistério donde viemos e para onde vamos. Pois que é a fé senão o eco do nosso próprio nome, ressoando nesse lugar onde estar só é só estar à espera?
Valupi, acho bem, voltemos então ao Abel e Caim. E eu, que até nem sou fã do Saramago, acho que ele até foi bem claro e razoável no que disse: nenhuma leitura simbólica (cultural, contextual, histórica) pode apagar a letra de um texto. Muito pelo contrário, qualquer leitura que se queira honesta tem de partir dela (Bíblia, teatro grego, romances de Saramago ou o que quer que seja). Como refere a Palmira, mas, a meu ver, extrapolando de forma marcadamente ideológica, o que não me parece a melhor forma de abordar a questão.
Voltemos, pois, à letra do texto bíblico e à questão que Saramago coloca a propósito da narrativa de Abel e Caim, e que é, não só perfeitamente legítima, mas do mais elementar senso comum: por que é que naquela narrativa a personagem Deus recusa as oferendas de um dos irmãos e aceita as do outro, se ambos são justos e as fazem com a mesma veneração? Como a narrativa não fornece qualquer justificação para a rejeição de Caim (convém talvez ler o texto bíblico) é normal que o leitor conclua pela arbitrariedade ou autocracia da personagem, que condena sumariamente alguém sem culpa (e duplamente porque, na sequência, aquando do assassinato do irmão, o pobre do Caim é sempre apresentado como culpado em primeira instância).
Tenho lido, por estes dias, respeitáveis eruditos católicos justificarem a “estória” dizendo que os desígnios de Deus são insondáveis. Mas não vi ninguém arranjar uma explicação convincente para a “trama” da história. E ainda menos para a sua moral: e que me parece ser a de que, mesmo ao arrepio da mais elementar noção de justiça, o homem deve aceitar a arbitrariedade, uma vez que é divina.
Pois, pode-se explicar historicamente essa moral (são os valores das sociedades autocráticas onde a narrativa foi criada e etc.). Não se pode é dizer que a personagem de deus que nos aparece nesta narrativa (a personagem, não o conceito, e este é o equívoco desta discussão) não é injusta e cruel (pelos nossos valores actuais), porque isso é negar o texto, que é absolutamente cristalino a este respeito.
Claro, se quisermos ser ainda mais contextualizantes, Deus acolhe o pastor e rejeita liminarmente o camponês – e isto apenas pelo facto de o ser (não aceita os frutos da terra, só aceita os carneiros). Trata-se, pois, de uma narrativa típica de um povo de pastores nómadas (e eventualmente acossados), esta que abre a Bíblia. Mas o facto de a “intriga” nos dar informações sobre quem a escreveu não nos pode levar a torcer simbolicamente o texto para lhe dar transcendente razão – quando, na verdade, estes pastores que escreveram esta narrativa vestiam simplesmente o seu deus com as vestes que mais lhes convinham.
O facto de, ao longo dos variados livros desta saga que é a Bíblia, Deus nos aparecer vestido de variadíssimas maneiras, só confirma que há várias personagens com este nome, ou que o rosto de Deus vai historicamente mudando. O que também parece pacífico e tem sido dito por imensa gente, incluindo teólogos, tanto católicos como judeus.
De modo que constatar que o Deus de Abel e Caim age de forma arbitrária e cruel não é uma tomada de posição religiosa, é uma mera constatação narrativa, e muito simples de fazer. Não diz nada sobre a Igreja actual, excepto da sua dificuldade em aceitar a historicidade dos textos do seu livro sagrado, com a correlativa aceitação de quão pouco edificantes, à luz dos nossos valores actuais, são alguns desses mesmos textos. O que poderia, de resto, facilmente fazer, aceitando que os seus variados autores são simplesmente humanos (e isso, sim, seria contextualizar).
Tudo o resto não tem ponta por onde se pegue (como o P. Carreira das Neves, sem dúvida um homem culto e que conhece a letra dos textos, percebeu perfeitamente, e daí as suas mais do que confusas justificações)
Não sou religiosa, mas, se fosse, poderia acrescentar: e o que tem Deus a ver com as faces que os homens lhe atribuem?
maria, muito obrigado pela tua generosa reflexão. Começo por concordar contigo, não és religiosa. E vou mais longe, não é conhecedora do meio religioso, tanto o teórico como o humano. Esta evidência não tem mal algum, mas explica o problema com os teus pressupostos. Porque temos todos as mesmas capacidades cognitivas, no geral, são os pressupostos, os pontos de partida, que explicam a diversidade de conclusões, de pontos de chegada.
Por exemplo, dizes que a Igreja tem dificuldade em aceitar a historicidade dos textos bíblicos. Donde te surgiu essa ideia? Obviamente, desconheces o que se passa nos cursos de teologia, e em tantos institutos de investigação ligados à Igreja. Desconheces o caudal imenso de trabalhos constantemente a serem feitos dentro do âmbito histórico dos textos, seus autores e sua transmissão ao longo do tempo e das geografias.
Quanto a Abel e Caim, das duas uma: ou aceitas ler o texto como cientista ou como ignorante. Se o leres como ignorante – isto é, ignorando a sua história – poderás dizer algo como “Deus é injusto e cruel, à luz dos valores de hoje”. Sem dúvida. No entanto, e neste caso, à luz dos valores de hoje e de sempre, deverias mesmo concluir por algo mais radical: “Um Deus injusto e cruel não pode existir, isto que aqui escrevem é uma mentira”. E caso arrumado.
Como cientista, porém, estás obrigada a procurar conhecer o texto. Para começar, a sua data e local de origem. Se estamos a falar de um texto que nasceu antes do advento da ciência e das sociedades urbanas e comunicacionais, então terás de o ler imaginando essas condições e o que elas implicam na recepção de um qualquer texto. Finalmente, terás de conhecer a língua em que foi escrito originalmente e o contexto cultural em que era usado. Não achas?…
Há inúmeras interpretações simbólicas para o episódio de Abel e Caim. Estão à tua disposição na própria Internet, é procurares e escolheres a que mais te agradar. O que me interessa é perguntar-te: acreditas que os povos que criaram e conservaram estes textos, hoje considerados absurdos e violentos, partilham dessa mesma interpretação?
Terás que responder pela evidência: não era esse o sentido dos textos para os povos que os criaram e conservaram. Pois tal seria contraditório. Acreditar numa divindade injusta é antropologicamente impossível, não faria qualquer sentido. Então, terás de encontrar a chave de entrada nos textos num outro ponto de vista diferente daquele da tua actual experiência de vivente na contemporaneidade.
Se chegaste a ver o debate entre o Pureza e o Frei Fernando Ventura, de que tens o vídeo aqui no blogue, que ficaste a pensar do que foi dito? É que está lá tudo de essencial, incluindo uma explicação acerca dos nomes. Repara: para nós, Abel e Caim são nomes de personagens de ficção, tão indiferentes como Mickey e Pato Donald, mas para o povo que criou os textos bíblicos, e os reverenciou como sagrados, nada pode estar mais longe da verdade.
“Acreditar numa divindade injusta é antropológicamente impossível, não faria qualquer sentido”.
Aqui está o erro de Val. Hoje, dados os valores actuais, postos perante tal narrativa deste episódio bíblico (e outros) de tão elevada injustiça e crueldade, não faz o mínimo sentido acreditar em tal. Claro, é precisamente por isso que nos desperta um grau de dúvida elevada sobre a existência de uma identidade que sendo boa absolutamente, dita Deus, cometa ou deixe cometer, sob as suas barbas, tais barbaridades. Apesar de todas as confusas teodiceias explicativas da existência da maldade.
E o ero do Val continua ao não perceber, ou faz não perceber, que há época dos textos e sob a perspectiva dos valores de quem os escreveu, aquele Deus que assim julgava era inteiramente justo porque julgava e defendia de acordo com os valores, tradições e costumes por sí (deles, desses povos) criados, desenvolvidos e praticados.
Há tantos deuses no mundo como identidades sócio-culturais e todos eles são identificados por serem defensores, religiosamente, dos povos que os celebram e sacrificiam, sobretudo, como protectores. Os gregos até tinham um panteão olímpico para protecção e defesa da Hélade e sobretudo de Atenas, e cada deus, pos sua vez, protegia uma actividade em especial.
Val parece não perceber que cada texto sagrado, representa a vida e seus modos desse tempo exacto em que foram escritos. Nem podia ser de outra forma dado que a memória, nem nesse tempo nem hoje, prevê e guarda o futuro. Tal como as escrituras sagradas foram interpretações dum tempo e vida antigo em benefício do povo subscritor, as interpretações posteriores, sempre contínuas para actualização face à mudança também contínua, são adequações ao mundo actual feitas ao sabor e propósito de manter a protecçao de benefícios.
Só para acrescentar que, apesar da barulheira (publicitária?) do Saramago, no fundo ele não passa de um crente. Será um crente azedo, um crente contra a religiosidade ou história do judaismo, catolicismo e islamismo, mas um crente convicto. Caso contrário como entender que chame “filho da puta” a alguém que diz convicto não existir?
É não crente das igrejas e seus deuses visíveis manipulatórios, mas subconscientemente, lá está a sua “igreja” própria, individual a acenar.
a fé não precisa de homens de pedra, nus e frios, mantras, nem de história de histórias. é deixar os crentes com as crendices e o saramago com a sua eventual estupidez e língua destravada.:-)
aliás, está mais que visto que a estupidez cabe muito bem aos homens inteligentes
(as excepções são raras).:-)
Declaração de interesses: não sou crente de nenhuma “biblia”. Presunçosamente considero-me um peregrino da verdade.
Eis o cerne da questão: a identificação do cristão com a Bíblia ou com o Deus da Bíblia. Como o povo português se identifica com a sua História. Ninguém há-de chamar-me filho da puta, ou ao Saramago, por nos revermos na nossa História. Apareça o primeiro castelhano que classifique de “manual de maus costumes” o livrinho da história pátria. Nem me passa pela cabeça (se passar sou capaz de não dizer) que o Afonso de Albuquerque foi um grande filho da puta, primeiro por ser português, depois por ser herói à custa dos massacres, a roçar o genocídio, em terras do Oriente.
Se bem entendi o Valupi, ele está a dizer-nos que Saramago chama, com todas as letras, filho da puta ao cardeal patriarca, que se identifica com o Deus do Génesis, que é o mesmo de Jesus Cristo. É certo que o Deus do Génesis saiu mal na fofografia, mas a culpa foi do pintor, não do cardeal patriarca. E não restam dúvidas que o ofendido é sempre o cardeal e não o velho artista. Muito menos o ofendido é o deus aí pintado.
Se me enganei, ao ler-te, corrige, Valupi.
E acrescento, da minha lavra, aquilo que já aqui disse: Saramago está senil ( e a Palmira aplaude a senilidade, em vez de a compreender) e digo isto não para o ofender, mas para o desculpar da sua insensatez.
para mim todas as narrativas míticas são dispositivos de identificação das tribos, dos povos. Situam a noção da origem, do destino (e portanto comportam uma injunção no futuro), do próprio e do outro, do inimigo, a propósito da demarcação de território, não esquecendo que terror/terrorismo vem de terra/território. O comando dado a Moisés supostamente por Deus para recensear todos as famílias e os homens aptos para a guerra, em Números, ilustra o dispositivo bélico da Biblia, e é só um exemplo.
mas não é só a Biblia ou o Corão, o Popol Vuh o livro mítico da tradição Quiché, comum aos povos maias é terrível, cheio de vinganças e mortes, além de uma confusão pegada – Tohil o deus nomeado que concedeu o fogo aos homens só o fez a troco de eles lhes ofertarem ‘o poder estreitar entre os seus braços os seus corações’, daí a prática sacrificial de arrancar os corações dos peitos e pô-los a grelhar… Os mais cobiçados eram os de jovens e possantes guerreiros das tribos próximas. Dos ‘outros’. Mas quando a seca apertava mesmo também lá iam umas donzelas da própria tribo para dentro do poço, para apaziguar e saciar Tlaloc.
As tradições sacrificiais servem para regular a violência dentro das sociedades por forma a manter um fluxo domesticado, e legitimado numa ordem canónica qualquer, e contrariar as explosões como por exemplo o massacre dos judeus em Lisboa, no início do século XVI. Porquê a inevitabilidade da violência nas sociedades? Só consigo ver isso através da Física Estatística, somos muitos, em movimento, muitas partículas em movimento é inevitável haver colisões. Mas atenção, se a inteligência abrir outras dimensões da existência e da realidade podemo-nos arrumar até de uma maneira esparsa, e isso anda aí bem presente…, aliás sempre esteve, nos anacoretas por exemplo.
Quem pode trabalhar na internet em casa e não tem de se deslocar de carro baixa a cinética material do sistema e a violência potencial transportando-a para outra dimensão, a do plasma, muito mais fluente.
Tenho de agradecer ao Saramago ter posto esta coisa toda no ar. Está na hora dos sacrifícios divertidos que são ao contrário, por exemplo dá-se um prémio meio por antecipação, como ao Obama. Haja imaginação.
E Amor, quer se queira quer não aí está a mais potente de todas as palavras-chave, vejam de como isto consegue ultrapassar qualquer defesa.
e já agora esta assino por baixo, ou melhor, não assino, eu não digo parece, digo: é.
gosto disto, temos uma ministra da Cultura que além de bonita é quântica: «Uma escultura assim, de facto, existe e não existe. (…) diria Gabriela Canavilhas nessa tarde.»
portanto já me ando a preparar para quando um dia falar com ela, chegar ao fim da frase olhar e ela não estar. Ou será que eu é que já fui?
Adolfo Contreiras, tens razão quando dizes:
“aquele Deus que assim julgava era inteiramente justo porque julgava e defendia de acordo com os valores, tradições e costumes por si (deles, desses povos) criados, desenvolvidos e praticados”.
É isso mesmo que está em causa, a noção de justiça que cada povo desenvolveu. O facto de associarem o conceito de justiça à divindade, significa que esses povos tinham a justiça como o valor mais alto, mais valioso, mais importante para a manutenção da sua comunidade.
É por isso mesmo que há tantos deuses ao longo do tempo, pois cada povo se debateu com o mesmo desafio: organizar a sua sociedade e regular as interacções de modo a diminuir a violência e os conflitos. O que só recentemente aconteceu à Humanidade é a sobrevivência de comunidades que abdicam da divindade para se organizarem, precisamente a nossa civilização regida por leis seculares. Só que para chegarmos a este grau de autonomia tivemos de passar pelas fases anteriores, eis o que terás tu de entender.
Os textos do Mario e do z, aqui em baixo, são excelentes contributos nessa direcção.
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Sinhã, sim, homens inteligentes podem ser estúpidos. Mas, nesses casos, convém especificar o tipo de inteligência a que se faz referência, pois há muitas inteligências diferentes.
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Mario, nem mais, trazes um claríssimo exemplo: a História de Portugal. Mas também a história de uma cidade, de um bairro, de uma família, de cada um. Como pode vir alguém dizer que a nossa infância não presta porque foi passada a jogar à bola em vez de estarmos a aprender a tocar piano ou vice-versa, passe o simplismo do exemplo? Como pode alguém vir dizer que não valemos nada porque os nossos pais fizeram isto ou não fizeram aquilo? Qualquer cristão, ou judeu, não quer transformar os pecadores em sal ou espera que caiam bolas de fogo em cima dos inimigos. É que nem os antigos assim pensavam, pois tal atitude irracionalmente crédula levaria todo o povo para uma rápida extinção. Os textos eram lidos como lendas que ofereciam um terreno onde a identidade colectiva e individual ia crescendo por ter raízes. E os preceitos moralizadores em muito se superiorizavam aos episódios bélicos ou castigadores. Utilizavam-se técnicas narrativas que tinham o propósito de dramatizar a lição moral, a qual era sempre relativa ao estabelecimento da concórdia.
Aliás, constate-se como um dos problemas das sociedades modernas é precisamente o desenraizamento e a ausência de identificação com o meio cultural e social, fenómenos que conduzem à alienação e a patologias variadas.
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z, muito bem.
sugestão, val: a inteligência (que nesses casos é sempre superior) detecta a estupidez e trava a sua transversalidade.:-)
que bom já ter acabado as eleições, agora podemos regressar à Cultura, ainda é o termo mais abrangente para esta aventura, também é maravilhosa. Cultura multicultural ainda por cima. E o Aspirina é o maior.
À nova ministra da Cultura desejo um voto simbólico que contempla reais: que apareça, não se sabe donde nem como, nem interessa, juro que não quero saber, algures, a gargantilha das rainhas de Portugal que desapareceu na Holanda em 2002 e o Estado português resgate! Acho que as rainhas vieram ter comigo em sonhos meio a chorar e eu fico completamente desamparado com mulheres a chorar, ainda por cima tenho um fraquinho por quase todas elas, e ainda não consegui fazer o milagre de isso aparecer lá na Ajuda para elas ficarem descansadas. Portanto cumpra-se! Só preocupações, nunca mais consigo lamber o pêlo todo e deixar direitinho,
z, quem roubou a gargantilha foi o rui veloso
(para dar consistência à cantiga).:-D
que engraçado, estavam todos sentados, assim ninguém caia. Prático para o momento político presente.
esticar patas,
só pessoas , como a Maria , cujas análises de um fenómeno humano não estão inquinadas pelo temor a deus que o converte em divino , as podem fazer sem pré-conceitos e são para ser tidas em conta.
creio que são palavras chave para a compreensão da religião enquanto poder : poder difuso , poder concentrado , politeísmo , monoteísmo , sociedades matriarcais , sociedades patriarcais , secularização , feminismo , mais secularização , destruição/ fragmentação do discurso religioso unificador do rebanho numa miríade de cultivadores das suas próprias flores , sejam elas neopaganismo , gnósticismo , budismo , indigos e cristais , xamanismo , cristianismo , espiritismo e o mais que lhes apetecer.
muito interessante esta frase que pesquei num texto que linkei abaixo:
“A religião pode, como sabemos, apoiar os indivíduos nos estágios de crescimento e maturação, mas da mesma forma pode fixar o indivíduo em relações dependentes e imaturas”
(mais interessante ainda a fazer fé no dito de senso comum de que o ser de sexo masculino é uma eterna criança )
Aqui vos deixo 2 perspectivas feminimas sobre religião , poder , identidades ( é a religião responsável pela construção de uma identidade feminina “coxa” , ah pois é) , mudança e tal.
http://www.scielo.br/pdf/cpa/n16/n16a05.pdf
http://www.mackenzie.com.br/fileadmin/Graduacao/EST/Publicacoes_-_artigos/fonteles_7.pdf
e aposto que quando derem à mulher , no islão , o lugar que lhe foi usurpado , o fundamentalismo islámico não durará muito mais.
Identidades? Então mas a Bíblia não foi também um instrumento que serviu para pôr em causa e suprimir identidades anteriores? Os mitos e religiões são normativos comportamentais que estiveram sempre a milhas da experiência individual. Essa generosidade de se aceitarem as diversas identidades de cada grupo está completamente fora da natureza da religião e dos mitos. O seu único objectivo sempre foi o da demarcação de poderes com base na experiência dos mais iluminados. Há quem chame à religião o plasma da coesão social. Quase como se fosse a massa do bolo rei. Vai permitir que as frutas continuem ali juntinhas para fazerem um produto delicioso.
Mas parece que os ateus têm um problema técnico e há até quem tente justificá-lo com cromossomas a mais ou menos: lidam muito melhor com a sua própria ignorância do que com ilusões. Muito menos se forem colectivas. Digamos que são pouco dadas ao pretensiosismo de espécie e preferem tentar usufruir esta sua passagem a condicioná-la valorizando excessivamente a História.
A maior parte dos ateus (incréus, não crentes, sei lá) são não praticantes. Para eles a religião não é nem plasma, nem bébe, nem água do banho. É mais o líquido amniótico da sociedade humana. E a criança verá um dia a luz do dia. Possivelmente ainda terá que mamar durante mais uns tempos mas, mais tarde ou mais cedo, terá que se governar sozinha.
vive e deixa viver, concordo muito contigo e com a frase que citas.
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tra.quinas, dizes muito bem: “os mitos e religiões são normativos comportamentais”. Nesse sentido, são desenvolvimentos civilizacionais. E, nesse tempo em que as religiões cumpriam as funções que hoje atribuímos ao Estado, a luta pela identidade era também a luta pelo território e pela subsistência. Por isso, a religião estava intimamente ligada à guerra e às conquistas. Ou seja, não se concebe a actual recusa da religião sem o percurso de crescimento civilizacional que a mesma religião permitiu e promoveu.
Entretanto, as religiões em sociedades seculares são formas de identidade que tendem para o ecumenismo. As coisas mudam.
Pois é Tra.quinas, esqueces os tribalismos todos, contemporâneos da produção da literatura bíblica. Por esse tempo, até na democracia grega havia gente que eram cidadãos de segunda ou quinta categoria. Porque é que nas religiões, filhas e mães dos movimentos civilizacionais, haveria de ser diferente? Até acredito que a religião, enquanto fermento que foi de civilizações, venha a fundir-se com a «massa» que ajudou a levedar. Tudo tem o seu tempo. Um olhar de lucidez e aceitação em relação à nossa História passada não deve impedir a mudança, que se fará sempre, quer se queira quer não, porque a História é como um rolo compressor feito de biliões de vontades a que nenhum clérigo e nenhum Saramago poderão fazer frente. A provocação gratuita e insensata (ou só senil ou reaccionária ou rabujenta) não impedirá o movimento da História. Mas atrapalha e provoca confusão. E fica muito mal a um Prémio Nobel, que assim o desmerece. Às vezes esquecemos, embalados no diletantismo da arte, que se esta é cultura, o próprio homem é muito mais que a sua arte: é filosofia. Mais que expressão de nós mesmos, nas artes, nas filosofias e teologias, nós somos aquele que acorda em cada manhã admirado com a jornada longa que temos pela frente. E seguimos viagem, deixando, como rasto indelével, uma parte da cultura que produzimos, enquanto a maior parte dessa mesma cultura segue incorporada no novo homem que vamos construindo. Como filósofos, cultivamos a esperança, nunca nos acomodando às filosofias produzidas. Saramago parece tê-la perdido, tão amargo que nós o vemos. Ele sintetizou, numa entrevista ao DN, essa amargura, nesta setença: «acaba-se a vida, acaba-se a escrita».
Como se a vida e de um homem se resumisse à sua arte. Pobre de mim, que não sendo artista, nunca chegaria a ser gente!
Muito bem, Mario.
mas eu continuo a achar que a polémica que o Saramago lançou é muito bem vinda, estou-lhe grato por isso, além de que bater num velhote de 87 anos Nobel português tem que se lhe diga, cuidado pás, pesem as coisas!
Eu não quero bater-lhe, Z. Apenas lhe dou um abanãozinho no ombro a ver se acorda da sonolência que dele se apossou. Está a agir como um autómato, por isso debita, até à náusea, o que sempre pensou e escreveu. Acredita, Z, que respeito o velhinho e o Prémio Nobel. Até me é penoso ver o triste espectáculo que está a dar.
e alguma vez a convicção anda despida de persistência?
(raios e coriscos: saramariscos).:-)
z, não se pode bater num Nobel. Seria o mesmo que tentar deslocar uma montanha pela força do sopro. Este Nobel é que nos tem espancado a todos, isso sim.
Mas, obviamente, qualquer polémica é bem-vinda. Até porque ninguém está obrigado a perder tempo com elas.
Diz o povo, Sinhã, que «só não muda de ideias quem as não tem». Imagina, por um instante, que Ptolomeu ficava na dele até hoje. Ias admirar a sua persistência na convicção sincera? É tão dificil aceitar que temos de viver um dia depois do outro e que cada novo dia nos pode dar uma nova lição! Que mania de pensar que já a sabemos toda! Aí se engana Saramago. É Prémio Nobel e de pleno direito, mas terá de aceitar que é apenas uma, dentre biliões de experiências da vida humana, no mínimo, tão ricas quanto a sua. Sejamos democratas na humanidade que somos.
e o povo tem muita razão, mario. até tu a tens (eu e ele). :-)
viva a democracia!:-)
Tens toda a razão, Val. Nem resta à religião outra alternativa senão o universalismo.
Sacaninha como sou até me ocorreu logo esta recente prelatura especial (semelhante à da Opus Dei) concedida aos anglicanos e a aceitação de padres casados. Começa a não ser descabido esperar maior participação das mulheres na Igreja e até alguma condescendência para com a homossexualidade. Não tenho é a certeza de que não estejamos a assistir ao princípio do fim. ; ) Ou será o fim do princípio?
Já os não crentes, hão-de ser sempre perigosos seres de segunda : )
Mário, não são nada provocações senis e gratuitas. : )
Pelo menos não foi isso que se retirou do debate com o Carreira das Neves. Quando muito serão rabugentas e ressentidas e, de certa forma, ele até assume isso.
Dizer-se que o Código Civil é um inventário tanto de crimes como de bons comportamentos não é nenhuma ofensa. Aliás, a própria Igreja é a primeira a assumir que a Bíblia não é só exemplo de virtudes quando relega os escritos apócrifos para o esquecimento.
Não sou tontinho o suficiente para culpar a religião das injustiças e desigualdades da sociedade. Há é demasiada incoerência entre o programa e a acção. Não bate a bota com a perdigota. Mas isso seria para outra conversa.
A conclusão que tiras da frase do Saramago é enviesada tendo em conta a simples transcrição que fizeste. A morte termina com a produção artística de uma pessoa: isto é uma evidência e não vejo aqui nenhuma amargura.
Praticas um equívoco comum neste tipo de diálogos: os não crentes têm um vazio no espaço dedicado a Deus. Não Mário, eles não têm é esse espaço! De resto são pessoas iguaizinhas às outras: têm valores, expectativas, objectivos e a vida como arte maior.
tra.quinas, a quem remetes quando falas em “perigosos seres de segunda”? A questão está longe de ser simples. Por exemplo, várias passagens dos Evangelhos colocam na boca de Jesus uma especial predilecção pelos não crentes. Ver as parábolas do Filho Pródigo, Ovelha Perdida e Dracma. Também no budismo há esta sabedoria.
É preciso aceitar que ninguém representa mais Deus, ou deuses, ou a divindade, do que outro qualquer. Se falamos da tradição católica, por exemplo, o Papa só na aparência é o chefe, enquanto no símbolo e na vocação será o mais humilde dos servos. Esta lógica vale para qualquer opinião que venha de qualquer crente, ordenado ou leigo.
Val, o nosso cantinho é bastante sossegado nestas matérias mas não me esqueço das polémicas declarações de um italiano em Fátima, cardeal se não me engano, há pouco mais ou menos dois anos, a apelar à união dos católicos contra os ateus devido ao perigo que eles representam para a fé.
Nos Estados Unidos existe uma espécie de união tácita entre as várias facções religiosas contra o ateísmo e há até que congemine um entendimento entre o cristianismo e o islão para combater a falta de crença.
O nosso querido Tony Blair, recentemente convertido ao catolicismo e quem sabe até o futuro Presidente do Conselho Europeu tem-nos brindado com verdadeiras pérolas que podes encontrar neste post da Palmira.
Cardeal-Patriarca diz que o maior drama é a negação de Deus
Sinhã,
consegue introduzir uma ideia que seja neste debate (e já agora nos outros também)?
olá edie.:-) claro que sim
(só na tua frase introduzo quatro vírgulas. chega?) :-)
bem me parecia…
Meu caro Tra.quinas
Eu não tirei a frase de Saramago do contexto, como ele faz à famigerada história de Caim. Em toda a entrevista, Saramago conduz-nos a esta verdade simples e definitiva: nascemos, vivemos (um ou cem anos) e acabou. Nada mais resta que o pó ou as cinzas. Todo o seu pensamento, esperança ou sonho acaba ali, no momento da morte, como ali acaba a sua escrita. Se Saramago abrisse o seu coração e a sua inteligência, humildemente, como fez o velhinho grego, Sócrates, apesar desta aterradora evidência do silêncio da morte, reconheceria, desafiando todos os deuses do Olimpo: algo não bate certo; não percebo nada disto; sei que nada sei…
Saramago podia fazer, como eu e tu fazemos, esta simples pergunta: como foi possivel o «barro da terra» fazer de nós aquilo que somos? Fomos gerados pelo «pó» e, como tal, somos verdadeiros filhos do «pó da terra»! Pode lá ser! Mas é. Imagina, meu caro Tra.quinas, que nesta altura do campeonato (pra meu desgosto o Benfica vai à frente… e bem) são os homens das ciências exactas (físicos, químicos, biólogos) quem mais anda preocupado com a nossa origem e o nosso destino! Isto seria preocupação dos filósofos! Infelizmente, Tra.quinas, a maior parte dos filósofos anda entretido a tentar descobrir quantos anjos cabem na cabeça de um alfinete…
E Saramago, completamente adormecido, passa ao lado, assobiando, e inchado com o seu Prémio NObel, como se nunca tivesse ouvido a voz da sabedoria: sei que nada sei.
O budismo e afins vão dando o palpite de que temos dentro de nós um fantasmazinho imortal e eterno, que entra e sai do corpo em busca da perfeição. Os cristãos profetizam a loucura da «ressurreição da carne». Num caso e noutro é um sonho e uma esperança de mais vida, perante o Mistério que nos envolve. Saramago recusa o «fantasmazinho peregrino» do budismo e a louca «ressurreição» do barro-que-somos. Tudo bem. Está no seu direito, até porque, de facto, aquilo é demais para a nossa razão. O que não pode é negar o Mistério em que estamos mergulhados. O velhinho filósofo grego deu-se conta dessa realidade e reconheceu que estava apenas no inicio da descoberta da Verdade. É preciso ser Homem, para tanta sabedoria! Saramago, Prémio Nobel, parece não estar à altura, afirmando que a última palavra já foi dita.
bem eu agora tou ko, mas amanhã venho cá. Já pus para ser notificado neste aqui. Boas noites,
edie, pega lá:
:-)
o divã de edie
(há pessoas finas. finas como uma couve).
como eu estava a dizer, edie é uma rapariga culta: passa, amiúde, pelo aspirina b e deita-se no divã. edie fala da pátria – herdeira de trunfos e de desilusões, fantasiadora de histórias e criadora de realidades -, de camões – por mares nunca de antes navegados – e, até, do último romance de josé saramago – que não é muito extenso (nem poderia sê-lo porque necessitaríamos de mais fôlego) -: literatura em estado puro.
edie precisa de desabafar e deita-se no divã. edie não ri e não gosta de ver rir: edie assume-se dura e com uma carapaça inquebrável porque, afinal, são assim os pseudo-intelectuais – fazem psicanálise barata quando são eles que, sem perceberem, estão deitados no divã. e no divã de edie não há espaço para piadas de pilas voadoras nem de peidos; edie aprendeu, desde tenra idade, que devem fazer-se, apenas, leituras literais.
((há pessoas finas. finas como uma couve e esta, edie, é para ti).
http://sinhamentos.blogspot.com/2009/10/normal-0-21-false-false-false_27.html
Mário, o Saramago, tal como todos nós, deve, antes de mais, respeitar as suas próprias convicções e ser coerente com as suas ideias. Por muito que isso defraude as minhas expectativas e as da maioria das pessoas. No caso concreto, se isso retira mérito ao prémio que lhe foi atribuído é um juízo que não sei avaliar.
As ciências andarem às voltas com os mistérios do Universo não me surpreende mesmo nada e não me parece, de todo, que a religião seja o espaço próprio para grandes dúvidas: normalmente é o palco privilegiado para grandes certezas e verdades absolutas.
E verdade, Tra.quinas, o que dizes. Por isso não sou crente de nenhuma «biblia», como não sou pregador de nenhuma filosofia. Aceito esta condição, esta nossa estranha forma de vida, que é ter de viver sem a Verdade. Esta é-nos servida gota a gota por todos os homens que se dispuseram a caminhar no seu encalço. A filosofia convida-nos a não nos sentarmos na borda da estrada ou a adormecer dentro da igreja, embalados ao colo Mãe, no aconchego da fé. E fá-lo, interrogando sempre, desenganando aqueles que pensam que já têm todas as respostas na palma da mão. Nada mais. E a minha receita é: puxemos uns pelos outros porque, ao fim e ao cabo, estamos todos no mesmo barco. Ou alguém tem dúvidas sobre isso?
continuo a dizer que o n. Nobel foi corajoso, armou um banzé do caraças e tornou-se alvo de uma pressão pesada, em vésperas, mais ou menos, de vir aí o rato zinger arreganhar a fuça, quando ainda por cima o ppd anda tutelado pela opus dei e confesso que só fui percebendo no andar da carruagem, pelas correlações,
mas como eu não vejo tv, salvo uns esparsos momentos às vezes num ou noutro restaurante tenho de andar meio calado, não conheço a toada nem a sequência,
uma bonita,
Sinhã,
ainda bem que te pus a discorrer, finalmente, sobre algo.
No entanto, fiquei um nadinha desapontada: tinhas dito que ias deixar um post virgula de mestre e sai esta couvita?
Por outro lado, fizeste-me lembrar a maitêzinha de boa memória: quem não se ri do que eu digo não tem sentido de humor! Ora onde já se viu, com coisas tão engraçadas que dizes e tão cheias de virgulazinhas marotas fora do sítio. É preciso ser-se muito pseudo-intelectual, concordo.
(A sério, não te leves tão a sério)
Muitos vírgula cumprimentos
apanha o ritmo das minhas vírgulas bem colocadas, edie, e faz, igualmente, pausas
(aproveita para rir de ti própria, que é bom, e para tolerares os outros. no final, não coloques pontos – mas antes ; – e, finalmente, vais conseguir dar peidos e, até, lidar com pilas voadoras. em suma: libertarás a couve que tens dentro de ti e serás, com certeza, mais gente.
se não te levares muito a sério, quem levará?) :-)
tra.quinas, a Igreja tem centenas de milhares de pessoas que podem produzir declarações absurdas, erradas, até vergonhosas. Mas, no essencial, nada muda: Deus é amor. Só assim a sua natureza faz sentido. Porque é esse o facto mais espantoso, o de haver animais que superam a animalidade e contemplam uma outra dimensão possível onde realizar o seu potencial. Um potencial ligado à consciência, à linguagem, à razão, à vontade, ao sentimento, à esperança, à promessa de transmutação num todo apenas imaginado ou intuído. Chamar amor a esta realidade que somos pode fazer confusão quando se contempla um trajecto cheio de violências desde o fundo dos tempos, mas o sentido da civilização é o do crescimento desta inteligência que ama, “conhece” (para ir ao hebraico e fazer um trocadilho que nada tem de maroto, antes de corpo glorificado).
Se, depois, alguns homens se odeiam, ou não se amam, ou dão origem a equívocos porque não se expressaram com clareza, ou porque as suas declarações foram retiradas do contexto, pois a isso chama-se Humanidade.
pega lá um sorriso branquinho, val.:-)
chi
A resposta de Val à Maria é comparável à diatribe entre o Pdr Carreira das Neves e Saramago: uma tremenda dificuldade em colocar ordem lógica nos argumentos sem recorrer ao mais improvável de todos eles: a fé.
Imaginem Val a explicar a um bombista suicida que era tudo questão de identidade e que isso justificava o seu acto?
Maldita fé que vem sempre em nosso socorro quando nos dá jeito! Ou não fosse a história das religiões do livro a crónica da manipulação da verdade da fé…
nuno castro, falas de que argumentos? E como medes a probabilidade dos argumentos? Estou curioso, tenho a certeza de que me vais explicar.
Sim, o problema dos bombistas suicidadas é esse mesmo: a identidade. Pelo que podemos dizer que a identidade que tem como finalidade a autodestruição e o assassinato de civis será patológica. Pelos nossos critérios, claro – ou seja, de acordo com a nossa identidade ocidental, democrática e humanista. O facto de tudo ser uma questão de identidade não anula o factor identidade.
Maldita fé que vem sempre em nosso socorro quando nos dá jeito?!… Olha que é, exactamente, ao contrário.
Quanto à “história da religiões do livro”, desconfio que te faltam ainda muitas e decisivas leituras nessa matéria, certo?
Val, divergimos na necessidade dessa outra dimensão para concretizar o potencial humano.
Meu caro Valupi
Deixaste-me meio atordoado, ao atreveres-te a avançar com uma definição de Deus: «Deus Caritas Est», disseste tu, «Deus é amor». Já é audácia, e só ao alcance do ser humano, propor a Sua existência. Devassar-Lhe a intimidade da alma só mesmo de quem tenha uma fé que ressuscita os nossos mortos um a um. E no entanto, caro Valupi, o Homem cedeu a esta fé, praticamente desde o momento em que se tornou consciente de que era um universo face a outro universo. E não fez mais do que começar a balbuciar a conjugação do verbo SER: eu sou… tu és… nós somos…Quando começamos a tomar consciência deste universo único que cada um nós é, fomos assaltados por um sentimento de indizível solidão. Indizível e brutal, como o murro no peito. O autor dos «Miseráveis» fala desse momento como quem fala da entrada no inferno: «Todo o inferno está contido nesta única palavra: solidão». O mesmo Victor Hugo vislumbra a porta de saída deste inferno e encontra o caminho do paraíso: «A suprema felicidade da vida é a certeza de que somos amados». Ocorre-me dizer que a fé dos homens resulta da necessidade intrínseca que cada um de nós tem de «falar» com alguém, para lhe fazer notar a «minha presença» e chamar-te «a ti» para bem junto de mim.
Como não tenho essa tua fé explícita, fico-me pela «definição» da alma humana, esta que sou e tu és e nós somos. E não me custa nada entrar no paraíso de Victor Hugo, concordando com ele: a nossa suprema felicidade é a certeza de que somos amados. Não me aventurando a dizer «Deus é amor», fico-me pela maravilhosa definição do
que somos, à falta de melhor fala: O Homem é Amor.
Quando, da minha solidão, chamei por «ti», só o meu amor e o meu amigo responderam ao apelo. E estes foram-se afastando da religião como uma criança que sai da água do banho…
Faltou dizer, mas adivinhava-se: não deitemos tudo fora, a água do banho e o bebé, como parece que o Saramago pretende fazer.
será que sai aqui?
não vai tudo dar ao mesmo, mario, quando se fala da omnipresença e omnipotencia do amor-Amor? :-)
(e deixa o saramelga escrever e delirar o que bem entender e bebe, apenas, o suminho bom).:-)
o amor-Amor não é essencial nisso, tra.quininhas? :-)
(pôrra, pôrra).:-)
Não sei se vai dar ao mesmo, Sinhã, porque esses conceitos de omnipresença e omnipotencia são mais abstractos que a matemática pura ou puro raciocinio. Para desgosto de Descartes, nós só “pensamos sentindo”, porque somos este corpo,jovem ou velho, lindo ou feio, que ora nos transporta ao infinito (onde até cabe a abstracta omnipresença) ora nos recorda que somos um pequenino universo, que ocupa este pequeno espaço, neste curtissimo tempo de uma vida. O Mistério da Vida está aqui, em mim e em ti, e só não vê quem anda adormecido ou apenas sonolento.
és complicado, marinho. então se está em mim e em ti não é, isso, a omnipresença e omnipotencia? (haja consciência, claro).:-)
Claro que é essencial, Sinhã. Mas amor também é angústia, medo e sofrimento. E até solidão e alguma perda de identidade.
Deus é amor, é luz, é desejo, é inteligência, é criatividade (como diz o Agostinho da Silva) e até o acaso.
Para os não crentes resta pouco mais do que a ignorância e as trevas.
E será que Deus chega a ser mais do que um extraordinário exercício de linguagem que só pode ter trazido vantagem à nossa evolução?
O meu problema é mais com a vergonhosa manipulação que as religiões sempre fizeram dessa nossa necessidade.
as religiões que vão para a puta que as pariu a todas, tra.quininhas; não sei se é mais do que isso nem sei bem se evoluimos mas esse deus do agostinho é o mais certo, sim. não podemos é deixar de amar, apenas, pelo lado lunar que o amor tem. partam-se e revigorem-se as taças
(se estiverem guardadas no armário jamais serão, isso é certo, partidas).:-)
Mario, dizes muito bem. Mas é vantajoso recordar que estamos sempre com os pés no chão: usar a palavra “Deus” não esgota nenhum dos seus sentidos ou pragmáticas. Assim, até um ateu usa a palavra para negar a sua realidade material ou existencial, espiritual ou transcendente. Quando me refiro a Deus como amor, estou a olhar para a evolução histórica do conceito. Para mim, é indiferente se Deus “existe”, até porque tal ser não é aferível e, em última análise, seria absurdo reduzir o todo a uma das suas partes, aquela onde se estaria a manifestar.
É engraçado constatar que Saramago repetiu Jesus, em João, ao dizer que nunca ninguém viu Deus. E com esta ideia concordariam todos os antigos, para quem a presença de Deus é destrutiva para os humanos. Do poder supremo apenas pode haver sinal, ou símbolo, e representantes ou derivados menores – titãs, semideuses, demónios, anjos, profetas, sacerdotes. Então, de Deus – em especial do deus que vingou no povo hebraico – não há presença directa, antes ele habita na transcendência, é um intangível, o totalmente outro da Natureza. É o infinito, a pureza absoluta, a perfeição – nenhum limite humano o pode circunscrever, conhecer ou explicar. Enfim, estou a ser simplista e erróneo, mas o ponto a fazer agora não pede rigor.
Deus não existe, mas há. Estou a citar Pessoa, e qualquer pessoa de fé, especialmente se for um místico. Os místicos conhecem muito bem a inexistência de Deus. Recorde-se, como curiosidade, as memórias de Madre Teresa de Calcutá onde ela fala do quase insuportável sofrimento com a ausência e silêncio de Deus. Muitos outros místicos, ao longo dos séculos, deixaram páginas sublimes de amor não correspondido.
Para mim, é como para Rilke, para os poetas, para as pessoas de boa-vontade que invocas: Deus é algo que está a ser criado, Ele habita no futuro. Por isso, todos podemos ser criadores desse Deus que nos espera. Nesta esperança, ou imaginação, cada uma das nossas acções, volições e realizações conta. São… isso… divinas!
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tra.quinas, onde vês manipulação? E porque dizes que sempre foi feita? Lembro-te que não há registo de nenhum grupo étnico que não tenha desenvolvido uma religião (pelo menos, uma). O que implica uma associação que nada tem a ver com a manipulação, antes com a sobrevivência. Tem em conta que a Humanidade terá à volta de 200 mil anos, e só há duzentos começámos a separar completamente a política da religião.
é precisamente pela política estar casada com a religião que há manipulação (não é o vaticano o casulo mais rico do mundo?) :-)
olha, alimenta bem o lagarto que vive dentro de ti, val, e passa fome hoje, que é para amanhã seres mais feliz.:-D
Haver manipulação na religião, Sinhã, não faz da religião algo manipulador. Na verdade, é ao contrário: a religião é libertadora. Ou achas que por haver médicos incompetentes e juízes corruptos a medicina e a justiça deviam acabar?
andamos em círculos: já não distinguimos o deus-amor do deus-religião? por acaso, muito me apraz pensar no fim da medicina convencional e abertura completa à naturista. juízes? acabava com eles todos e começava a educação das gentes: profilaxia.:-)
(utópica, eu? não: inconformada).:-)
Val, acabei de dizer que só pode ter sido uma mais valia para a nossa evolução.
Os fundamentalismos, um exemplo entre milhentos, não são uma manipulação?
E o que chamas à vontade de substituir a Biologia nas escolas pelo Criacionismo?
isso é impensável, tra.quinas. desde quando uma subjectividade, assim, pode ser instituída?:-)
Será que a manipulação é uma característica das religiões ou do ser humano?
Será que os poderes não religiosos não manipulam?
Será que um religioso manipula mais do que um ateu?
isso já é divã, edie.:-)
(quem faz o poder – religioso ou não – não é o homem? que carago…).:-)
Sinhã, cuidado contigo, então.
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tra.quinas, os fundamentalismos são formas perversas do religioso. Por exemplo, tanto Jesus como Buda podem ser vistos como exemplos de rebeldes face àquilo que viam, no seu tempo e circunstâncias, como fundamentalismo: a religião judaica para Jesus e a hindu para Buda.
Quanto ao Criacionismo é igual a outro “ismo” qualquer: trata-se de uma ideologia. Mas fazer desses exemplos o argumento para acabar com a religião é que me surge como ilegítimo.
Creio que se fala muito de religião não vendo mais do que certos actores e circunstâncias, os mais caricaturáveis. Por exemplo, que dizes das pessoas que, em nome de Deus ou invocando a sua fé, passaram a vida toda a cuidar dos mais miseráveis, muitas vezes também em condições miseráveis? Dirias que o fizeram porque foram manipulados? Estou curioso em conhecer a tua opinião.
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Edie, excelentes perguntas.
:-) então porquê, val?
(cuidado com a ilha: sinhã não liga com então).:-)
Val, quando se promete a salvação, ou milagres diversos, em troca de determinado tipo de comportamentos não se está a manipular a sociedade?
Louvável, Val. Mas também encontras muitas pessoas não crentes que dedicam a sua vida a fazer o bem.
Porque queres acabar com os médicos e juízes, Sinhã. Já não voto em ti.
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tra.quinas, mas de que comportamentos estamos a falar? As religiões começaram por ser os depósitos do saber dos povos e das épocas. Serviam de constituição política, código civil, manual de primeiros socorros, professor de moral, aula de História, e um sem-fim de outras utilidades. Aquilo que é o seu conservadorismo nasce desta força original. Mas chamar a esta força “manipuladora” será o mesmo que achar que os genes tentam limitar-nos a liberdade – afinal, eles não querem que eu tenha outra cor do olhos, outra tipo cara, outra altura, etc.
A palavra “manipulação” está a ser usado por ti moralmente, como algo pejorativo. Contudo, e para dar um bom exemplo, nenhum pai protege, educa e faz crescer os seus filhos se não for “manipulador”. Certo?
Quanto a serem actos louváveis, eis o que interessa. Já não interessa nada dizer que há actos louváveis fora do âmbito do religioso, posto que não é essa a matéria em discussão. Todavia, se consideras louvável doar a sua vida a ajudar os outros só porque se tem fé, entras em contradição com a ideia de ser a fé uma resposta obtida por manipulação. Tens de te decidir neste aspecto da questão para podermos avançar nela. Ou não avançar mais, claro.
és um manipulador, e nato, val.:-)
não votes
(quem disse que eu quero poder desse?) :-)
E ainda junto outra:
será mais fundamentalista e manipuladora uma igreja – católica ou outra – que se atém aos textos sem perceber como passar a sua essência para o homem de hoje ou o ateu que usa os textos para demonstrar que não têm essência, apenas conjunturas locais e históricas?
Sou da Nato? Mentira!
tu és é da nata dos espertalhaços.:-D
(nem gostas de discutir poligião comigo).:-)
A ciência está hoje a ser mais eficaz na “demonstração” do conceito de Deus do que as religiões. A ciência física tradicional fica-se pela matéria palpável ou acessível através dos 5 sentidos. Mas a física quântica aproxima-se da outra coisa, chame-se partícula divina, inteligência universal, ou o que se quiser.
Se no universo nada se perde e tudo se transforma, é mesmo tudo, não? Ou só o que é material?
“…que se atém aos textos sem perceber como passar a sua essência para o homem de hoje…”
Edie, a maioria dos crentes percebe tanto dos ‘textos’ como eu, e isso deve-se ao facto de a Igreja não promover o seu estudo aprofundado, vá lá saber-se porquê. A ‘essência’ passa para o Homem de hoje com a ajuda de fenómenos como o de Fátima e outros semelhantes. Não é com certeza por acaso que os papas (os mais humildes servos) fazem tanta questão de os promover (espero que esta palavra não fira os crentes mais sensíveis) com a sua presença. Creio que estes fenómenos não constam nos textos, mas se estiver enganada agradeço que algum ccrente me elucide.
ei guidinha.:-)
vim dividir o meu pão, quentinho com manteiga, acabadinho de sair do forno, contigo
(chega-te esta minha essência?):-)
(eu não andei na catequese mas sei que existem manuais e em religião e moral também).:-)
guida,
concordo, mas foi mesmo isso que eu disse: a igreja , instituição igreja, não passa a essência …embora, acrescento, haja excepções como em qualquer regra.
Por outro lado os ateus doutrinários também não, até porque muitas vezes são perfeitamente ignorantes daquilo que estão a comentar.
No fundo, no fundo, somos todos profundamente ignorantes, embora uns (os das certezas) mais do que outros…
à superfície, a ignorância veste-se de presunção e de água benta
(e cada um toma a que quer).:-D
boa, edie?:-)
Sinhã, pão acabadinho de sair do forno é sempre uma excelente essência. :)
Pois, eu andei na catequese. Aprendiamos, sobretudo, a importância dos rituais. Os textos eram dados muito por cima da rama. Basta ver que qualquer pessoa pode ser catequista, conheço algumas que mal sabem ler quanto mais interpretar um texto, seja ele qual for. :)
só por ser para ti, vou fazê-los crescer e multiplicar.:-)
(pois, disso não sei nada mas socialmente é bem ser catequista, não é?):-)
Edie, não concordo. A essência passa, senão como é que o padre Carreira das Neves usava o argumento de serem milhões e milhões de crentes como ele, dando a ideia de que o factor quantidade lhe dá mais razão?
Passa através daqueles tais fenómenos que os crentes com quem me vou cruzando não gostam muito de desenvolver, não sei porquê.
Já estou com água na boca, Sinhã. :)
Não ser catequista também não é mal visto em lado nenhum. Não sejas assim. :)
olha, o meu irmão quando era pequenito quis ir experimentar e gostou muito – enquanto pôde fazer diabruras (daquelas com as sardeniscas, sabes?). depois, não quis mais.:-)
guida,
portanto, essência igual a quantidade?
Val, a manipulação pode até ser uma inevitabilidade e, ainda assim, continuar a ter uma conotação negativa. A forma como o Agostinho da Silva vê as crianças nos vídeos que deixaste responde cabalmente à questão que colocas relativamente à educação dos nossos filhos: ficamos sempre a perder alguma coisa. Ou ficamos a perder porque não os preparamos para a sociedade onde vão ter que viver, ou ficamos a perder a espontaneidade infantil que é tão reconfortante e enriquecedora. Não há aqui contradição nenhuma. Há é opções e todas elas com aspectos positivos e negativos. E escolhas.
O ser humano é manipulador. Mas a religião, que reclama para si própria uma emanação divina, não deveria estar fora dessas ninharias humanas? Isto pode parecer muito estapafúrdio, mas sabes bem que a Palmira tem razão porque para muito boa gente, hoje a Bíblia é a palavra de Deus, mas amanhã é literatura historicamente datada cuja leitura exige instrumentos cirúrgicos para a analisar e escalpelizar. Quando interessa deve entender-se a dimensão alegórica do assunto e se for caso disso que venha uma interpretação mais espiritual. Apetece dizer, decidam-se!
A necessidade da Igreja ser conservadora é algo óbvio mas não entendi a analogia com os genes porque, por enquanto, ainda não escolhemos a cor dos olhos ou dos cabelos dos nossos filhos mas temos, conscientemente, uma enorme responsabilidade na esolha da religião. Tal como também não percebi se nisso dos ismos serem todos ideologia também estavas a incluir o cristianismo. Mesmo que a resposta seja sim e apesar de considerar os fundamentalismos muito perigosos, tal não me faria vestir o papel de cruzado para acabar com as religiões. Quando muito uma resposta mais seca ou uma ironia mais ou menos despropositada, mas a liberdade individual sempre como bem maior. : )
tra.quinas,
que interrogações tão pertinentes. Eu sou crente, embora não siga nenhuma religião -não nego que tenha influências de algumas. Mas as instituições de poder que são as igrejas ficam muito reféns desses jogos hipócritas de reforço desse mesmo poder.
Mas os erros humanos não devem fazer esquecer o nosso outro lado.
Talvez não venha muito a propósito, mas acabo de ouvir o António Lobo Antunes a dizer que “às vezes é preciso pormo-nos nas patas de trás e projectarmos uma sombra maior”.
e depois há isto,
E acrescentou, na mesma entrevista sobre o seu último livro, que vai morrer a fazer perguntas a Deus. Que diferença face a Saramago, tão cheio de sentenças definitivas, não é?
“portanto, essência igual a quantidade?”
Onde é que eu digo uma barbaridade destas, Edie?!
Pela interpretação que fiz da palavra ‘essência’, nem sequer percebo a tua pergunta. Pode estar errada a minha interpretação. :)
z,
bolinha de material abstracto, perfeita e frágil?!?
Divina matemática! :)
Edie, eu fiz questão de acrescentar o acaso numa lista anterior das definições comuns de Deus porque tinha acabado de o ouvir na net (numa entrevista do Crespo) contar a história, muito engraçada, de que deus assina com acaso quando não quer ser reconhecido. Mas… e daí?
É tão lindo, né? Ainda me falta lá perceber uma coisa mas prometo que um dia consigo. E dá um jeitão para dar uma espanadela à alma com aquelas coisas de penas – espero que não fure ou espirre – agora vou xonex.
guida,
ok, pode sempre considerar-se essência como alho ou como bogalho :)
Eu, por exemplo, adoro essência de frésia…
“Deus , em sua infinita misericórdia , manda de vez em quando um missionário gordinho para alimentar canibais pobres e subnutridos “.
Não existe pertinência nenhuma naquelas questões, Edie. Elas circulam há milhentos anos. Há quem defenda, por exemplo, que a nossa civilização está penhorada na nossa arte medieval porque ela é sobretudo religiosa. Atendendo à histórica dependência da arte para com o poder económico, queriamos o quê? Que os artistas tivessem deixado caralhos, conas ou morcegos no púlpito?
Por favor, é nossa obrigação inventar argumentos mais plausíveis.
Já é uma questão de saúde.
D’asss, isto está cada vez pior, ou “melhor”, sei lá como já previa. Quando o bloguista-mor avaliador dos comentaristas, mandando uns para o céu e outros para o inferno ou ainda outros para o purgatório, afirma que “a religião é libertadora” , quando está mais que provado que a religião surgiu da invenção de uma abstracção monstruosa e desumana por determinados homens para dominarem outros, nem que fosse “cortando-lhes a garganta” de acordo com a vontade do “monstro”, fosse ou não por necessidade derivada do contexto social da época (há milhares e milhares de anos), ou pegando-lhes o fogo na praça pública (isto apenas há poucos séculos atrás) está tudo dito. Depois ainda há por aí umas vestais ou travestais sei lá, para irem confundindo a maralha, de acordo com a vontade velada do “cardeal patriarca” do sítio. G’anda blog este. D’asss! A Ciência p’rá fogueira, já!
tra.quinas,
“E daí?”
Daí que a poesia também é uma forma de conhecimento.
“será mais fundamentalista e manipuladora uma igreja – católica ou outra – que se atém aos textos sem perceber como passar a sua essência para o homem de hoje”
Neste contexto, essência como alho ou bugalho, só se for para ti, Edie.
Divergimos porque eu acho que a mensagem das igrejas continua a passar, daí o facto da esmagadora maioria da população mundial afirmar-se crente numa divindade qualquer. :)
guida,
Dizes: “A ‘essência’ passa para o Homem de hoje com a ajuda de fenómenos como o de Fátima e outros semelhantes”.
Eu digo: ” a igreja , instituição igreja, não passa a essência (…)”
do dicionário:” a essência de uma coisa é constituída pelas propriedades imutáveis da mesma, adventos do conhecimento. O oposto da essência são os acidentes da coisa” – sei lá, Fátima, por exemplo…
Quanto a “daí o facto da esmagadora maioria da população mundial afirmar-se como crente numa divindade qualquer”, parece que é fenómeno humano, quase tão velho como a nossa existência aqui no planeta, ainda antes de haver igrejas.
tra.quinas, a palavra “manipulação”, e seu literal conceito, apenas remete para o uso da mão. Parece-me que estás a querer moralizar negativamente qualquer acepção que, no fundo, remeta para o “poder”. O poder como maligno, talvez estejas assim a pensar, por contraposição a uma ausência de poder (que corresponde ao nada) ou a um poder individual e absoluto (que corresponde ao tudo). Não sendo nada disto o que ocupa o teu pensamento, então aceitarás que não há nada de errado com a ideia de manipulação. Por exemplo, há paparoca saborosa na mesa porque alguém manipulou os alimentos com saber.
Perguntas se a religião não deve estar fora das ninharias humanas. É uma excelente pergunta, e mais excelente ainda era que tu lhe desses resposta. Vamos imaginar que respondes “sim, a religião deve pairar acima das ninharias humanas”. Nesse caso, ela tornar-se-ia inacessível, pois não há humanos sem ninharias humanas. É por isso que não existe esse tipo angélico de religião, antes o que vemos são religiões humanas e, em muitos casos, demasiado humanas. São os humanos que criam as religiões, e que lhes atribuem capacidades – logo, a religião é uma expressão da natureza humana. Ser humano, então, implica ter apetência para a experiência religiosa, e para a filosófica, e para a artística, e para a científica, a para a lúdica, e para [preencher com qualquer uma das manifestações da natureza humana].
A tua dificuldade com esta duplicidade é a dificuldade de muita e boa gente. Ela nasce de uma ingenuidade resultante de não haver ainda reflexão maturada sobre o fenómeno religioso. Assim, não existem textos na Bíblia que não tenham sido escritos por seres humanos, nesse sentido eles também podem ser analisados historicamente, antropologicamente, estilisticamente, e na paleta toda das ciências ou disciplinas. Entretanto, esses mesmos textos, e com essas características, podem ser invocados como manifestações da divindade. Não há nenhuma contradição, antes pelo contrário. Por exemplo, para os cristãos tem sido importante encontrar documentos que provem a existência histórica de Jesus. Haver uma fonte não cristã que se refira a Jesus é valioso em matéria de fé, não pelo conteúdo intrínseco (poderia ser apenas uma noticia da morte de um judeu rebelde, por exemplo), antes pela legitimidade conferida às outras fontes cristãs. Mas ainda se pode dar outro exemplo, um que seja relativo à nossa experiência pessoal. Tomemos o caso de uma fotografia, ou carta, que seja para nós valiosa por conter uma memória concreta de um tempo, ou pessoa, ou lugar que nos comove. Essa comoção, para nós, está directamente ligada à existência material daquele documento, contudo ele não perde as suas características genéricas, sendo apenas matéria para quem nele não obtenha o tipo de experiência que temos. Por outro lado, a nossa experiência é tão real para nós que não desaparece mesmo se tentarem convencer-nos que estamos “apenas” perante uma foto tirada há 2 ou 20 anos, ou um papel salpicado com tinta igual a milhões e milhões de outros papéis salpicados com tinta. Ouvirmos esse tipo de considerações é inútil, dado que nós conhecemos a nossa irredutível história. Assim é, também, na fé – por ser uma experiência de amor.
O exemplo dos genes é relativo à noção de liberdade na religião. O equivalente dos genes, na minha analogia, seria a doutrina, ou credo, de uma dada religião. Ora, tal como os genes que tenho são uns e não outros, e não é por isso que perco a liberdade, também nas religiões se pode ser livre mesmo com mandamentos e mitos e liturgias. Isto porque a liberdade não existe sem um contexto.
O cristianismo pode ser visto como ideologia, e como super categoria ideológica, contendo diferentes ideologias. Quem diz o cristianismo, diz qualquer outra religião. O conceito de ideologia remete para as construções totalitárias onde se dá sentido ao mundo e à vida.
Finalmente, caso começasses a estudar a religião nas suas dimensões espirituais e místicas, ao invés de a ver no aparato folclórico e opressivo, descobririas que não há liberdade individual maior do que aquela que resulta do mergulho em Deus. Esses é que são os verdadeiros exploradores da liberdade suprema.
Eu digo: ” a igreja , instituição igreja, não passa a essência (…)”
Edie, então passa o quê? :)
guida, voltamos atrás, novamente:
passa os “acidentes” (vd. atrás). Ex: rituais, canonizações, baptismos, casamentos e funerais, fátimas e lurdes, por aí.
Já lhes ouvi chamar muita coisa, mas ‘acidentes’…
Fico com a sensação que há vários tipos de crentes, apesar do deus em que acreditam ser o mesmo: uns impregnados da verdadeira ‘essência’, outros que embalam nestes ‘acidentes’. Aposto que para a Igreja é indiferente, o que é preciso é fé.
Qual conhecimento, Edie? Sou só um alucinado que anda aqui desertinho que a ciência transforme a alegria, outros sentimentos e o sofrimento em fórmulas matemáticas, tá?
“…descobririas que não há liberdade individual maior do que aquela que resulta do mergulho em Deus.” Do deus da bíblia, claro, ou seja do católico e até de outros, muito mais, ou seja deste: http://www.youtube.com/watch?v=xaiDzynEFQg .
Continuo estupefacto com este bloguista, mas o que é certo é que a igreja católica, apologista, desde sempre, da violência mais cruel contra os infiéis, actualmente com um chefe nazi-fascista(http://www.remnantofgod.org/images/nl0603-hitlerrccfriend.gif) e o que mais se vê por aí, conseguiu dar a volta a estas “pobres almas” e a outras, acéfalas até dizer chega, religiosamente falando, claro, porque de estúpidas nada têm!
http://www.remnantofgod.org/images/nl0603-hitlerrccfriend.gif
In: http://www.remnantofgod.org/nl0603.htm
Val, com manipulação ocorre-me logo o teatro de marionetas. Pois que tem a ver com mãozinhas e até pode ser um espectáculo de extraordinária beleza. Contudo, se fizermos uma analogia com os comportamentos sociais, ninguém gosta de ser chamado de fantoche. Mesmo que, com mais ou menos metáfora, alegoria para aqui ou parábola para acolá, esteja em causa o longo braço do criador que com suas próprias mãos manipula os cordelinhos. Isto para dizer que as relações de poder, como reconheces, tendem a ser cada vez mais saudáveis no sentido em que ou tens legitimidade porque a maioria vota em ti e a vivência comunitária exige que respeites essa vontade, apesar de poderes continuar a defender a tua, ou porque a tua argumentação é de tal forma sólida que eu, de livre vontade, não só a aceito como a subscrevo. Nada disso se passa com as religiões. Para ti as promessas e os milagres ou a questão da salvação são folclore. Para mim são manipulação proposta e confirmada pela religião.
Na tua argumentação louvável e meritória e agora também muito mais plausível, paira sempre o factor tempo como um adicional de razão aos teus argumentos: foi sempre assim, o homem sempre acreditou, não há exemplos de comunidades sem religião. Mas a História Humana está cheia de rupturas e os deuses a gosto foram caindo conforme o Homem ia resolvendo a sua ignorância e os seus medos.
Mas acabámos por chegar a um ponto da conversa que me interessava especialmente: a religião é humana, tem os defeitos e as virtudes de todos nós. Então não existe aqui nada de transcendente e divino. Por ela não podemos aferir nem a existência nem a inexistência de Deus. É simplesmente um instrumento de poder como muitos outros. Também é interessante dizeres que nunca existiu uma experiência humana sem religião porque isso torna naturalmente descabido dizer-se que o ateísmo alguma vez cometeu crimes. E nem merecem comentários os fantasmas que a igreja católica retirou daí nos tempos modernos, nomeadamente com Fátima.
Sabes bem que existem não crentes cuja formação está intrinsecamente ligada ao meio religioso e há até alguns ateus militantes e sobejamente conhecidos que conhecem melhor os Livros do que a esmagadora maioria dos crentes, portanto recomendar leituras das escrituras pode ser muito despropositado. Pode nem ser necessário escafandro e barbatanas para mergulhos em profundidade mas é completamente indispensável a fé para que alguém acredite que elas são a manifestação de uma entidade suprema.
Há muito que o monoteísmo ocupou lugar de destaque na civilização ocidental. Mas o irónico de toda esta questão é que, se um dia destes, esse tal deus cair tanta razão terás tu como eu. Será então atingido um patamar superior em que o ser humano se identifica completamente com o cosmos sem intermediários. Tu reclamarás que foi indispensável o caminho das religiões e eu que, afinal, deus não era mesmo necessário.
Muito obrigado pela rica reflexão, tra.quinas. São muitos os pontos no teu texto por onde pegar, tal o interesse das questões que trazes. Contudo, e para evitar eventuais equívocos, começo por um esclarecimento: não sou católico, nem sequer cristão. Assim, estou-me marimbando para o que a Igreja diga ou deixe de dizer a respeito de Deus, Fátima, ateus e o camandro. Tenho interesse em conhecer e compreender as posições da Igreja, mas não a represento seja no que for. O mesmo para qualquer outro credo, cristão ou não cristão. Do que não abdico, contudo, é do meu exercício de pensamento acerca da religião, mesmo sabendo que é frequente o debate ser difícil e estar todo armadilhado pelos preconceitos e ignorâncias comuns nestas matérias.
Dito isto, passo para uma citação do que escreveste:
“Mas acabámos por chegar a um ponto da conversa que me interessava especialmente: a religião é humana, tem os defeitos e as virtudes de todos nós. Então não existe aqui nada de transcendente e divino. Por ela não podemos aferir nem a existência nem a inexistência de Deus. É simplesmente um instrumento de poder como muitos outros.”
Dizer que a religião é um instrumento de poder como os outros será fazer uma generalização, uma abstracção, que dilui as diferenças desse instrumento específico. A ciência e a arte também são instrumentos de poder – o cientista é procurado por ter poder, o artista é recompensado por ter poder – e são radicalmente distintas uma da outra, e cada uma das restantes, na sua natureza. Mais uma vez, e intuir reforçado com a tua alusão às marionetas, parece-me que estás a postular que há algo de maligno, ou de censurável, no poder. Se for esse o caso, que dirás do poder do médico, do professor e do juiz? Preferes que eles não tenham o poder que têm? Pura e simplesmente, viver é ter poder.
Então, qual será o poder da religião? Este é o momento em que seguimos por caminhos diferentes. Tu consideras que a religião é uma forma de opressão, iludindo os crentes com falsas promessas. Eu considero que a religião é uma forma de libertação, permitindo a realização plena do potencial humano. A nossa diferença está a radicar no ponto de vista. O teu é o sociológico, onde vês apenas uma organização política em acção. Sobre ela aplicas um filtro que só te permite ver os elementos que confirmam o teu cinismo. Por exemplo, nada dizes quanto à obra misericordiosa das religiões, nem ao seu papel educativo, pacificador e civilizador. Preferes dirigir o olhar para os casos de violência e exploração que a História deixou associados aos símbolos e pessoas ligados à religião fosse de que forma fosse. Já o meu ponto de vista é o psicológico, ou intelectual, vendo na religião uma experiência que radica na própria inteligência. É a capacidade de interrogar a realidade que conduz a consciência para o conhecimento dos seus limites. Chegada aí, que faz a consciência? Faz o que sempre fez, tenta ir mais longe. A religião é uma dessas tentativas de ir mais longe, nascendo esse ímpeto espiritual em direcção à transcendência do humano facto de haver limites ao conhecimento!
Sendo assim, e assim é, dizer-se que a religião é humana não anula a chamada para aquilo que ultrapassa o humano, o natural e o material. É o próprio Homem que se descobre com espaço para Deus, um espaço que não consegue preencher com nada que conheça e vai conhecendo. Nesse sentido, haverá sempre uma necessidade de procurar Deus, nenhuma ciência poderá substituir esse salto para um absoluto que está antes e depois da própria realidade experimentada pelos humanos.
Também importa realçar que a filosofia e a ciência nascem da mesma busca de conhecimento que está na origem da religião. Pelo que estar a separar esses ramos pode ser uma crasso erro. No fundo, nós somos um animal que possui linguagem verbal, e essa parece ser uma condição que obriga a nossa consciência a conceber um sentido último que nada pode substituir. Para mim, Deus é bom, pois ao criador do que sou e do que vivo tenho de agradecer infinitamente. Resta-me a esperança de que o sentimento seja recíproco, mas jamais disso tendo certezas.
“…Para mim, Deus é bom, pois ao criador do que sou e do que vivo tenho de agradecer infinitamente.(…)
Ainda bem que não nasceste duma família esfomeada das Áfricas ou lá do 3º ou 4º mundo, senão falavas doutra maneira, se o conseguisses, claro, e nem te dás ao trabalho ver o que há a fazer, quase impossível sabemos, mas pelo menos ficava-te bem a intenção e a preocupação, mas já vejo que, dando alvíssaras como fazes, ao criador desta monstruosa injustiça, estás a cagar-te nisso.
Mas talvez isto te ajude a tomar mais consciência do mal que as pessoas inteligentes como tu, estão a fazer à humanidade, planetariamente entendida: http://desciclopedia.pt/wiki/Anticristo – a brincar se vai desmontando a pulhice do sistema.
E que fazes tu pelas famílias esfomeadas de África, manutor?