"O jornalismo é a arte de chegar demasiado tarde, logo que possível."
Este sarcasmo certeiro do escritor sueco Stig Dagerman sobre uma profissão que foi também a dele vem-me muitas vezes à mente. Veio, por exemplo, a propósito da tentativa que fiz de compreender o que se passou com Sara Furtado, a jovem sem-abrigo que confessou ter colocado num ecoponto o bebé que deu à luz na madrugada de 4 para 5 de novembro.
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As minhas questões eram simples: que era suposto ter acontecido a esta mulher quando foi detetada na rua, e porque não aconteceu? Porque não quis, fugiu, recusou, ou porque não lhe foi proposto? E quem tem a obrigação de responder a isto?
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Ora sabe-se que Sara vivia na rua desde pelo menos julho e que desde essa altura estava credenciada. E que quer isto, credenciada, dizer? Que tinha sido "entrevistada" por um técnico de apoio social de uma instituição pertencente ao NPISA, o qual escrevera uma "carta de encaminhamento" na qual se atestava o estado de necessidade de Sara e constava obrigatoriamente o seu nome e idade, assim como o tipo de serviços a que devia ter acesso: alimentação, por exemplo.
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A primeira questão é pois: que instituição credenciou Sara, e o que foi feito a partir daí? Foi-lhe atribuído, como é suposto, um "gestor de processo", para tentar criar com ela uma alternativa para sair da rua? E, nesse âmbito, que lhe foi proposto, se alguma coisa? Por outro lado, se foi referenciada, como é que a Santa Casa não a encontra no sistema?
Estas perguntas deveriam ter sido feitas desde o início, desde o momento em que Sara foi detida. Mas a maioria dos jornalistas, como eu, nada sabia das regras do apoio aos sem-abrigo, de como é suposto as coisas acontecerem ou até da existência de uma coordenação.
É que quase todo o jornalismo que se faz sobre sem-abrigo se ocupa sobretudo das "histórias humanas", quer dos sem-abrigo quer das "equipas de rua", muitas vezes compostas de voluntários, e passa ao lado do resto.
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Mas aqui estou, atrasada mas logo que possível, a pedir contas. Sara está detida há mais de um mês, como mais de um mês de vida tem o bebé salvo do lixo. E ainda não vi, não vimos, um comunicado, um esclarecimento, qualquer coisa - de esquerda, já agora - do NPISA e da Câmara de Lisboa sobre o assunto. Não vimos um anúncio de inquérito sobre o caso, como se fosse possível algo assim acontecer e não haver uma averiguação formal, um apuramento de responsabilidades.
Como se, à partida, se decidisse que não há nem pode haver responsáveis; que o que sucedeu é normal, que não havia nada a fazer e não vale a pena perder tempo com o que lá vai. Como se à partida o NPISA nos estivesse a dizer que não serve para nada, que isto da intervenção junto dos sem-abrigo é uma completa treta da qual não podemos esperar mais do que carrinhas a distribuir sopa.
Como se aquele bebé no lixo fosse um gesto radical performativo, espelho brutal do nosso não querer saber.
Possivelmente a resposta a estas perguntas todas é: A Sara tem culpa e mais ninguém a tem, porque a Sara não quis sair da rua, não aceitou qualquer oferta de ajuda, e deitou o bebé no lixo porque sempre foi essa a sua intenção.
Ora aqui está a grandiloquência ajavardada do Sr. Lavoura que, possivelmente, sabe tanto da resposta às questões postas no post como eu ou mesmo o autor, a desculpar e ilibar a questão dos verdadeiros responsáveis, Há sempre, infelizmente, quem desculpe a incompetência inércia e desmazelo dos serviços publicos responsáveis por estas questões sociais e, assim, vão estes continuando sem nada ou pouco fazer pelos desgraçados que vivem nas ruas.
Como tem o Sr. Lavoura o atrevimento de dizer que a Sara tem culpa e mais ninguém a tem, que não quis sair da rua e aceitar qualquer ajuda. Acaso falou com a desgraçada? Foi ela que lhe disse ser sua intenção deitar o bebé no lixo? Oh homem, vá-se mas é catar e deixe de branquear incompetências e desleixos dos serviços públicos!
ela tem toda a razão , mas agora tem de investigar as condições e meios de trabalho das assistentes sociais que fazem esse trabalho e , sobretudo, o trabalho de rua. nem carros e motoristas que cheguem têm.
o Sr. Lavoura sabe tanto da resposta às questões postas no post como eu ou mesmo o autor
É verdade. Por isso mesmo encetei o meu comentário com um “possivelmente”. Eu apenas aventei uma possibilidade, não disse que ela era real.
Há sempre, infelizmente, quem desculpe a incompetência inércia e desmazelo dos serviços publicos responsáveis por estas questões sociais
Eu tendo a enfatizar as responsabilidades dos privados, isto é, das pessoas e das opções que elas fazem, em detrimento, de facto, das responsabilidades de quaisquer serviços públicos.
o atrevimento de dizer que a Sara tem culpa e mais ninguém a tem
Eu não disse tal coisa, apenas aventei a possibilidade de ser esse o caso. Escrevi “possivelmente”, não escrevi “certamente”.