Manuela Ferreira Leite – […] Eu devo dizer que aquilo que mais me preocupou, que mais me espantou, é como é que foi possível que um primeiro-ministro ao falar do País, e ao falar do futuro do País, não pronunciou uma única vez a palavra que definia aquilo que é o problema do País. Como é que isso foi possível?…
Ana Lourenço – As pequenas e médias empresas?
Manuela Ferreira Leite – Não! O problema do País é o endividamento do País. Ele nunca pronunciou essa palavra. E, portanto, o Primeiro-Ministro consegue uma coisa absolutamente extraordinária que é falar da situação actual do País, perspectivar o País para a frente, sem falar neste ponto que é essencial. Ou seja, não tem como problema… como é… o problema do País. E, portanto, não vai nunca conseguir fazer crescer o País, só vai conseguir fazê-lo empobrecer, como de resto tem acontecido.
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“Eu não me esqueço que no tempo anterior, no chamado tempo da antiga senhora, o orçamento sempre esteve equilibrado, só que o povo estava na miséria.”
Para Manuela Ferreira Leite, o caminho traduzido na proposta do Governo é “totalmente errado” porque faz da redução do défice ou do objectivo do superávite o seu único objectivo, sem olhar às consequências.
“Não me dizem nada os números, um orçamento define-se pela política que ele traduz e pelos objectivos de política que tem.”
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Em 2008, quando a Grande Recessão começou, o endividamento estava nos 70% do PIB. No final de 2009, em pleno afundanço económico mundial, ficou nos 83,6%. Em 2019, depois de 6 anos de crescimento da economia, está nos 120%.
Em 2008 e 2009, o Governo português teve menos receita de impostos, por causa do arrefecimento económico, e teve mais despesas sociais, por causa da redução da actividade económica e das falências que aumentaram o desemprego. Ao tempo, foi política europeia comum introduzir capital na economia, através dos Estados pois os bancos estavam igualmente a precisar dessa ajuda estatal, de forma a tentar que a recessão mundial não se transformasse num depressão em tudo igual, ou ainda pior, à ocorrida no século XX.
Em 2008 e 2009, com Ferreira Leite a presidir ao PSD, nunca a direita portuguesa se referiu ao problema das dívidas soberanas que iria rebentar pela Grécia no início de 2010. Ignoravam por completo a situação e suas consequências. Daí terem feito uma campanha que apostava tudo no moralismo, no assassinato de carácter, nas campanhas negras e nas golpadas mediático-judiciais.
[pausa para um café]
Obviamente, a Manela tem razão em 2020. Ter contas equilibradas e o povo na miséria não se deseja a ninguém. Só que essa cassete salazarista tem sido tocada na direita decadente desde Cavaco, o segundo professor de Finanças que conseguia meter as contas do galinheiro na ordem, de acordo com o subtexto no seu marketing político. Foi nesse mesmíssimo território que Ferreira Leite foi posicionada para contrastar com os “perdulários” socialistas nos idos de 2009, viciados em gastar dinheiro no Estado e nas questões sociais à custa dos magníficos empresários e sua fantástica capacidade de criar riqueza nos países sem contágio dessas ideias marxistas. E foi ainda aí que Passos Coelho e Portas, com o chumbo do PEC IV e o ir além da Troika, embrulharam a sua política de terra queimada para um assalto ao poder aonde o preço seria sempre o afundanço de Portugal e um maremoto de desgraças individuais e colectivas. As profecias, em 2015, sobre a impossibilidade de o PS governar com o apoio do PCP e do BE mantinham a idiota e torpe convicção de não haver alternativa à austeridade salvífica pela mão de ferro dos direitolas. Rui Rio andou décadas a cultivar essa imagem de “alemão”, fanático das contas certas.
Costa e Centeno, em aliança parlamentar com a esquerda, provaram a inanidade da retórica soberba e alucinada destes últimos 30 anos de sucessivos líderes do PSD e comentadores engajados, muitos a partir das direcções de órgãos de comunicação social. O desnorte, o desamparo, o desespero, é total. Sem poderem carimbar os socialistas como estroinas, e calhando alguém no Parlamento obrigar o Ministério Público e os juízes justiceiros a cumprirem a Constituição, que lhes resta?
Pelos vistos, isto que a Manela aqui mostra. A continuação do vale tudo, passando até a valer ter um discurso que, caso o tivesse assumido em 2009, lhe poderia ter dado uma vitória eleitoral num situação em que o interesse nacional era exactamente esse: esquecer o endividamento e lembrar-se das pessoas. Assim tivesse menos pulhice na táctica e módica decência na estratégia.
Eu o que acho contraditório é que a Manuela tenha dito taxativamente em 2009 que “o problema do País é o endividamento do País” e que, agora em 2020, com um endividamento muito maior do que em 2009, não saiba dizer o mesmo e concluir que o orçamento tem que, no mínimo, estar equilibrado!
Luís Lavoura, achas tu e acho eu. Foi precisamente por causa dessa contradição – mas também das outras relacionadas – que escrevi.
Estamos perante uma inversão de 180º.
Mas o que é que se espera de uma …. “criatura”, que ainda há não muito tempo, teve a distinta lata, e falta de vergonha, de dizer que foi o PSD que criou o Serviço Nacional de Saúde.
Se não é filha da putice, não sei o que será.
Ok, é preciso dar um desconto à D. Manuela, a idade já lhe pesa, a memória já não é a mesma. Mas… e a taxa de juro da divida portuguesa em 2009 e em 2020 senhores? São comparáveis?
A taxa média das Obrigações de Tesouro a dois anos era de 2,5% em 2010 e de 5,9% em 2011. Neste ano de 2011 a taxa a 10 anos era de 10,2%, um espanto.
Qual é a taxa actual? Andará pelos 0,5%, depende dos prazos.
Se o PEC IV não tivesse sido chumbado na altura estão convencidos de que era possível salvar as finanças públicas portuguesas sem apoio externo? Esqueceram-se do défice /dívida pública que andava escondida? Aos milhares de milhões.
O défice (corrigido) das contas públicas em 2010 foi de 11,2% do PIB.
Vamos recordar a evolução da dívida pública (a verdadeira) em % do PIB:
2008 – 72%
2009 – 84%
2010 – 94%
2011 – 108%
Como é que era possível esquecer o endividamento com esta evolução brutal da dívida? Não era, de todo. Na altura o acesso aos mercados de financiamento fechou-se ao Estado e aos Bancos.
Hoje é muito fácil o Estado colocar dívida pública e os bancos financiarem-se. A dívida pública hoje está alta mas está estável, o que não aconteceu naqueles tempos idos.
O que eu acho curioso é o governo de esquerda praticar as políticas financeiras próprias de governos com outro tipo de orientação política. E o mais espantoso é encontrar os partidos de esquerda silenciados. A realidade impõe-se cá de uma maneira …
Portanto, não me parece tão contraditório o discurso da D. Manuela, os tempos de 2009 e 2020 não são comparáveis.