Exactissimamente

Não se depreenda disto que o facto de os professores terem uma ação direta, e muitas vezes decisiva, na vida dos nossos filhos seja conscientemente utilizada como arma. Acho que a maioria dos professores acredita que as suas lutas são parte integrante da sua vontade de o ensino ser cada vez melhor.

Seja como for, o facto é que o papel que desempenham na comunidade lhes traz talvez a maior capacidade reivindicativa de todas as classes profissionais. Tem sido utilizando essa força que conseguiram afastar aquela que foi a melhor ministra da Educação da democracia portuguesa, Maria de Lurdes Rodrigues, que conseguiram um sistema de avaliação de desempenho que pouco conta para a progressão na carreira (chamar-lhe avaliação é, por si mesmo, abusivo), que são mais bem remunerados do que os seus congéneres europeus de países com índices de desenvolvimento similares ao nosso e que o decurso do tempo tenha mais relevância do que em relação a qualquer outra carreira da função pública.

Repito que será assim também porque pensam que isso é melhor para os alunos e para o sistema de ensino.

Estão errados, porém. Não é admissível que a avaliação conte tão pouco para a progressão na carreira e que a passagem do tempo seja um fator decisivo. É injusto e de certeza que não contribui para que os professores sejam melhores profissionais e para um melhor ensino. O paradoxo de quem avalia não ser avaliado seria argumento bastante.


Qual é, afinal, a luta dos professores?

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Nota

Quem é professor no Ensino Secundário sabe bem, por testemunho&cumplicidade (no mínimo), que a avaliação dos alunos é sistemicamente fraudulenta. Daí até se projectarem como futuras vítimas da mesma perversidade não vai nem um milímetro nem um segundo. Menos, muito menos, muitíssimo menos. E da falta de vocação pedagógica e das incapacidades didácticas e científicas é melhor nem falar sob pena de voltarmos a ter a Avenida da Liberdade cheia de pavor e raiva.

18 thoughts on “Exactissimamente”

  1. pois , ainda me lembro , há uns anos , de os licenciados quererem ir todos para o ensino , não pela vocação , mas pelas mordomias e salários 5 estrelas. não têm vergonha na cara.

  2. Uma só solução: descentralização! na contratação, na definição de carreiras e salários.

    O Ministério da Educação é o Monstro das Bolachas. Quanto maior é mais bolachas quer comer, por cabeça, claro está!

    Igual para o Ministério da Saúde…

  3. A crença do Sr Pedro Lopes na “boa-fé” das motivações das lutas dos meus ilustres colegas, é fofinha mas é só isso. Se fosse como diz, o primeiro propósito dessas lutas teria a ver com os programas, as metas curriculares, as cargas horárias, as abordagens pedagógicas. Ora não é esse o alvo. O propósito muito claro é ganhar mais para fazer o mesmo ( ou menos ) e chegar à idade da reforma tão no topo quanto possivel . Os estratagemas com que temos convivido para realizar esse desiderato, deveriam fazer corar de vergonha as pedras das calçadas. Exemplo: tive uma colega no meu grupo de Bio-Geo com menos tempo de serviço que me ultrapassou na carreira graças a um doutoramento que fez em….Relações Internacionais. Foi assim até a Dra Lurdes Rodrigues acabar com isso.

    Quanto à fraude “sistemática” na avaliação dos alunos a que se refere o Sr Valupi, não tenho razões para o acompanhar. Pode-se discutir os critérios e os métodos, até as metas, mas invocar fraude sistemática parece-me excessivo, apesar dos problemas nessa matéria que existem em certas situações. Exemplifico : a obrigatoriedade do 12º e os cursos profissionais com conteúdos programáticos muitas vezes desajustados do perfil dos alunos em presença, coloca muitas vezes o professor num dilema: os “facilita” ou o aluno abandona sem terminar.

  4. Sobre este problema, o meu apelo é que não transformem uma questão que devia ser politica no mais elevado sentido do termo, numa guerra de trincheiras em que todos os intervenientes, ou pelo menos todos aqueles que se reclamam sinceramente da esquerda, so têm a perder.

    Por um lado, não é audivel a posição radical dos professores quando eles recusam qualquer forma exequivel de avaliação, porque é justo, legitimo, e de esquerda, que os actores do maior serviço publico nacional (em termos de custos) prestem contas a respeito do efeito redistributivo da sua acção.

    Por outro lado, pese embora seja verdade que os professores são relativamente bem tratados em Portugal quando comparados com os professores noutros paises europeus, não é aceitavel a gestão meramente contabilista dos recursos do serviço publico educativo. Em França, a noticia que sai hoje é a de que as carreiras docentes deixaram de ser suficientemente atraentes para encher as vagas abertas a concurso. E’ claro que isto é preocupante. A Ariane Mnouchkine tem uma frase deliciosa : “porque carga de agua deveriamos pagar a alguém mais do que a um professor primario?”.

    Finalmente, a dificuldade conceptual em torno da qual se criaram as confrontações actuais, ou seja a necessidade de conjugar os principios do serviço publico com o respeito de uma actividade “liberal” no sentido original do termo, em vez de ser um obstaculo, devia ser antes um possante estimulo para encontrar soluções equilibradas e inteligentes, que tenham em conta os principios seguintes, que penso reunem um largo consenso :

    1. O serviço publico educativo deve ser o principal factor de redistribuição do pais, dando oportunidades a todos e elevando o nivel geral da população, ao mesmo tempo que a produtividade em termos economicos.
    2. O serviço publico educativo deve respeitar a liberdade de ensino em todas as suas dimensões, começando por respeitar a liberdade dos professores.
    3. A liberdade so o é verdadeiramente contando que não se converta em roubalheira, o que implica ela não pode tornar-se, e deve imperativamente fazer tudo para não ser, um factor de desperdicio.

    Boas

  5. Essa tal de “Dra. Lurdes Rodrigues” parece ter sido, realmente, a melhor ministra da educação de sempre. Ou não fosse ela ministra do governo do melhor Primeiro-ministro de sempre. Esse mesmo, o trafulha que vivia à grande e francesa com o dinheiro de um amigo…
    Parece que essa “Dra” queria impor aos professores uma avaliação burocrática e dividir a carreira docente em dois (para melhorar as finanças), mas não conseguiu devido à “raiva” de uma classe profissional incompetente (em que não se incluem as titulares “Marias”, claro). Ironicamente, essa mesma “Dra” teve uma avaliação negativa no ISCTE e reclamou considerando que “a avaliação do desempenho não se pode transformar num processo burocrático e administrativo”.
    Parece que uma das primeiras medidas dessa “Dra” foi acabar com os estágios pedagógicos com turmas atribuídas aos estagiários, o que revela como ela estava empenhada em “melhorar” a formação de professores.
    Parece que essa “Dra” foi a criadora dos “cursos” das “Novas Oportunidades”, uma espécie de avaliação dos alunos fraudulenta que atribuía diplomas a quem não tivesse concluído o 9º ou o 12º ano.
    Parece que a socratinada está a preparar-se para iniciar uma nova guerra contra os professores (onde não se incluem as “Marias”, claro), o que é caso para dizer que a história se repete, primeiro com a tragédia da Rodrigues e depois com a farsa do Rodrigues. Parece que o Costa queria a maioria absoluta mas só o vai conseguir aliando-se com a direita. É, a história repete-se…

  6. Maria, a fraude a que me referi não é sistemática mas sistémica. Ou seja, um número indeterminado de professores (quiçá a maioria, ou mesmo a enorme maioria) dá as notas de acordo com os melhores critérios de avaliação ao seu dispor. Ao mesmo tempo, um número indeterminado de professores (inevitavelmente, a enorme maioria, se não forem exactamente todos) pactua nos conselhos de avaliação com situações onde se passam alunos de ano por razões que não têm validade pedagógica. Isto para não falar das motivações esconsas que remetem para a postura de evitar qualquer eventual problema com encarregados de educação que acabe no Ministério da Educação e seus inerentes sarilhos e perdas de tempo para o professor na berlinda.

  7. Li mal, Sr Valupi, as minhas desculpas.
    Reconheço razão no que diz. Embora considere que talvez valesse a pena ponderar se uma boa parte das situações para que remete não terão na sua origem uma ideia errada da escola ao nivel da escolaridade obrigatória. Com efeito, quando se pede à escola que “distinga” ( quando talvez lhe devesse ser exigido que “incluisse”., mas esse é outro debate…) , coloca-se nas mãos de um professor a enorme responsabilidade de condicionar o futuro de pessoas a critérios que provavelmente deveriam ser ponderados por outros. Dou um exemplo: tendo a educação fisica voltado a contar para a média e contando esta para acesso ao superior, em que medida fará sentido A ultrapassar B apenas porque é melhor desportista ? Isto é, não deveria a selecção para o ensino superior ser resolvida pelas faculdades, evitando-se assim ao secundário decisões que não estão habilitados a tomar ?

  8. Maria, precisamente porque as questões que levantas, entre tantas outras inerentes, são legítimas é que o problema é sistémico. Porém, ninguém é obrigado a ser professor nessas condições, muito menos a pactuar com disfunções.

    Isso de sermos alunos, ou encarregados de educação, e ouvirmos professores a queixarem-se de que lhes chegam às mãos alunos que não deveriam ter passado de ano é algo tão espalhado que se tornou folclórico ao longo das décadas.

    Obviamente, basta saber o mínimo sobre a história do ensino público e da expansão da escolaridade após o 25 de Abril para saber quais são as causas desses problemas.

  9. Concordo, sr Valupi, há um problema sistémico, tão sistémico que ultrapassa em muito a capacidade da escola para o resolver por si só ( o que não quer dizer que a escola faça a sua parte para o resolver, pelo contrário…).

    Quanto a ninguém ser “obrigado a ser professor nessas condições”, também é verdade, ninguém é obrigado. Da mesma forma que ninguém é obrigado a ser outra coisa qualquer sabe deus em que condições. O problema é que há alturas em que conseguimos mandar na vida ( ou temos essa ilusão…) e outras em que é ela a mandar em nós. Mas disso o senhor sabe melhor que eu, certamente.

  10. Maria, quando é a vida a mandar em nós, devemos evitar aparecer como professores seja onde for pois não estaremos em condições de ensinar, ou sequer ajudar, alguém – muito pelo contrário.

  11. Sim, sr Valupi, num mundo perfeito devia ser como diz. Neste em que vivemos é que não sei se os que passassem por esse crivo serviriam para mais do que para amostra do que deveria ser.

    Ainda uma nota sobre aquela questão do “folclore”. É como diz. Trata-se de um lugar comun e sem relevância prática. Vi muitos alunos de topo do secundário desmoronarem-se completamente nas faculdades; e vi muitos mediocres fazerem excelentes percursos universitários e profissionais. Isto foi-me particularmente evidente nas áreas técnicas. A escola não está vocacionada para avaliar o “saber fazer”. E compreende-se. A minha geração de professores não aprendeu a fazer nada excepto a dar a matéria dos programas., portanto como poderia ensinar a fazer o que quer que fosse, não é !?Há entre nós agrónomos que nunca plantaram uma couve, engenheiros civis que nunca assentaram um tijolo, licenciados em lingua portuguesa incapazes de ter uma acta pronta no final duma reunião de conselho de turma. Não os critico por terem sido comandados pela vida. Acontece. O que critico é que se tenham corporativizado.

  12. Se a maioria dos profs for parecida com as “Marias”, temos de dar razão ao “sr. director valupi” e concluir que a classe em causa é constituída por profissionais incompetentes e que são incapazes de reconhecerem a sua mediocridade. Por um lado, avaliam-se a si mesmos como bons professores e não querem ser confundidos com o resto dos “colegas” medíocres que se corporativizaram; mas, por outro lado, rejeitam ser “avaliados” de acordo com os parâmetros do “sr. director valupi”, alegando que há situações em que a vida manda em nós e em que temos, por isso, de nos submeter ao sistema. Mas, como disse o “sr. director”, quem pensa e age desta forma não está em condições de ensinar nada a ninguém, a não ser ensinar a não questionar e a obedecer. Precisamos de uma escola em que as “marias” comandadas pela vida possam ser despedidas. E rapidamente.

  13. Ó “Câncio”, não me digas que na tua vida pessoal e profissional só fazes o que queres , quando queres, e a quem queres! Se é assim, invejo-te, pá ! Gostava era de saber quantos há como tu, além do Valupi, claro. Tens ideia ? Obrigadinho.

  14. Valupi, larga o tinto (e deixa de escreveres. leres e partilhares bacoradas).

    «Andar na vida, nesta, não deve ser nada fácil.», presume-se que te referes a quem anda na vida, a tua Valupi, o que para além de desnecessárias considerações morais num assunto que quase sempre me faz emudecer publicamente (a vida é tua, dela/s e dele/s, rapaz!) estou bastante de acordo com o teu desabafo.

    Não deve ser nada fácil, de facto.

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