Entregues à Cofina

Os jornalistas dispõem de direitos inerentes à liberdade de expressão, liberdade de informação e liberdade de imprensa consagrados na Lei, os quais lhes outorgam poderes especiais – e de grande influência potencial – sobre indivíduos, grupos, entidades públicas e privadas. Como contraponto a querermos viver numa sociedade onde se pratica livremente o jornalismo, a Lei igualmente estipula algumas limitações de consciência a uma prática com tamanha apetência para ser usada de forma danosa. Este o contexto para convidar à leitura do Código Deontológico que é suposto reger a profissão de jornalista. Em menos de cinco minutos, ficamos com o retrato idealista da função. E sorrimos tristes face à ingenuidade do texto quando confrontado pela experiência comum de consumir peças e intervenções jornalísticas que violam 13 ou 14 dos 11 pontos do Código.

Na Cofina não se satisfazem com o absoluto desprezo despejado quotidianamente sobre as matérias da ética e deontologia jornalísticas. Vão muito mais longe pois assumem o papel de se substituírem às instituições judiciais portuguesas (pelo menos estas, mas talvez sonhem em lançar uma polícia plenipotenciária internacional para caçar “corruptos”, tudo devidamente fotografado e filmado que é para as sentenças serem despachadas nos horários escolhidos pelos anunciantes). Tendo em conta que já tentaram constituir como arguida uma cidadã e jornalista, no que deve ter sido caso único nas democracias mundiais, assistir aos editoriais da direcção do Correio da Manhã e da Sábado onde declaram guerra contra o Estado de direito, contra um certo partido e contra certos políticos (e ainda contra terceiros relacionados privadamente com os alvos) é só lógico, coerente, um novo normal sancionado pelo regime. Contam com a cumplicidade do Presidente da República, do sistema partidário e da oligarquia. No Expresso e no Observador há regulares sinergias editoriais e declarações de solidariedade para com os trabalhos sujos que a Cofina faz com proveito monetário, agenda política sectária, populismo de direita e puro deboche soberbo.

Acima vemos um exemplo da violência que se aceita por vir da Cofina, violência cívica e política que muitos com grandes responsabilidades sociais celebram: o tratamento dado a Armando Vara. O director do jornal escolheu colocar na primeira página uma mensagem que estabelece uma qualquer culpabilidade deste cidadão. O contexto é relativo à investigação parlamentar em curso à recapitalização da CGD e às declarações de Alexandre Santos, ex-director de Empresas Sul da Caixa Geral de Depósitos, na II Comissão de Inquérito. De acordo com a única leitura possível da chamada de capa, o tal Alexandre Santos proferira afirmações que comprovavam ter Vara cometido algum acto ilegal. A linguagem policial escolhida, o uso do verbo “entregar”, veicula a imagem de uma denúncia de um crime real por parte de quem o testemunhou ou dele foi cúmplice. Para os leitores habituais do CM, há anos a ler incontáveis variações da mesma acusação no mesmo pasquim, a promessa da “notícia” nem sequer consegue suscitar surpresa. Obviamente que alguém entregou Vara porque obviamente que Vara é culpado sem carência de provas. É culpado porque na comunicação social há quem jure que é culpado e disso faça um negócio, uma profissão de fé e uma festa. Vara é tão culpado, cogita informado o leitor-tipo do esgoto a céu aberto, que tudo o que se venha a provar contra ele só peca por tardio e por escasso. Muitos outros crimes, gigantes, cometidos por Vara nunca serão descobertos pois ele continua a ter a protecção dos restantes corruptos que estão em todo o lado: Estado, partidos, empresas, outros jornalistas que não sejam caluniadores profissionais; assim vai o contacto com a realidade e a decência nestes infelizes. É para a criação de uma legião de analfabrutos que a Cofina trabalha com o sucesso que se conhece.

Entremos na peça. Constatemos que ela está construída em cima de uma informação que não corresponde a qualquer actividade ilegal, sequer irregular ou moralmente duvidosa. A exploração caluniosa é feita apenas com o recurso à estupidez e desinteresse dos eventuais leitores. O discurso reafirma a crença que a audiência já possui cristalizada, não se perde um caracter a fazer jornalismo se por jornalismo entendermos o que o Estatuto e o Código Deontológico do Jornalista estabelecem. E se calhar perdermos o nosso rico tempo a ouvir o que realmente foi dito por Alexandre Santos – Audição de Alexandre Santos, Diretor de Empresas Sul da Caixa Geral de Depósitos – então não só fica patente que o ataque a Vara não tem matéria factual como exuberante irrompe a visão de uma típica operação de encobrimento por quem produz um sistemático assassinato de carácter e perseguição política. No caso, encobre-se a licitude da conduta de Vara, a normalidade do caso do financiamento a Vale do Lobo, a normalidade dos processos de financiamento na CGD, a normalidade das consequências da crise financeira e económica começada em 2008 para quase todos os investimentos e seus créditos e a decisiva responsabilidade colegial e administrativa na CGD que por completo dilui (ou alarga) qualquer eventual intento ilegal, seja ele qual for no campo das suposições.

Não faço a menor ideia se Vara cometeu algum ilícito enquanto foi administrador da CGD. Assim como não ignoro a razoabilidade da percepção comum de ser a banca um sector onde tais comportamentos encontram oportunidades variadas e muito tentadoras para ocorrerem. Apenas constato a sistemática degradação cívica nascida do constante emporcalhamento do espaço público. A quem interessa o afastamento dos cidadãos das instituições da República que os representam e servem? Esses mentores e algozes não querem que se pense pela própria cabeça a partir do acesso às fontes, aos factos. Preferem cultivar um clima social onde o ódio embrutecedor dos mais frágeis, vítimas dos efeitos mediáticos deturpadores e contagiantes, se constitui como força de pressão e desculpa para outras e sempre mais violências. Queremos mesmo ficar entregues a esta gente?

14 thoughts on “Entregues à Cofina”

  1. Em tudo similar ao que se passou no Brasil. Sendo que ainda considero mais perversa a actuação da Globo, como concessão pública de televisão ao serviço de uma aliança perversa de agendas. Politica e judicial. Na condenação pública antes de qualquer julgamento, fazendo que promotores e juízes acabem completamente manietados pela opinião pública. Chama-se justiça popular. Como cá.

    Quando no último ano de Lula, antes da crise, o Brasil até cresceu 7,5%! Já Dilma viu o seu governo boicotado logo no dia a seguir às eleições com as alianças no Congresso. E foi de tal modo que até se viram obrigados a um arranjinho ilegal para o impeachement sair. Pela primeira vez um impeachement teve como resultado alguém perder o mandato mas ficar com os direitos políticos?! Tal foi a golpada. Pior só mesmo um juíz que investiga com bufos, vaza para os media o que dá jeito, julga, condena e se for preciso até interrompe as férias pela causa. Tanta adoração em Portugal não é por acaso. E o pior é que está a acontecer o mesmo pelo mundo todo. Chamava-se 4º poder.

  2. esse deve pensar que está no exército para achar que “cumprir ordens” dirime qualquer culpabilidade.

    a tvi também é da cofina, não? oferece cada espectáculo mais triste aos cidadãos , cruz , credo.

  3. Ah ganda jpferra!, continuas na fase do gugu-dada?

    Nota, Epá, então o Rui Mão de Ferro diz que também não conhece o Zé?

    LOL

  4. Vim ler mais um belíssimo texto de quem ainda é lúcido e sábio num país semi-destruído pelo neoliberalismo global e pelos traidores caseiros como esta Cofina e o resto dos pafiosos, tralha cavaquista e afins. Sem esquecer alguns idiotas úteis pseudo esquedistas. Tal como o comentador P, também concordo que é “em tudo similar ao que se passou no Brasil”.

    Este processo de regresso ao passado mais fascista e tacanho tem vindo a progredir, em especial na última década e a maioria das esquerdas e dos democratas nem se apercebem. Ontem gostei imenso de ver José Socrates a denunciar corajosamente a passividade bacoca de quem foi à Faculdade de Direito de Lisboa aplaudir um bandido fascista que violou tudo o que é lei no Brasil para chegar ao poder. Não olhou a meios para atingir fins. Ele, cujo cargo, teoricamente era defender a lei e a Constituição. Fez precisamente o contrário. Como fez durante vários anos o seu imitador de quinta categoria em Portugal, mas teve menos sorte porque a esquerda finalmente abriu os olhos e uniu-se para salvar o que resta da democracia.

    Espero que assim continue porque a direita mais raivosa e criminosa anda a espumar de raiva e todas as semanas inventa algo mentiroso para tentar destruir o governo e com ele o pacto de esquerda. Uma direita que tem a maioria da comunicação social ao seu vil serviço e também rios de dinheiro, ong’s e o diabo a sete….e uma desregulação completa do jornalismo…

    O povão que acorde ou terá o mesmo fim que o do Brasil: uma velha ditadura travestida de democracia. Hitler também chegou ao poder com eleições porque o povão e os políticos democratas eram uns ingénuos frouxos que foram aceitando a ditadura instalando-se de mansinho, não se deram conta ou pouco fizeram para a denunciar ou contrariar..Agora a historia repete-se.

  5. deve por ser tudo mentira, a corrupção no Brasil e no resto da américa latina, que o alan garcia se suicidou. naaa, não recebeu nada da construtora brasileira, tudo mentira, meteu um tiro no capacete porque sim.

    e o lulinha também não fez nadinha, tadinho, um santo, como o cavaco e o zézito kitsch.

    https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2019/01/18/lula-recebeu-dinheiro-em-especie-de-propina-da-odebrecht-diz-palocci-em-delacao.ghtml

    bendita delação premiada.

  6. […]

    «O povão que acorde ou terá o mesmo fim que o do Brasil [eram 11:37 e fizeste bem em avisar, pá!): uma velha ditadura travestida de democracia (1), Hitler também chegou ao poder com eleições porque o povão e os políticos democratas eram uns ingénuos frouxos (2) que foram aceitando a ditadura instalando-se de mansinho (3), não se deram conta ou pouco fizeram para a denunciar ou contrariar (4). Agora a histÓria repete-se.», cito.

    Nota. Isto é interessante do ponto de vista sectorial pois defende-se assim o interesse geral, como explicam, e bem!, os poderosos neurónios do Tagarela nos dias em que os leitores do DN são mais felizes, mas, ainda assim, trata-se de um parágrafo demasiado iconoclasta para-para, digamos, o nível de conhecimento actual. No entanto, e sem querer pensar nas motivações próprias que conduziram o autor à construção da expressão em si, realço apenas o vocábulo frouxo…

    Letra A, como diz o outro, do Dicionário aberto de calão e expressões idiomáticas, 2019.

    abafa-palhinha
    ◦ homossexual masculino passivo
    ◦ indivíduo efeminado
    sin.: arrombado; paneleiro; larilas; lelé; bicha; baitola; abichanado; lingrinhas; maricas; miasco; rabo; rabeta; rebola; rabolho; panasca; panisga; panilas; panão; panuco; picolho; veado; perobo; boiola; frozô; roto; gay
    ex.:
    frase: És um abafa-palhinha
    equiv: És um maricas, OR Eram uns ingénuos maricas que foram aceitando a ditadura instalando-se de mansinho, aqueles alemões.
    género: masculino
    level: calão carroceiro, OR calão politólogo, logo erudito.

    [Isto, sim, é d’homem!]

  7. Ahahahhahahaha! Os fascistoides/neoliberais submissos até espumam de raiva com o que eu escrevi…e ainda mais elogiando Sócrates! Olhem este Arturzinho,perdeu montes de tempo aqui a botar uma cantilena pseudo culta de “respuesta”. Oh, prá “Koltura” do gajo. Oh….Oh….Está danadinho, o frouxo. Coitado, esteve todo o dia a apanhar couves com a Xô Dona Cristas…e agora isto. É demais!
    Adoroooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooooorei!!!

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