Na semana em que terminou décadas de magistratura, o ex-presidente do STJ disse também que se as escutas a José Sócrates tivessem sido conhecidas «acabava-se o romance».
«Estou convencido que ainda há cópias por aí. Agora penso que ninguém tem coragem de publicar as cópias por duas razões: primeiro porque há uma ordem do tribunal e isso poderia corresponder a um crime; e depois porque se acabava o romance», considerou Noronha do Nascimento.
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Em várias ocasiões ouvimos Noronha do Nascimento a declarar a completa irrelevância judicial das conversas privadas captadas em Aveiro a um primeiro-ministro, operação que ocorreu nas vésperas de actos eleitorais e que serviu de arma política para campanhas negras e assassinatos de carácter. Pinto Monteiro também mediaticamente se pronunciou no mesmo sentido. E as declarações de ambos apenas explicitam simplificadamente o teor das decisões que ambos tomaram a respeito do caso adentro das suas responsabilidades públicas ao tempo. Conclusão: duas das mais importantes figuras da Justiça portuguesa afiançam que Sócrates – líder do Governo e líder do partido maioritário – foi alvo de espionagem com vista ao seu derrube político através da calúnia.
Mas há mais. Perante as notícias que dão conta da existência de um número indeterminado de cópias das escutas a circularem nos bastidores do sistema judicial, pelo menos por lá, e assim violando a ordem para a sua destruição, Noronha avança com um golpe de judo: se existem e não são reveladas, então é porque nada nelas existe que interesse revelar. Este argumento tem validade no plano da mera lógica de um combate político onde vale tudo, porém corresponde igualmente a um reconhecimento de que o Estado de direito está tomado por poderes fácticos tenebrosos, poderes esses que residem na própria Justiça. Um dos corolários desta admissão é o reconhecimento da fragilidade da democracia perante a perversão dos magistrados.
Sendo esta a realidade, e a realidade é exactamente esta, como explicar o imobilismo da sociedade perante um evidente processo de golpada judicial-mediática protagonizado por figuras próximas e ligadas ao PSD e ao CDS? Múltiplas serão as hipóteses, desde a cegueira tribal que diaboliza os adversários até uma cidadania incipiente num país moldado pelo analfabetismo, pobreza e iliteracia, passando pelo racismo ideológico do PCP e BE que se limitaram a ver de sorriso rasgado Sócrates e o PS a serem esmagados pelo aparelho conspirativo da direita portuguesa. Este caldo de contrastantes populismos exibiu uma geração de políticos que não consegue conceber um destino comum que ultrapasse as dinâmicas e violências da guerra civil.
Recusar este tipo de políticos não equivale a recusar a política – será absolutamente ao contrário.
aqui aprendi a distinguir política de poder. nunca é tarde. e é por isso que só posso ficar feliz por este texto administrar motivação e esperança, não obstante os que disso se alheiam, naquilo que é fazer, potenciar, o bem comum.
Podes escrever todos os textos que quiseres Valupi, não vai mudar absolutamente nada, pois «o mal já está feito».
“… reconhecimento da fragilidade da democracia perante a perversão dos magistrados.”
Nem mais.
Aveiro não foi episódio único.
No caso Casa Pia, temos vários jovens a testemunhar que tinham sido abusados por políticos muito conhecidos, todos do PS. Um até jurou que Jaime Gama e Ferro Rodrigues fizeram dupla pedófila, sendo que um ficava à porta do quarto a ver enquanto o outro consumava a violação. Depois trocavam.
Todos sabemos que estas histórias não se limitaram a arrancar um sorriso amarelo aos magistrados que as ouviram, longe disso. Que o digam Pedroso e mesmo os outros dois que só não foram acusados porque , segundo os procuradores, os alegados crimes já tinham prescrito.
Por outro lado temos mistérios como a investigação agendada do Freeport e a absoluta inércia da investigação sobre os submarinos alemães, com pessoas condenadas pela justiça germânica por suborno a responsáveis portugueses que desconhecemos.
Ah e o BPN.
Kamarada,
«o mal já está feito», é bem verdade, mas olha que escrever (e ler!) estes textos é mais poderoso para o desfazer do que tu imaginas.
A luta entre a onda e a rocha é eterna e quem imagine ou queira um Mundo sem ela seguramente morrerá iludido. O nosso papel é apenas o de escolher. Sermos onda, ou sermos rocha molhada. Nada mais.