Daniel Oliveira no Reino da Cobardia

Na passada quinta-feira foi publicada uma entrevista com Pinto Monteiro. Qualquer entrevista com esta figura é da maior importância para quem se preocupe com a integridade do regime. Não só exerceu o cargo de procurador-geral da República como, por isso mesmo, tem sido um alvo político da corporação sindical no MP e da direita decadente e sua (de ambas) indústria da calúnia. Acresce serem raras as suas intervenções públicas se as compararmos com a quantidade de ataques que recebe. Para cúmulo, está montada uma campanha para tentar forçar a renovação do mandato de Joana Marques Vidal, campanha essa assente na deturpada e suja comparação com o exercício de Pinto Monteiro adentro da sistemática exploração política da “Operação Marquês”. É difícil encontrar assunto mais ponderoso do que o da suspeita de corrupção – ou qualquer tipologia de ilegalidade – no Ministério Público, não carece de explicação.

Assim, seria de esperar que o comentariado, podemos até esquecer o jornalismo, pegasse nas inerente e inevitavelmente gravíssimas declarações do ex-PGR para as analisar, para as comentar, para as citar, para as criticar, para as denunciar, para com elas fazer alguma coisa de interesse para a comunidade, a sociedade, o espaço público. Debalde. Provavelmente, terei perdido fugazes intervenções, mas nem na “Quadratura do Círculo”, nem no “Bloco Central”, nem no “O Outro Lado”, nem na “Prova dos Nove”, nem no “Sem Moderação” o assunto foi sequer tocado pela rama. Onde não faltou a indigência e pulhice do costume foi no Observador e no “Governo Sombra”. Resta um só exemplo de aproveitamento construtivo da entrevista, embora num contexto sem condições para estender e aprofundar as questões em causa: “Eixo do Mal“.

No quarteto, o Luís Pedro Nunes representou com zelo o papel de bronco raivoso, a Clara Ferreira Alves exibiu desabrida a sua desonestidade intelectual quando o tema mete Sócrates, Pedro Marques Lopes esteve igual a si mesmo na boa-fé e decência das suas posições e ao Daniel Oliveira deve-se o único exercício de pensamento que encontrei até hoje a respeito da entrevista de Pinto Monteiro. De facto, ao Daniel não é possível carimbá-lo como “socrático” ou “socialista”, pelo contrário. Daí a força das suas palavras, força aumentada pela acutilância e relevância dos três primeiros pontos em que tocou: (i) a ambição ilegítima, perversa e respectivo dano político do sindicato do MP, (ii) o escândalo de regime em que se transformou a violação do segredo de justiça e a cumplicidade activa da comunicação social com esse crime e seus prejuízos e (iii) a evidência de que nenhum processo relativo ao mandato de Pinto Monteiro que tivesse qualquer relação com Sócrates foi reaberto ou aproveitado pela equipa da “Operação Marquês”, sendo a conclusão inevitável a de nada terem de aproveitável por quem esteve a montar um megaprocesso onde se pretendeu maximizar a acusação por qualquer ponta possível. Aliás, no ano passado foi noticiado que as suspeições relativas ao negócio PT-TVI tinham ficado definitivamente encerradas e não mais seriam investigadas – o que é fonte de boa risada tendo em conta que esse negócio nunca sequer existiu nem ninguém sabe como se iria concretizar e quais as suas consequências. Basta lembrar que também se dizia, em 2005, que a Prisa vinha transformar a TVI num canal do PS e depois foi o que se viu com o casal Moniz, idem para o Grupo Lena e o que foi o jornal i. Como se sabe, em Portugal, canais mediáticos ao serviço de agendas políticas só podem ser de direita.

O único momento em que patinou no raciocínio foi quando fez alusão a uma passagem da entrevista em que Pinto Monteiro recordou que o processo “Freeport” ficou parado após as eleições de 2005. O Daniel, talvez influenciado pela Clara, viu nisso apenas a suspeita de pressão política vinda do Governo ou do PS. Ora, à luz dos factos já inscritos na História, é muito maior a probabilidade de se ter parado o processo por causa das eleições, sim, mas tendo em conta que as próximas eleições legislativas ainda iam demorar 4 anos. Continuar a investigar seria uma estultícia num processo que nasceu no PSD de Santana Lopes com o único propósito de influenciar actos eleitorais. E assim foi, em 2008 regressou com estrondo e ocupou todo o ano eleitoral até às eleições em Setembro de 2009. Como disse há uns anos o Professor Marcelo entre risos de prazer, Sócrates perdeu a maioria por causa dessa golpada.

6 thoughts on “Daniel Oliveira no Reino da Cobardia”

  1. Não desanimes, Valupi.

    João Miguel Tavares
    OPINIÃO
    Foi isto um procurador-geral da República
    JOÃO MIGUEL TAVARES
    06 de Março de 2018

    https://www.publico.pt/2018/03/06/politica/opiniao/foi-isto-um-procuradorgeral-da-republica-1805450

    Nota, um conselho de amigo. Tens de procurar melhor, de ler quem interessa em vez de andares distraído… acho que é sobre o Pinto não sei o quê que foi não sei o quê no tempo do não sei quem. Gente da tua geração, portanto.]

  2. O Dr. F. Pinto Monteiro fez a sua carreira na Magistratura Judicial. Não era um deles, do Ministério Público. Foi o seu ‘pecado original’. A partir daí ou se submetia ou… foi o que se viu!

  3. hum , o pinto monteiro fala e a gente acredita de olhos fechados , non ?
    coitado , este santo procurador é atacado , já a cabra da joana , e toda a gente que duvida do inocente zézito , esses malandros , merecem todo o mal que digam deles..
    e quê , essa cena das toupeiras benfiquistas , de tipos anónimos função pública menor , será que trabalham noutras áreas de divulgação de segredos de justiça que não o futebol ? é que acusar juízes sem provas também é calunia , não ´?

    não há pachorra para tanta falta de espelho , puxa. que faccioso.

  4. Ola,

    Eu não me considero um fanatico socratico como os autores deste blogue, mas francamente nunca percebi a conversa do atentado ao Estado de direito, agora relembrada pelo atrasado mental do Tavares (à boleia do Freitas do Amaral, bem sei, ja na altura tinha achado completamente incrivel a tomada de posição do Freitas).

    Estamos a falar disto que se segue, não estamos ?

    ” Artigo 325.º
    Alteração violenta do Estado de direito
    1 – Quem, por meio de violência ou ameaça de violência, tentar destruir, alterar ou subverter o Estado de direito constitucionalmente estabelecido é punido com pena de prisão de 3 a 12 anos.
    2 – Se o facto descrito no número anterior for praticado por meio de violência armada, o agente é punido com pena de prisão de 5 a 15 anos.
    3 – No caso previsto no número anterior a pena é especialmente atenuada se o agente, não tendo exercido funções de comando, se render sem opor resistência, ou entregar ou abandonar as armas antes ou imediatamente depois de advertência da autoridade. ”

    Mesmo usando uma “interpretação extensiva” (o que em direito penal, nunca se deve fazer, mas enfim, conceda-se um desconto ao Freitas por ter nascido e ter sido formado durante o Esatdo novo…) alguém me explica o que é que pode ter aparecido nas escutas que tenha a ver, mesmo remotamente, com o que esta descrito aqui em cima ?

    Boas

  5. Pinto Monteiro não podia ter sido mais claro. O processo freeport parou depois de Sócrates ter ganho a maioria absoluta. Nunca antes. Sobre este tema, basta atentar nas datas de arranque de vários congéneres.

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